As relações comerciais nas redes sociais exigem atenção do
consumidor, que nem sempre está assegurado pelos órgãos de proteção. Em alguns
casos, os fornecedores, por exemplo, não contam com registro empresarial
A crescente oferta de produtos e serviços via redes sociais,
como Instagram, WhatsApp e Facebook, exige cuidado redobrado do consumidor. A
grande quantidade de fornecedores na internet e de todos os tipos — desde os
que têm loja física até os informais ,que acabaram de entrar no e-commerce —
deve levar o cliente a prestar ainda mais atenção. A escolha do fornecedor
influencia até no tipo de proteção no qual a transação está assistida. O limite
para a compra ser considerada uma relação de consumo ou não é determinante à
proteção do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Entre as garantias está o
auxílio dos Procons, a inversão do ônus da prova, o direito de arrependimento
de transações feitas fora do estabelecimento comercial e o de troca em caso de
defeito.
É comum
nas compras on-line que os fornecedores não tenham um registro empresarial.
Muitos atuam como pessoas físicas ou mesmo na informalidade. Nesses casos, a
aplicação dependerá da interpretação da situação, segundo especialistas. “Esse
pessoal que vende nas redes sociais precisa estar ciente de que os clientes
deles estarão protegidos pelo CDC e que as regras de proteção são pesadas”,
alerta a vice-presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do
Consumidor (Brasilcon), Amanda Flávio de Oliveira.
Ocasional
No
entendimento dos Procons, como o de São Paulo e o do Distrito Federal, o que
determinará se a pessoa física deve ou não ser enquadrada como fornecedora é a
habitualidade da compra e venda (leia O que diz a lei). “Se ela, mesmo pessoa
física, vive de vender produtos nas redes sociais e faz isso com frequência, a
relação de consumo se encaixa no CDC e pode contar com a rede de proteção, como
o Procon”, explica Fátima Lemos, assessora técnica do Procon-SP. Porém, mesmo
nesses casos, o Procon-DF recomenda que o consumidor evite a rede social, pois,
normalmente, o comprador não tem informações do vendedor para que o órgão de
defesa possa notificá-lo.
Mesmo
assim, se o negociador for eventual e procurou uma rede social para fazer uma
transação ocasional, ele não pode ser enquadrado pelo Código de Defesa do
Consumidor. Segundo a Proteste Associação de Consumidores, nesse caso,
prevalece o Código Civil. “Porque, aí, é a mesma relação de quem compra um
carro ou aluga um imóvel diretamente com o fornecedor”, explica Maria Inês
Dolci, coordenadora institucional da Proteste.
Mas, se o
vendedor eventual procurar o intermédio de uma empresa, como sites de compras
na internet, essa loja responde em caso de problemas na relação de consumo.
“Nesse caso, a empresa deu confiança para aquela compra; por isso, ela responde
também”, justifica Fátima.
Sem troca
A
contadora Adriana Carvalho Gomes, 41 anos, teve problema com compra feita em
rede social e afirma que pensará duas vezes antes de realizar essas transações.
Ao ser atraída pelo anúncio de uma loja de corpetes em um grupo do Facebook,
entrou em contato com a vendedora e comprou a mercadoria. Ao experimentar, a
contadora se sentiu desconfortável com a peça e pediu a devolução do dinheiro.
“Aí, o comportamento mudou. De doce, a vendedora passou a ser grosseira. Por
fim, desisti e fiquei com o prejuízo de R$ 150. O ruim é que não tem a quem
recorrer”, afirma.
A
empresária Letícia Azeredo, 35, também teve problemas com compras em rede
social. Ela comprou uma caneca em formato de lente de câmera pelo Facebook e
não a recebeu. “Eu tomei todos os cuidados. Fui a uma loja recomendada por um
amigo, entrei na página, vi o CNPJ, mas, mesmo assim, a caneca nunca chegou.
Entrei em contato várias vezes via rede social, e-mail, e nada. Acabei ficando
no prejuízo”, lamenta.
Moderadora
de um grupo de compra e venda pelo Facebook, Fernanda Soares, 37, conta que,
para evitar problemas, estabeleceu regras entre as participantes, tanto
empresas como pessoas físicas. “Não permitimos leilões nem propaganda da loja.
O preço tem de estar claro e só podem ser comercializados objetos de grávidas e
de crianças”, explica. Mesmo assim, não é possível fugir das dores de cabeça.
“Uma mãe contratou um serviço de creche publicado no grupo e não gostou. Ela
postou uma reclamação com o nome da instituição e nós apagamos o post. Já vi
outros grupos em que a empresa colocou a moderadora no processo por causa de
calúnia”, complementa Fernanda.
O lojista
também precisa se proteger. A doceira Eloise Moreira de Araújo, 25 anos, teve
problemas por causa de uma cliente de rede social. A consumidora pediu,
primeiro, 200 docinhos, e não pagou. Depois, fez encomenda de mais doces e não
depositou o dinheiro, conforme o prometido. “Eu ligava e ela não atendia,
mandava mensagem pelo celular, e nada. Somente quando eu coloquei na rede
social contando o que aconteceu foi que ela me procurou e pagou”, conta Eloise.
Nesse caso, o fornecedor deve provar que a reclamação do
consumidor não procede. Isso é o contrário da regra geral, na qual o autor
prova as informações por ele declarados.
"Fui a uma loja recomendada por um amigo, entrei na página, vi o CNPJ, mas, mesmo assim, a caneca nunca chegou. Entrei em contato várias vezes via rede social, e-mail, e nada. Acabei ficando no prejuízo”
(Letícia Azeredo, empresária)
"Não permitimos leilões nem propaganda da loja. O preço tem de estar claro e só podem ser comercializados objetos de grávidas e de crianças”
(Fernanda Soares, moderadora de
grupo de compra e venda de uma rede social)
O Decreto nº 7.962/13 trouxe mudanças na relação das lojas
virtuais com o cliente. De acordo com a norma, a empresa deve fornecer ao
comprador nome empresarial, CNPJ, endereço e outras informações sobre o
estabelecimento virtual, prazo de entrega e seguro, além das modalidades de
pagamento — forma e prazo para entrega. É necessário também mostrar um resumo
do contrato antes de qualquer compra, confirmar o recebimento da aceitação do
produto ou serviço e divulgar o SAC em meio eletrônico para resolver demandas.
A empresa precisa dar informação clara e meios adequados e eficazes para a
realização do direito de arrependimento, que pode ser efetuado em sete dias. No
caso de páginas de compras coletivas, a quantidade mínima de consumidores para
efetivar o contrato e o prazo de utilização da oferta têm de ser divulgados.
O que diz a lei
O artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor estabelece que fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Por: Flávia Maia – Correio Braziliense – Foto/Ilustração:
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