*Por: Eliane Trindade
"Danny Bond sou eu", diz Juliana, no primeiro contato por telefone para comentar "Felizes para Sempre?". A brasiliense de 38 anos contabiliza 22 deles numa terra parecida com a retratada na minissérie dirigida por Fernando Meirelles, cujo último capítulo foi exibido pela Rede Globo na sexta-feira (6).
"Danny Bond sou eu", diz Juliana, no primeiro contato por telefone para comentar "Felizes para Sempre?". A brasiliense de 38 anos contabiliza 22 deles numa terra parecida com a retratada na minissérie dirigida por Fernando Meirelles, cujo último capítulo foi exibido pela Rede Globo na sexta-feira (6).
Ao longo dos dez episódios e a convite
da coluna, Juliana (nome fictício) passou em revista sua vida em uma
"Brasília para maiores", contrapondo ficção e realidade.
A fina estampa e o carisma ("Sou
bem articulada, espirituosa e sei me comportar em qualquer ambiente")
carimbaram o passaporte da loura de 1,60m, 54 kg e olhos castanhos para o
território do poder.
Uma Brasília habitada por autoridades e
políticos –de todos os partidos e matizes ideológicos, do baixo ao alto clero
do Congresso Nacional, passando pelos primeiros escalões de sucessivos
governos–, além de empresários, empreiteiros e lobistas que orbitam em torno
dos poderosos.
Juliana mergulhou em reminiscências de
seu debute, ao acompanhar a personagem de Paolla Oliveira, uma garota de
programa de luxo que seduz um empreiteiro corrupto e sua mulher, ao ser
contratada pelo casal para um "ménage à trois".
"Eu tinha 16 anos, era estudante
do ensino médio, filha de uma família classe média, quando comecei a me
relacionar com homens mais velhos, todos ricos e poderosos. Eles pagavam as
minhas contas. Eu não gostava da minha vida, do lugar onde morava no Plano
Piloto e sempre almejei mais.
Fui vendedora de uma butique de luxo,
atendia mulheres ricas, socialites e sonhava em ser como elas. Como era muito
bonita, sempre fui assediada e me destacava pela personalidade.
Então, fui montando uma personagem: a
menina bonita, liberal e moderna. Era diferenciada na cor e no corte de cabelo.
Era fashion e a mais popular. Sempre transitei entre as classes de A a Z. Sei
atuar em todos os lugares e tudo era descoberta: o sexo, o meu poder de sedução
e o luxo."
Como Danny Bond na minissérie, a
personagem real agradou um importante empresário local. Juliana teve um Cláudio
Drummond (o empreiteiro vivido por Enrique Diaz) para chamar de seu. Aos 20
anos, conquistava o coração e as benesses de um homem que a promoveu de
recepcionista em uma de suas empresas a amante.
Com ele, viveu no centro do poder os
primeiros capítulos de um romance que teve como cenário a Academia de Tênis de
Brasília. Nos anos 1990, em plena Era Collor, a estrutura hoteleira e esportiva
era a mais requintada da Capital Federal.
"Por quase dez anos vivi na `vibe'
de mulher de milionário. Ele tinha 56 anos, quando começamos a nos relacionar.
Logo no começo do nosso caso, ele colocou as cartas na mesa: `Sou casado, tenho
filhos. Minha vida é complicada. Se topar a parada, não vai se arrepender'. O
que eu tinha a perder?"
Na ficção, Danny Bond ganha 3.000 euros
por uma tarde de sexo em um hotel de luxo com vista para o Lago Paranoá,
paisagem ofuscada pelo comentado bumbum da atriz. Ao final da transa, o cliente
declara: 'O que você quer? Aliança? Apartamento?' O céu era o limite também
para Juliana.
"Eu topei na hora. No dia
seguinte, saí da casa de minha avó, com quem estava morando, pois briguei com
minha mãe por causa do meu estilo de vida. Fiquei rica da noite para o dia.
Tinha cartão de crédito ilimitado, ganhei uma BMW, quando antes circulava com
um carro popular. Os filhos dele tinham a minha idade.
Fomos morar juntos. De cara, ele me
botou em um chalé na Academia de Tênis. Era vizinha da então ministra da
Economia, Zélia Cardoso de Mello, que morava lá. Tomava café da manhã com
ministros do Collor. Imagina tudo isso na cabeça de uma menina de 20
anos."
Apesar da narrativa de contos de fadas,
Juliana diz sempre ter tido consciência de que era uma história fadada a não
ter final feliz, a exemplo da vida bandida de Danny Bond. A fila sempre anda,
diz Juliana.
"No meu caso, depois de sete anos
juntos, ele se apaixonou por outra. Nessa altura, eu já tinha engravidado e
tido um filho dele. Luciana Gimenez não teve um filho de Mick Jagger? Comigo
foi a mesma coisa. Minha vida mudou. Ele era um homem muito generoso. Adora
nosso filho, é um ótimo pai. Fui uma mulher exemplar, recompensada com uma
pensão e uma casa que vale US$ 1 milhão.
Vivi o fim do caso com dignidade. Você
é um troféu e logo eles vão querer conquistar outro. É o ciclo natural. Esse
tipo de homem é movido a conquistas, ao poder de bancar a mulher mais bonita da
noite. Sou pé no chão. Tenho um sensor apurado, sei sair bem das
situações."
Juliana passou quase uma década levando
uma vida de classe média, namorando caras da sua idade e longe dos engravatados
da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes. Há dois anos, voltou
a circular entre políticos, recomeçando as baladas de uma segunda encarnação na
pele de uma Danny Bond de carne e osso.
"Todas as terças e quartas, quando
os políticos começam a chegar de suas cidades, nosso grupo se reúne em algum
restaurante badalado de Brasília. Você vai para esses encontros para ser
avaliada e se submete a isso à espera do prêmio maior, que é ser uma das
escolhidas da noite.
É uma coisa discreta, como se fosse um
jantar entre amigos. Só que é organizado por uma espécie de cafetina, que deve
ter uns 50 anos e faz o estilo amigona deles e das mulheres. O que está em jogo
ali não é só ser escolhida por um político ou empresário por uma noite, mas o
desejo de que um cara desses se apaixone por você. É uma roleta russa. Dá
adrenalina. Mexe com a vaidade.
Foi assim que conheci um deputado, com
quem me relaciono há oito meses. Antes, fiquei com outros, inclusive com um
amigo do atual. Não fui escolhida de cara pelo meu ficante. Só saímos depois do
terceiro encontro. Tenho essa tranquilidade. Não saio à caça, nem faço por
necessidade. _
Quando era mais jovem, meu objetivo era
casar com um milionário. Foquei e consegui. Não busco mais um apartamento ou um
carro, coisas que já conquistei. Meu objetivo hoje é aproveitar a vida com
estilo. Fazer viagens nos fins de semana, ganhar presentes caros, como uma
bolsa Gucci, uma sandália Christian Louboutin, uma joia da Tiffany. Não é uma
troca imediata, são ganhos de longo prazo. É um empreendimento, como tudo o
mais. Você pode fazer sucesso ou falir. Tem que focar."
A exemplo da personagem criada por
Euclydes Marinho, Juliana se orgulha do estilo sofisticado de se vestir, de sua
casa muito bem decorada, credenciais que a fazem circular com segurança entre
os abastados. E se diferenciar da concorrência.
"Antigamente, a coisa rolava entre
um grupo de patricinhas, universitárias, como é o caso protagonista da
minissérie. Hoje, a proliferação dessas garotas é tão grande, que existe para
todos os gostos e idades. A concorrência aumentou. Tem desde a funcionária
pública concursada, atraída por frequentar restaurantes caros, até as
vagabundas que vivem só disso.
Apesar de estar com quase 40 anos,
tenho tido sucesso nessa minha segunda fase. Uma acompanhante de um homem
poderoso tem que saber falar, ter um mínimo de conhecimento. Eles gostam de
mulher de atitude, que possam exibir.
A cama é o segundo momento. Depois da
primeira transa, se o cara te procura para uma segunda, você sobe um degrau. As
outras já ficam olhando. Rola muito ciúme e briga entre as meninas."
Elas entram em cena em fuso e calendário
próprios, sempre à noite e entre terças e quintas, a semana parlamentar. Os
encontros vespertinos, como o protagonizado por Danny Bond em tarde de sexo nos
ares, são excepcionais, assim como fins de semana de sexo em outras paragens.
Juliana carimbou o passaporte para Miami há uns três meses. Já a personagem de
Paolla Oliveira teve o embarque para Paris abortado pela Polícia Federal que,
na ficção, impediu a saída do seu acompanhante do país.
"Depois de uns cinco encontros com
esse deputado com quem estou ficando, ele me convidou para uma viagem a Miami.
Passamos cinco dias na casa de um milionário amigo dele. Fiquei impressionada
com tanto luxo e riqueza. Não rola grana, mas presentes. Os caras bancam tudo.
Nem precisa ser boa de cama. Todos usam Viagra ou Cialis. Passam a noite
inteira ligados.
Transamos em todos os ambientes da
mansão. Fizemos um filme pornô atrás do outro. Como tinha câmera para todo
lado, fiquei bem conhecida dos porteiros. Imagina se uma fita dessa for parar
na internet ou numa comissão de decoro parlamentar? Todo mundo ia querer saber
quem era a loura misteriosa.
É claro que você fica imaginando o
custo daquilo tudo. Fiquei passada quando mexi no closet do dono da casa de
Miami. Achei uma gaveta cheia de relógios. Abri outra e contei US$ 15 mil em
cash. Era a grana para o fim de semana. Esses caras não pagam nada com cartão
nem cheque. Não deixam pistas da gastança. Isso me diverte, dá adrenalina. Mexe
com minhas fantasias e me excita.
Dispara um gatilho. Quando a vaidade se
mistura com futilidade é uma bomba. Tinha um iPhone 5 novinho e troquei pelo 6
para ficar no mesmo nível dele e da turma de milionários.
É preciso muita estrutura emocional
para não pirar e também para não se apaixonar. Quem acha que tudo ali é real se
ferra ou enlouquece. Já vi casos horrorosos de meninas que invadem gabinetes,
xingam secretárias e infernizam a vida do cara."
Como a arte imita a vida, Juliana conta
histórias de glamour e de sacanagem protagonizadas por ela ou amigas e que
poderiam ter sido roteirizadas em "Felizes para Sempre?".
"Já ouvi muita história de transas
em aviões e helicópteros. Um ex-senador era conhecido por transar enquanto
sobrevoava Brasília em seu jatinho, assim como um conhecido empresário que
fazia festinhas aéreas regadas a cocaína.
Uma amiga foi contratada por um casal
por R$ 2.000 para um programa, mas quando chegou ao restaurante rolou uma
atração forte entre as duas mulheres. Assim como na minissérie, o cara foi
colocado para escanteio e elas tiveram um casinho por um tempo. A menina é
poliglota, morou na Inglaterra, chegou toda montada em grifes, nada do
estereótipo de puta.
Você vive também situações engraçadas e
até constrangedoras. Saí com um deputado que na hora de transar fazia de conta
que eu era a melhor amiga da mulher dele. O cara gritou tanto o nome das duas
que eu escapei do hotel na madrugada. Mas você pode acabar uma noitada também
na mesa de um futuro candidato a Presidência da República ou de um novo
ministro.
Ano passado fui convidada para uma
festa de aniversário em outra capital. Foi organizada pela amante de um
parlamentar importante que chamou 30 meninas. Ele levou dez amigos. Fui
contemplada com o mais bonito e poderoso deles."
Juliana aponta uma falha no roteiro da
minissérie, quando o empreiteiro inescrupuloso dispensa uma amante com um
cheque pelos "serviços prestados". Nos últimos episódios, a distância
entre ficção e realidade aumentou, segundo ela.
"Não gostei do desfecho da
minissérie. Do meio para o final enfeitaram muito. Achei moralista essa coisa
de o crime não compensa? Acabar em morte ou prisão. Não é o que vejo acontecer.
Não vejo as acompanhantes participarem de negociatas, por exemplo, nem
distribuírem dossiês por aí.
Na vida real, para se dar bem nesse
esquema, a mulher tem que que segurar a onda e saber a hora de sair de cena. Só
sobrevive e tem sucesso que tem cuidado com o que fala, vê e escuta.
Estou escrevendo minha história. Já
penso em outras possibilidades. A minha cartada agora é conseguir um emprego de
assessora parlamentar na Câmara dos Deputados. Posso dar um `up grade' no
mandato do meu ficante, decorar o apartamento dele, ser uma personal.
A crise política chegou para todo mundo. O dinheiro fácil vai sumir de
Brasília. Não que a maracutaia vá acabar, mas eles estão mais temerosos. Nos
próximos anos, a farra tende a diminuir com todas essas operações da Polícia
Federal. Quero me garantir com salário e gratificações.
Antes, nunca tive vontade de estudar para concurso, mas agora ando
pensando. Já imaginou a Danny Bond aprovada em um concurso público? Seria uma
reviravolta e tanto na ficção e na realidade, não é mesmo?. Meu foco agora é
trabalhar com crachá, batendo ponto no Congresso. Por que não?"