Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio
Braziliense - 20/09/2015
As investigações da Operação Lava-Jato desnudam uma crise
ética que coloca em xeque o próprio governo Dilma Rousseff. Revelou-se o
esgotamento de um modelo de financiamento dos partidos
Políticos profissionais, em sua maioria, são pragmáticos ao
extremo e não estão entre os seres mais escrupulosos. Em O Príncipe, Nicolau
Maquiavel dizia que a legitimação do poder, fundamental para a conquista e a
preservação do Estado, depende muito desse pragmatismo e da falta de
escrúpulos: “Quando um príncipe deixa tudo por conta da sorte, ele se arruína
logo que ela muda. Feliz é o príncipe que ajusta seu modo de proceder aos
tempos, e é infeliz aquele cujo proceder não se ajusta aos tempos.”
Na construção do Estado moderno, a forma como a “virtú” foi
colocada em prática em nome do governo passou ao largo de valores cristãos e da
moral. “Não cabe nesta imagem a ideia da virtude cristã que prega uma bondade
angelical alcançada pela libertação das tentações terrenas, sempre à espera de
recompensas no céu. Ao contrário, o poder, a honra e a glória, típicas tentações
mundanas, são bens perseguidos e valorizados. O homem de virtú pode
consegui-los e por eles luta.”
Escrúpulos de consciência costumam ser deixados de lado
quando o que está em jogo é a preservação do poder. “Um príncipe não deve,
portanto, importar-se por ser considerado cruel se isso for necessário para
manter os seus súditos unidos e com fé. Com raras exceções, um príncipe tido
como cruel é mais piedoso do que os que por muita clemência deixam acontecer
desordens que podem resultar em assassinatos e rapinagem, porque essas
consequências prejudicam todo um povo, ao passo que as execuções que provêm desse
príncipe ofendem apenas alguns indivíduos.”
Daí surgiu a interpretação de que os fins justificam os
meios, que às vezes parece ser uma regra de ouro dos políticos, somente
confrontada pelo fato de que, numa sociedade democrática, a “ética das
convicções” – que leva os políticos a não medirem esforços para alcançar seus
objetivos – deve ser contida pela “ética da responsabilidade”. Nesse sentido,
na interpretação de Max Weber, um dos pais da sociologia moderna, caberia à
burocracia assegurar a legitimidade dos meios aos quais recorrem os políticos.
A História do Brasil coleciona exemplos dessa prática. “Às
favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”,
disse o então ministro do Trabalho e da Previdência Social, Jarbas Passarinho,
durante a reunião ministerial que decidiu editar o AI-5, em 1968, durante o
governo Costa e Silva. A frase foi modificada na ata sem prejuízo de sentido
(as “favas” foram trocadas pela conjugação verbal “ignoro”). Desnecessário
tecer mais detalhes sobre as consequências da decisão, que assinalou o
endurecimento do regime militar, que durou até 1985.
O caso do mensalão e, agora, o escândalo da Petrobras, num
contexto histórico completamente diferente – perseguidos com base no AI-5 é que
estão no governo –, são também uma demonstração de que os escrúpulos de
consciência foram deixados de lado no exercício do poder. O esquema montado na
petroleira estatal para financiar campanhas eleitorais do PT, PMDB e PP,
segundo o Ministério Público Federal, não tem precedentes: dezenas de políticos
estão sendo investigados, executivos e donos de empreiteiras, e altos
funcionários da empresa foram presos e estão sendo condenados. O projeto de
perpetuação no poder derivou para a grande roubalheira.
Os reflexos do escândalo estão em toda parte. As
investigações da Operação Lava-Jato desnudam uma crise ética que coloca em
xeque o próprio governo Dilma Rousseff. Do ponto de vista institucional,
revelou o esgotamento de um modelo de financiamento da grande política nacional
e dos seus principais partidos. O Supremo Tribunal Federal (STF) de
quinta-feira passada, por 8 votos a 3, que declarou inconstitucionais normas
que permitem a empresas doar para campanhas eleitorais. A decisão do STF não
proíbe que pessoas físicas doem às campanhas. Pela lei, cada indivíduo pode contribuir
com até 10% de seu rendimento no anterior ao pleito, o que não está
regulamentado e beneficia quem já está no poder.
Mas voltemos aos escrúpulos de consciência. Parece que a
presidente Dilma Rousseff também está mandando-os às favas no ajuste fiscal.
Depois de o governo defende uma lei que permita a entrada no país de recursos
depositados ilegalmente no exterior – isto é, dinheiro acumulado ilicitamente,
das mais diversas formas, como tráfico de drogas, contrabando e desvio de
recursos públicos –, o Palácio do Planalto avalia aprovar uma lei legalizando o
jogo do bicho, os bingos e a instalação de cassinos, como forma de aumentar a
arrecadação. Ou seja, mais uma vez, os fins justificariam os meios