Trator aterra piscina vazia na área, que havia sido embargada pela Justiça: construção poderia levar perigo aos pedestres
A liberação da faixa de 30m na orla dos lagos Sul e Norte
deve seguir durante dois anos. A desocupação teve início na casa do deputado
federal Izalci Lucas, que derrubou as construções ilegais no dia anterior.
Governo estuda o futuro de piscinas e quadras na área
O primeiro dia da operação para desocupar a orla do Lago
Paranoá devolveu a área invadida por quatro mansões no bairro mais nobre do
Distrito Federal à população. A ação para deixar o acesso livre em uma faixa de
30m a partir da margem começou pela QL 12 do Lago Sul, a Península dos
Ministros — só ontem foram 240m de cercas e 40m de chapas metálicas. Servidores
do GDF derrubaram muros e cercas do terreno cercado ilegalmente, enquanto
piscina e quadras de esporte ficaram para o uso público. Nessa primeira etapa,
47 lotes serão alvo da ação. A ocupação ordenada, a manutenção do espaço
público e a segurança dependem de um projeto a ser elaborado pelo governo e da
construção do Plano de Recuperação da Área Degradada.
A ação de
derrubada na Península dos Ministros começou às 9h, pelo Conjunto 8. Na
primeira casa, a do deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF), as cercas já
haviam sido derrubadas no domingo. Os moradores chamaram técnicos da Secretaria
de Gestão do Território e Habitação (Segeth) para demarcar o terreno e recuar a
cerca ao tamanho original (leia mais na página 20). Nos lotes seguintes, foi
preciso usar tratores para retirar as cercas que impediam o acesso da população
à orla do lago. Para garantir o caminho livre, foi publicado no Diário Oficial
do DF de hoje o Decreto nº 36.689, que altera os limites do Parque Ecológico da
Península Sul, interligado com o Parque do Morro do Asa Delta, na QL 14.
Na
terceira casa, uma piscina com direito a hidromassagem também passou a ser de
uso público. A demarcação realizada pelos servidores da Segeth indicam que até
mesmo parte de uma academia, construída em uma espécie de puxadinho, ocupa a
faixa de 30m. Uma outra piscina que estava em obras precisou ser aterrada para
garantir a segurança de quem passar pelo local. O projeto, no entanto, já
estava embargado pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram), segundo servidores
do GDF que trabalhavam no local.
A
diretora da Agência de Fiscalização (Agefis), Bruna Pinheiro, considerou
bem-sucedida a operação, sem a resistência de moradores, mas apontou alguns
problemas. “Tivemos um imprevisto com o trator porque havia um espaço
recém-aterrado em cima do lago”, disse. No caso da academia, em que parte da
área é pública, ainda precisa ser discutido. “Ou vai ficar disponível para o
uso da população, ou o morador vai demolir”, concluiu Bruna.
O
governador Rodrigo Rollemberg (PSB) não participou das operações de derrubada,
mas acompanhou toda a ação a distância. “Isso humaniza a cidade e representa um
passo em direção à civilidade”, comentou o governador. Rollemberg disse que é
preciso “mudar o paradigma com relação às terras públicas na cidade”. “Algumas
das decisões mais difíceis do nosso governo foram nessa área. Mas a população
tem reconhecido a importância disso para a cidade. Tivemos que fazer operações
duras em Vicente Pires e no Sol Nascente. Mas em breve começaremos as obras dos
equipamentos públicos.”
Repercussão
O início
da derrubada repercutiu nas redes sociais. Dois eventos, inclusive, já surgiram
na internet: o Isoporzinho na orla do Lago Paranoá, marcado para 30 de agosto,
e o Mergulho na piscina pública, no próximo sábado. O integrante do grupo de
observadores de aves do DF Tancredo Maia Filho, comemorou a desocupação da
orla. “A fauna do DF é muito rica, são 422 espécies registradas. Aumentar a
possibilidade de observá-las é maravilhoso”, disse ele, que acompanhou de perto
a derrubada e chegou a questionar uma moradora do Lago Sul que passou pelo
local para mostrar indignação.
Nessa
primeira etapa, em que 47 lotes dos Lagos Sul e Norte serão abertos, a Agefis
deixou de fora terrenos na União e de Embaixadas, como a dos Países Baixos e a
da Alemanha, em negociação com o governo federal. Até o fim do plano de
desocupação, previsto para durar dois anos, 439 terrenos que invadiram área
pública deverão recuar o cercamento. A permanência das construções, como
píeres, churrasqueiras, piscinas e quadras de esporte, dependerá do Plano de
Recuperação de Área Degradada (Prad), elaborado pelo Instituto Brasília
Ambiental (Ibram).
O
governador Rodrigo Rollemberg deu um passo decisivo para legalizar a terra no
Distrito Federal. Ele sabe que não basta derrubar casas, seja nos quintais
arejados do Lago Sul, seja nos apertados barracos de baixa renda da periferia.
É preciso prender grileiros. E a cidade está repleta deles. Nesta desocupação
histórica no Lago Sul, é certo que o governo tomou providência porque estava,
por assim dizer, com a faca no pescoço. O processo se arrasta desde 2005, e a
sentença que determinou a recuperação da orla do Lago transitou em julgado em
2011. Do ponto de vista da legislação, apesar da guerra de liminares, a
desocupação das invasões chiques era uma questão de tempo. Faltava a vontade
política.
Por essa
razão, a ação de Rollemberg reúne méritos. Outros governantes tiveram
oportunidade de fazer o mesmo e não o fizeram por omissão ou covardia. A
decisão política de enfrentar a desordem fundiária, tão profundamente arraigada
no Distrito Federal, deve ser vista como acertada. O socialista está de
parabéns e deve ser apoiado, assim como a gestora da Agefis, que está sujeita a
pressões de toda ordem, até de suas excelências deputados distritais.
A terra
pública em Brasília sempre foi motivo da cobiça e ganância. Cada pedaço desse
lindo planalto, seja em área rural, seja em área pública, foi e é disputado até
com arma, se preciso for. Muitos até hoje amealharam fortunas erguendo prédios,
abrindo estradas, fincando cercas onde não deveriam, demarcando terrenos que
não lhes pertenciam. No lucrativo mercado imobiliário do Distrito Federal,
muitos ganharam dinheiro respeitando as leis. Outros ganharam ainda mais
passando por cima delas. A voracidade em ocupar qualquer espaço transformou a
capital da República em um aglomerado de diferentes cidades, onde mansões e
barracos erguidos em área pública ferem a lei igualmente. Não fossem a ação
rigorosa do Ministério Público e o compromisso de alguns juízes do Tribunal de
Justiça, a capital já teria sido loteada por mafiosos grileiros.
Em um
gesto corajoso, Rollemberg decidiu ir além dos antecessores e assumir o
desgaste de passar o trator nos endereços chiques de Brasília. Mostrou que
pretende seguir a lei — doa em quem doer.
Por: Thaís Paranhos – João Gabriel Amador –(especial para o
Correio) – Colaborou Helena Mader – Foto: Ed Alves/CB/D.A. Press