Os estudantes Rodrigo Alvarenga, Marina Antonelli, Gabriel Cornelio e Rebeca Amancio sentem o impacto da primeira crise política e econômica vivida pela geração da qual fazem parte
Custo de vida acima do limite de tolerância e recessão afetam
pessoas com menos de 30 anos, pela primeira vez. Para equilibrar as contas, a
opção tem sido cortar lazer, cultura e até mesmo gastos com alimentação
O homem chega para trocar o botijão de gás e avisa: “Sorte da
senhora fazer o pedido hoje, enquanto custa R$ 50. Amanhã, estará R$ 61”. A
situação foi vivida na última semana por algumas donas de casa, com o aumento
médio de 15% no preço do gás de cozinha. A situação guarda ainda alguma
semelhança com o passado recente do país, quando a hiperinflação, nos anos da
década de 1990, fazia com que os preços brincassem de saltos ornamentais. Esse
diálogo, 21 anos depois do lançamento do Plano Real — que acabou com a
instabilidade no custo de vida —, mostra que o país convive com duas gerações:
a primeira tem entre 40 e 60 anos e não esquece as crises seguidas que viveu; a
segunda, formada por jovens de até 30 anos, começa a entender o significado de
inflação e recessão.
Para os
jovens de hoje, esta é a primeira grande crise econômica e política vivida na
pele. Até então, o que se sabia de aperto financeiro vinha de casos contados
pelos pais ou lidos em livros de história do Brasil. Esta crise, segundo
especialistas, deve também deixar sua marca na história. Chega para essa
geração em um momento decisivo, no qual se escolhe um curso superior e
ingressa no mercado de trabalho. Na faixa de 18 a 24 anos, por exemplo, o
desemprego é maior do que entre os adultos. Em meados deste ano, a taxa de
desocupação era de 16,4%. No mesmo período de 2014, a taxa ficou em 12,3%, de
acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Preço de alimentos é apontado como um dos gastos mais pesados
Assim, a tal crise financeira não abre novas vagas de
estágio, deixa de contratar jovem em aprendizado, e não dá oportunidades para
recém-formado. Lidar com isso virou estratégia de sobrevivência para muitos
deles. “Comecei uma faculdade, consegui um estágio na área, mas decidi mudar de
curso. Agora, há meses, estou no estágio do curso anterior, porque não acho uma
oportunidade na minha nova área. Não tenho o que fazer”, conta o estudante
Rodrigo Alvarenga, 18 anos. Com a bolsa de R$ 650 que ganha com o estágio, o
jovem mal passa o mês. “Há dois anos tento comprar um carro. Nunca
conseguimos. O plano terá de ser adiado mais uma vez”, lamenta Rodrigo.
Passado
Parte
desses jovens ouviu relatos de pais ou avós de como eram os anos 1980 e 1990 e
do que era preciso para sobreviver. Ficam assustados quando descobrem que em
dia de pagamento se corria ao mercado e se comprava tudo o que fosse possível,
para estocar. Uma das principais preocupações, na época, era com a perda do
poder de compra. “Minha mãe me conta que os preços eram alterados dia a dia. No
caso da poupança, os juros eram tão altos que foi assim que ela conseguiu
comprar nossa casa. Aplicava R$ 1 mil em um dia, tinha R$ 1,5 mil no
outro", relata o estudante Gabriel da Silva Cornélio, 18. Na casa de
Rebeca Costa Amâncio, 18, a regra é clara: apagar as luzes. “Parece que mesmo
assim não adianta. Reduzimos os gastos ali e aqui, e as contas continuam
caras”, avalia.
A falta de emprego entre jovens já é maior do que entre adultos
Natya Zelaya, 18, lembra bem os relatos da família. Segundo
ela, é inevitável comparar a crise que os pais viveram, em 1990, com a de hoje.
Ela faz comparações na hora em que toma café na padaria ou compra um sapato
novo. É aí que vem à lembrança quando, com R$ 1, compravam-se 10 pães na
padaria. Com um pouco mais, R$ 10, por exemplo, ia-se ao shopping, lanchava e
ainda dava para brincar na antiga e saudosa Divertilândia (um parque de
diversões que existia em um shopping). “Comprei caneta, lapiseira,
grafite e borracha, com R$ 10 não deu para pagar a conta”, observa a jovem
estudante. Marina Antonelli, 18, segura os gastos com passagens e alimentação.
“Preciso colocar pouca coisa no prato. Uma das formas de economizar foi
reduzindo o almoço. Mas acabou que cortei de tudo”, pondera.
Impactos
Depois de
anos de consumo fácil, custo de vida relativamente estável e expansão
econômica, o Brasil entrou em um período de inflação acima do limite de
tolerância, queda do Produto Interno Bruto (PIB), soma de todas as riquezas
geradas em um ano, e aumento do desemprego. Guardadas as devidas proporções,
esse cenário lembra as crises dos anos 1980 e 1990, antes da implementação do
Plano Real. O cenário atual, porém, não tem um único vilão. O que se vive hoje
tem origem, em parte, em gastos públicos de baixa qualidade e acima do que se
tinha em caixa. Na prática, quanto mais se gasta dinheiro público, mais pressão
é gerada sobre a inflação. Se essas despesas são alocadas em folha de pagamento
e em gastos que não geram riqueza para o país, o peso sobre o custo de vida
aumenta ainda mais.
A crise
financeira de 2008, quando o Banco Lehman Brothers quebrou nos Estados Unidos e
contaminou todo o sistema financeiro do mundo, também teve sua parcela de
contribuição para os problemas brasileiros — fez o governo gastar mais sob a
alegação de diminuir os impactos da crise. Posteriormente, o congelamento de
tarifas públicas, decisões sobre políticas de juros, de crédito e de política
fiscal, agravaram ainda mais o quadro. A Operação Lava-Jato, que paralisou
obras em todo o país e colocou empreiteiros e políticos na cadeia, também
afetou a economia. A Petrobras, uma das maiores empresas do Brasil e
responsável por grande parte dos investimentos produtivos brasileiros, teve de
parar projetos e abandonar outros, e milhares de pessoas foram demitidas.
Segundo o
economista do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF)
Newton Marques, a realidade econômica tem uma história que deve ser levada em
consideração. Crise é um processo (veja Cronologia). “O Brasil passou por
vários planos de estabilização. Teve a primeira experiência no Plano Cruzado,
mas sempre teve problemas inflacionários, desde 1900. Quando chegou João
Goulart, por exemplo, o descontrole era grande. Tanto que o golpe militar foi
motivado por isso. Então, foram criados vários mecanismo para que as pessoas
convivessem num momento de política anti-inflacionária. E a situação, hoje, é
bem diferente”, diz o especialista.
Os jovens
de agora passam por uma fase ruim. “Estão sofrendo mais, sim. Um empresário que
tem apenas uma vaga de emprego disponível dará a um profissional experiente.
Sem riscos por agora”, justifica Marques. Um dos conselhos é se qualificar. Com
pouca vaga, a garimpagem pelos melhores será inevitável. “Não sabemos se a
recuperação do governo será em 2016 ou 2017, porque 2015 já está perdido.
Pensando em viajar, trocar de carro, comprar roupa? Isso tudo terá de mudar
para se adaptar, porque pode demorar e se aprofundar”, alerta o economista.
Linha do tempo - Veja
pontos importantes da história econômica do país:
1821
A forte
crise econômica foi um dos principais argumentos para o processo da
independência do Brasil, então colônia portuguesa.
1964
Golpe militar
contra o governo popular de João Goulart. Surgiu o mecanismo de correção
monetária (ou indexação) para garantir parte da inflação passada e expectativa
positiva de inflação futura para convergir os preços e salários para níveis
mais baixos que aqueles praticados no início dos anos sessenta.
1984
Tivemos
os planos cruzados, com congelamento de preços e moratória da dívida externa, e
planos Feijão com Arroz do Mailson e do Bresser, na tentativa de estabilizar a
economia, sem sucesso.
1994
Somente
com o Plano Real, mesmo atravessando as crises de Tailândia, Rússia e
Argentina, a economia brasileira encontrou a estabilidade monetária, com base
na desindexação dos preços e salários e no tripé: câmbio flutuante,
responsabilidade fiscal e sistema de metas de inflação.
1996
Ao fim do
primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente colocou em
votação o projeto que permitiria a reeleição. A medida causou, na época, forte
desequilíbrio financeiro.
2008
Veio a
Crise das Hipotecas Norte-Americanas em 2008, atingindo a economia mundial, e
tudo piorou para todos os países (exceto a China), principalmente para os
emergentes. O governo Dilma, em seu primeiro mandato, travou uma batalha
econômica com queda dos investimentos, descontrole inflacionário, represamento
de correção de tarifas e preços dos serviços de utilidade pública.
2015
O governo
está com sérios problemas econômicos e políticos. Por um lado, a queda da
atividade econômica está se agravando, com forte aumento do desemprego,
crescente deficit fiscal e descontrole inflacionário. Por outro, qualquer
tentativa de enviar medidas provisórias e projetos de lei ao Congresso tem
colecionado derrota atrás de derrota, principalmente na Câmara dos Deputados.
Tempo ruim, boas ideias
Foi justamente na economia que jovens estudantes da
Universidade de Brasília (UnB) encontraram uma forma de driblar a crise. Eles
desejam vencer desafios e aprofundar os conhecimentos, para ajudar os outros a
encarar esse momento do país. A Econsult, empresa júnior de economia da UnB
formada pelos próprios alunos, faz análise da situação econômica para prestar
consultoria. Matheus Oliveira Onorato de Araújo, 21 anos, está no 7º semestre
de economia e é um dos diretores de projeto da Econsult. Com ele, são 40
integrantes. “O objetivo é fornecer serviço de qualidade para micro e pequenos
empresários. Além disso, conseguimos experiência e capacitação técnica, pois
temos o apoio de professores e especialistas no assunto, de nome no mercado”,
explica o estudante.
A crise
financeira fica provada no receio dos empresários em investir. No entanto, até
para aqueles que estão por dentro do problema, o reflexo é algo inevitável. “A
gente sabe que pode sair da faculdade e não ter emprego, por exemplo, porque a
crise chegou nessa fase. Mas as empresas juniores são uma tentativa de fomentar
o empreendedorismo e tentar evitar isso. Porém, as coisas estão ruins para todo
mundo”, admite. Um dos membros, João Vítor Cunha Alonso, 20, acredita que
muitas vezes a crise é vista de forma amplificada, maior do que realmente é; no
entanto, sente no dia a dia o impacto dela. “Para comer, está mais caro, para
imprimir, para estudar, vários projetos de extensão estão sendo cortados, ou
seja, dos meus 16 anos para cá, quando comecei a estudar e analisar as coisas,
esta é o pior momento, economicamente falando, que estou vivendo”, reconhece o
estudante.
Fonte: Camila Costa – Otávio Augusto – Correio Braziliense –
Fotos: Minervino Junior/CB/D.A.Press-Antonio Cunha/CB/D.A.Press – Carlos Moura/C.B/D.A
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