O que significa o início da desocupação da orla
do Lago Paranoá? Existe muito simbolismo nisso. Em primeiro lugar, existe a
disposição para cumprir o que a Justiça determinou — pode-se argumentar que não
é mais do que obrigação, mas sabemos que não é bem assim; quando uma parte não
quer, há sempre atitudes protelatórias, sejam judiciais, sejam burocráticas,
sejam políticas. Em segundo lugar, significa um atentado a um conceito já
enraizado, segundo o qual os tratores do governo, que derrubam com a maior tranquilidade
os barracos dos pobres, passam ao largo das invasões de rico. Sabemos todos que
o “sabe com quem está falando?” sempre prevaleceu. Estaremos vivendo o início
de um novo tempo? Veremos.
Faltava
um sinal claro de que o governo Rollemberg seria de fato diferente, como
prometeu em campanha. Uma nova política, feita pela geração Brasília, sem os
vícios e ranços que envergonham os brasilienses há tempos. A operação na orla é
um indício importante de uma mudança de olhar e de postura em relação ao status
quo das políticas públicas do DF. Menos conivência com o conceito de que “tudo
pode desde que se tenha grana e poder” fará um enorme bem a Brasília. E
certamente dará uma cara mais definida à gestão do PSB.
Há poucos
meses, escrevi, aqui neste espaço, que compartilhava com a população de certo
ceticismo em relação à desobstrução das margens do Paranoá. Foi quando o GDF
conseguiu desocupar parte da invasão Sol Nascente. Depois, quando partiu para
Vicente Pires, novamente se viu às voltas com a desconfiança coletiva de que a
ofensiva contra os invasores não chegaria aos ricos terrenos dos lagos Sul e
Norte. Mas chegou. E isso é muito importante.
Brasília
sempre conviveu com a certeza desconcertante de que os ricos e poderosos podem
tudo. Muitos justificaram a área invadida como uma medida de proteção ou pela
omissão do Estado em cuidar da área. Nada justifica, na verdade. Agora, é
preciso levar adiante e voltar às casas protegidas pelo governo federal, por se
tratarem de residências oficiais ou que abrigam embaixadas. Esperemos o acordo
com a União, que está por vir. Mas o governador precisa levar a cabo o plano de
desocupação e deixar para Brasília uma herança de legalidade em relação às
terras públicas.
Proteger
o lago é, antes de tudo, uma questão ambiental, que pode garantir o
abastecimento de água para a população no futuro. Trata-se de uma medida
cautelar em benefício da qualidade de vida. Brasília só é Brasília por causa do
conjunto de coisas que a fizeram tão especial: a arquitetura singular, o título
de patrimônio, a coragem dos pioneiros, o verde e o horizonte monumentais.
Civilidade, que inclui respeito às leis e às terras públicas, fará um imenso
bem à capital.
Por: Ana Dubeux – Editora Chefe do Correio
Braziliense – Foto: Google