Levantamento do setor aponta queda de até 40% nas vendas nos
últimos seis meses. Para se manterem no mercado, empresários apostam em
promoções e programações diferenciadas, enquanto consumidores preferem beber em
casa
“Eu costumava sair muito mais, mas, com a elevação dos preços e depois que passei a morar sozinha, prefiro fazer compras no supermercado e convidar os amigos para a minha casa” (Samylle Gonçalves de Miranda (D), advogada, ao lado da amiga Erika)
Será
inevitável. Com o dinheiro mais curto, o primeiro corte que as pessoas promovem
é o lazer. Elas deixam de comer fora de casa ou diminuem bastante essas saídas” (Marco Aurélio Ferreira Xavier, servidor público)
Tomar um
chope, um drinque, comer uma batata frita ou um frango a passarinho, entrar
numa casa de eventos e curtir a banda preferida nunca foi tão oneroso. Em
tempos de crise econômica, qualquer gasto além do necessário começa a ser
repensado. A diversão, então, toma um novo formato. Há quem abandone as mesas
de bar e transforme a sala de casa em um ambiente aconchegante para receber os
amigos. Ou aqueles que diminuem a quantidade de saídas na semana. E ainda os
que apagam as baladas da programação. Nessa hora, quem sente o peso da crise é
o setor de diversão e entretenimento. Para sair da situação, casas tradicionais
da cidade apostam em promoções. Mesmo assim, existem empresários tirando
dinheiro da poupança a fim de manter as portas abertas. De acordo com
levantamento do Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes do DF (Sindhobar),
as quedas na movimentação variam de 10% a 40% nos últimos seis meses,
dependendo da região.
É o caso
de uma dos espaços de eventos mais tradicionais de Brasília. Não há um roteiro
da cidade que não inclua o Outro Calaf nas opções. Agora, os responsáveis farão
festas, inclusive aos domingos, único dia em que não funcionava. Tudo para não
afundar. Desde junho, Venceslau Calaf, 60 anos, dono do empreendimento, viu a
movimentação diminuir gradativamente, a ponto de o local, sempre cheio, ficar
irreconhecível, mesmo com 25 anos no mercado.
“Em
junho, caiu cerca de 30%. Em julho e agosto, a crise foi ainda mais acentuada.
Se não contássemos com infraestrutura, já tínhamos fechado as portas. Estou
gastando mais do que estou lucrando e preciso tirar dinheiro do próprio bolso
para custear isso”, conta Calaf, que aposta também na promoção da cerveja, no
happy hour, um balde com três garrafas de 600ml sai a R$ 25,5, em vez de R$ 33.
No sábado, dia de samba na casa, o atrativo será o bufê de feijoada. Agora,
quem chega até as 14h, não paga pelo couvert artístico.
Devagar
No Barão
Parrilha e Bar, na Asa Norte, os ajustes começaram há alguns meses, mas a volta
da clientela está devagar. O gerente, Rodney Farias, 40, avalia uma diminuição
de 20% a 30%, de segunda a quarta-feira. “É um esforço. Sabemos que as pessoas
não estão deixando de beber, mas não estão gastando mais como antes”, avalia.
Segundo Rodney, grupos de amigos que deixavam R$ 500 em uma visita ao bar,
agora pagam contas de até R$ 300. “De fato, o movimento não é mais o mesmo. A
crise abalou o comércio, e isso é geral”, lamenta. Para segurar o pessoal, um
tipo de cerveja é vendido por R$ 5,99 até as 21h, durante a semana. No sábado,
no domingo e na segunda-feira, o chope sai por R$ 4,9.
A
preocupação das advogadas Erika Saraiva Bandeira Leite, 25 anos, e Samylle
Gonçalves de Miranda, 24, é gastar menos. Por isso, buscam alternativas acessíveis
ao bolso. “Eu costumava sair muito mais, mas, com a elevação dos preços e,
depois, que passei a morar sozinha, prefiro fazer compras no supermercado e
convidar os amigos para a minha casa. Cada um leva alguma bebida e um
ingrediente. Assim, o valor não pesa pra ninguém”, comenta Samylle. A amiga
Erika segue os passos, porém, quando a situação pede, a regra é achar um lugar
onde os preços não estejam tão altos. “De vez em quando, vamos ao bar. Daí,
frequentamos uma opção que não saia muito cara. A intenção é se divertir e sair
da rotina mesmo”.
Ainda
entre as estratégias encontradas pelo setor, estão cortesias, horários
estendidos de happy hour e preços mais em conta para alguns pratos. É o caso do
Libanus, na 206 Sul. Para os clientes, o restaurante criou algumas promoções. A
primeira delas são os pratos executivos servidos de segunda a sexta-feira, a
qualquer hora do dia. O preço por refeição varia de R$ 21,90 a R$ 25,90. A cada
três consumidos em um único dia, o quarto é cortesia da casa. O segundo
destaque do bar é um frigobar lotado de latinhas de cerveja que será sorteado
no próximo mês — a cada R$ 100 em consumação, o cliente leva um cupom para
concorrer. “O nosso movimento caiu em 20% nos últimos meses e optamos por
estratégias diferenciadas para atrair os nossos fiéis companheiros ao bar”,
explica Carlos Henrique Martins Aragão, gerente do estabelecimento há 27 anos.
Novidades
No Lago
Sul, a situação não é diferente. A crise faz donos e gerentes rebolarem para
segurar a clientela. No Bier Fass, um fator contribui: o local. Por ser ponto
turístico, o gerente Paulo Neves, 46, avalia que o estabelecimento sai na
frente. “A gente se vira como pode. Graças a Deus, não estamos sentindo muito
essa crise. Mas nos esforçamos diariamente. Na hora do almoço, por exemplo, o
bufê está R$ 29,8, e sempre é necessário ter uma novidade no cardápio do dia”,
explica.
No
Armazém do Ferreira, petiscos novos entraram para a lista de comidas: carne de
sol de contra-filé e camarões empanados. Além disso, tem dose dupla de
caipiroska e caipirinha por R$ 13, metade do preço praticado normalmente. “A
crise fez com que diminuíssemos nossos gastos para não repassar ao cliente. E
vamos ter que nos ajustar a esse processo”, pondera o gerente do grupo, Max
Demian de Melo, 31. Segundo Max, é na bebida que o calo aperta. “O consumo de
hoje não é o mesmo de antes. Juntaram a crise e a lei seca. Mas trazemos coisas
novas para manter quem não deixou de vir e trazer novos clientes”, conta o
gerente.
Muito
além dos bares
Para o
servidor público Marco Aurélio Ferreira Xavier, 45, a tendência é piorar.
Segundo ele, algumas pessoas ainda não sentiram o peso da crise e mantêm a vida
como antes. Mas, a partir do momento em que os preços dos produtos subirem um
pouco mais, todos terão que se adequar. De acordo com as medidas do pacote
amargo divulgado pelo GDF na terça-feira, está previsto o aumento do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado sobre bebidas e
cigarros, de 25% para 29%. “Será inevitável. Com o dinheiro mais curto, o
primeiro corte que as pessoas promovem é o lazer. Elas deixam de comer fora de
casa ou diminuem bastante essas saídas”, observa Marco.
Segundo o presidente do Sindicato dos Hotéis, Bares e Restaurantes do DF (Sindhobar), Jael da Silva, os impactos da situação ultrapassam as portas dos bares e de casas de eventos. “Até os hotéis sentem os efeitos. Percebemos que as pessoas diminuíram a frequência das saídas. Se não param de ir, consomem menos”, explica Jael, que aponta queda de mais de 30%, dependendo da região. Em Taguatinga, por exemplo, segundo o sindicalista, a redução da movimentação é de 40%. “Para salvar, só mesmo a criatividade. E nosso setor tem muita e se reinventa todos os dias”, emenda Jael.
29%
Aumento no ICMS, taxa cobrada em cima de bebidas e cigarros
Fonte:
Camila Costa – Nathália Cardim – Correio Braziliense – Fotos: Minervino
Junior/CB/D.A.Press