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URBANISMO » Arquitetura não é brinquedo

Em Brasília, dois dos arquitetos contemporâneos mais reconhecidos, o português Eduardo Souto de Moura e o brasileiro Paulo Mendes da Rocha, reafirmam o compromisso social da profissão

Conceição Freitas - Correio Braziliense
Publicação: 23/11/2014 

Paulo Mendes da Rocha: "É uma estupidez falar em casa popular"


Dois dos mais importantes arquitetos contemporâneos, consagrados com o Prêmio Pritzker, o mais importante da categoria, estiveram em Brasília na semana passada: o português Eduardo Souto de Moura e o brasileiro Paulo Mendes da Rocha. O primeiro é a estrela mais notável da arquitetura de seu país. O segundo também está no topo da lista dos mais admirados arquitetos contemporâneos brasileiros. Eles vieram participar do 3º Encontro do CAU/DF (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal). 

Embora extremamente simpático, Souto de Moura desbancou o título do painel para o qual foi convidado, “A contribuição da arquitetura e do urbanismo na construção da identidade cultural da Nação”. Em entrevista coletiva, ele disse que “a arquitetura não busca a identidade de coisa nenhuma. O mundo em que vivemos não é assim.”

As opiniões de Souto de Moura correspondem à sua envergadura: são robustas, marcantes. Sendo assim, era de se esperar que ele espinafrasse o projeto de Lucio Costa para a capital do Brasil. Tem sido esse o tom predominante entre arquitetos e críticos de arquitetura estrangeiros desde que a cidade foi inaugurada. Mas o craque português foi elegante. Se não derramou elogios demagógicos ao lugar que o recebia, evitou ofensas públicas. 

Contou que, na escola onde se formou, seus professores diziam que Brasília era “um erro insustentável de viver”. Depois de visitar a 308 Sul e os palácios da Alvorada e do Jaburu, Souto de Moura comentou: “Gostei do que vi e todos com quem conversei se dizem felizes”. O maior elogio veio na notícia de que o arquiteto de obras admiráveis, como o Estádio e o Mercado Municipal de Braga (Portugal), pensa em fazer um projeto de superquadra, nos moldes da 308 Sul. (Ver artigo nesta página). 

No painel apresentado num dos monumentos modernistas da cidade, o Cine Brasília, Eduardo Souto de Moura disse que a arquitetura não é arte. “Pode vir a ser, mas nossa intenção não é artística”. Mais adiante, reforçou o pensamento ao comentar uma instalação que havia feito: “Arquitetos fazem arquitetura para resolver problemas e promover a felicidade das pessoas. Se não, não tem sentido fazer um brinquedo”. Oscar Niemeyer não deve ter gostado nem um pouco.

O outro Pritzker, Paulo Mendes da Rocha, deu um tom menos arquitetônico e mais político ao seu painel. Realçou a importância do CAU e da criação do Ministério das Cidades. “Oxalá possamos estabelecer uma política que obrigue as cidades, as prefeituras, os municípios a respeitarem planos básicos de expansão sustentada com planejamento rigoroso de infraestrutura.”

Ao responder a uma indagação da plateia sobre os projetos oficiais de casa popular (embora não explicitada a pergunta referia-se ao Minha Casa Minha Vida), Mendes da Rocha não deixou barato: “É uma estupidez falar em casa popular. Não pode existir uma casa com água mais ou menos potável, não existe louça sanitária popular nem rede de esgoto popular, no qual os dejetos de vez em quando escorram na sarjeta”.

E dá-lhe Mendes da Rocha: “Não precisa ser podre para ser popular. Não precisa ser feia para ser popular. É uma mentalidade pequeno burguesa, querendo distinguir-se do pobre. Como se pobre tivesse de que ter casa de pobre, como na casa grande e na senzala. Por isso o CAU e o Ministério das Cidades têm que ter força para dizer que não é assim, produzindo desastres, que se constrói uma cidade.”

Além de trazer a Brasília dois consagrados arquitetos, o 3º Encontro CAU/DF homenageou outros três profissionais, João da Gama Filgueiras Lima, o Lelé, morto este ano; o engenheiro calculistas de obras de Niemeyer, Joaquim Cardozo, e o arquiteto e professor de arquitetura da Universidade de Brasília (UnB) José Carlos Coutinho. 

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