Coruja-diabo machucada é resgatada: liberação de espaço para observar a situação de fauna e flora. As derrubadas exigidas pela Justiça na orla dos lagos Sul e Norte e que começaram na última segunda-feira têm um objetivo principal: cuidar do meio ambiente e deixar a água limpa para o abastecimento da cidade, a partir do ano que vem
Além de uma questão judicial e urbanística, a desobstrução da
orla do Lago Paranoá tem principalmente relevância ambiental. Incrustada na
malha urbana, a região que circunda o espelho d’água é tão sensível quanto
alterada. Ali, estão pontos de refúgio de animais nativos e de espécies
vegetais a serem protegidos, mas sob constante ameaça da ação humana
desordenada. Assim, o acesso às áreas antes interditadas pela ocupação
irregular vai permitir entender qual é a real situação de conservação da fauna
e da flora. Somente após o mapeamento dos danos ambientais causados por píeres,
diques e pelos nada inocentes jardins serão definidas as medidas de recuperação.
Dessa
forma, a tão desejada democratização da orla não deve ocorrer imediatamente.
Passadas as derrubadas das cercas, fiscais do Instituto Brasília Ambiental
(Ibram) farão dois relatórios. O primeiro é de diagnóstico dos equipamentos
encontrados, como quadras de tênis, piscinas, píeres e diques. Essas
intervenções serão listadas como prova na ação judicial empreendida pelo Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). “Não podemos liberar o
acesso da população neste momento para não prejudicar a responsabilização das
pessoas que invadiram”, explica o superintendente de Fiscalização do Ibram,
Ramiro Hofmeister Martins Costa. O segundo estudo tem como tema o impacto
ambiental, apresentando os danos causados pelas construções e ocupações. A
partir daí, serão arbitradas as multas ambientais e as ações de recuperação.
Duas bombas de d'água foram lacradas e serão analisadas para saber se eram usadas no lago
Classificações
A
delicadeza do ecossistema compreendido pelo lago e pelas margens que o
circundam é reconhecida por duas classificações: Área de Proteção Ambiental
(APA) e Área de Preservação Permanente (APP), definidas pelo Sistema Distrital
de Unidades de Conservação (SDUC) e pelo Código Florestal, respectivamente
(leia Para saber mais). Apesar de todo o arcabouço legal, as ações empreendidas
pela Agência de Fiscalização do DF (Agefis) deixaram às claras que o cerrado
deu lugar a gramados e a uma vegetação exótica. A recomposição desses espaços
tem, inclusive, cunho educacional. A intenção é orientar aos invasores e à
população em geral a necessidade de respeitar as regras ao usar as áreas. “Nós
queremos mostrar que APA pode ser ocupada, mas com critérios”, defende Martins
Costa. As normas de uso e ocupação da orla já estão definidas pelo plano de
manejo da APA do Lago Paranoá, previsto no Decreto nº 33.537/2012.
Barrar a
degradação das margens do espelho d’água significa também preservar o acesso à
água em um futuro bem próximo. Isso porque a função da Área de Preservação
Permanente é salvaguardar os elementos que colaboram para a manutenção da Bacia
do Lago Paranoá. Em outras palavras, trata-se de evitar o assoreamento e o
carreamento de sedimentos para o fundo do lago. Além disso, manter a vegetação
representa fortalecer a infiltração da água da chuva no solo e, assim,
favorecer a recarga de recursos hídricos, a fim de que se evite um estresse
hídrico, como o que se tem em São Paulo.
Por fim,
a APP funciona como corredor ecológico, ou seja, local de passagem dos animais
nativos que usam o lago para beber água. O diagnóstico inicial não é muito
positivo: por ser uma APP urbana, ela está bem degradada, mas somente após os
estudos de impacto ambiental será possível ter uma dimensão do problema. A
expectativa do Ibram é a de que a retomada parcial da vegetação nativa seja
possível, mas algumas áreas, em razão da extensão do dano, não consigam
integralmente.
Abastecimento
Outra
preocupação do ponto de vista ambiental é a incorporação de novos usos para o
lago. A partir de 2016, parte do abastecimento de água do Distrito Federal será
feito por meio da água do Paranoá. Com isso, os lançamentos irregulares de
esgoto no espelho d’água tornam-se uma ameaça ainda maior à população. Hoje, o
lago tem capacidade de diluir os efluentes não tratados, mas, com a retirada de
água para abastecimento, a situação pode ficar menos confortável.
“Pelo
volume de água, o lago tem certa quantidade de diluição, mas temos que nos
preocupar com os rios que chegam a ele e com a orla. Com mais um uso, aumenta a
demanda pela qualidade. Por isso, é importante um maior controle da orla para a
qualidade da água”, alerta o presidente do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio
Paranoá, Jorge Werneck. Uma forma de garantir isso é por meio da efetivação do
zoneamento do lago, aprovado no ano passado (Veja arte). O plano estabelece os
locais apropriados para banho, para uso náutico e demais atividades
relacionadas ao espelho d’água.
As
derrubadas devem ajudar até mesmo na identificação dos pontos irregulares de
lançamento de esgoto, de acordo com o gerente de Gestão Ambiental Corporativa
da Caesb, Vladimir Puntel. “Com a desocupação, desnuda-se uma situação que
estava encoberta pela dificuldade de acesso. Antes, tínhamos muita dificuldade
de fazer intervenções e manutenções, porque o morador estava no local e não
permitia a entrada das equipes”, diz. O maior controle também deve ocorrer em
relação às retiradas irregulares de água para irrigação dos jardins particulares.
“Quando se tem a orla livre, é possível fazer um melhor controle”, afirma.
Área de Preservação Permanente (APP) refere-se à proteção de áreas em que há cursos d’água e Área de Preservação Ambiental (APA) diz respeito aos recursos naturais, à fauna e à flora de uma região. São classificações que se completam e, com frequência, se sobrepõem. A primeira fase da desocupação ocorre em APP do Lago Paranoá, ou seja, em locais que devem ser protegidos por estarem próximos ao reservatório. Essa determinação consta do Novo Código Florestal, aprovado em 2012. Pela lei, para reservatórios artificiais obtidos por represamento de cursos naturais, deve-se guardar uma faixa de 30m da linha da água até a margem. Em alguns pontos da Península dos Ministros, além dos 30m, foram recuados mais 15m referentes à poligonal do Anfiteatro Natural do Parque do Lago Sul, popularmente chamado de Parque Asa-Delta. Na região do espelho d’água, também está estabelecida a APA do Lago Paranoá, o que faz dali também uma unidade de conservação. Isso significa que a ocupação e o uso do solo são permitidos, mas devem ser controlados para que a biodiversidade seja mantida.
Fonte: Maryna Lacerda – Correio Braziliense – Fotos: Ed
Alves/CB/D.A Press