“A saúde
é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”.
(Constituição Federal de 1988, artigo 196.)
Ninguém
duvida, hoje, no Brasil, de que os planos de saúde e o sistema como um todo
necessitam urgente de um checape completo. O assunto é complexo e não dá para
alinhavar diagnósticos superficiais que resultem na rápida melhora do sistema.
De todo modo, o que se apresenta, logo na linha de frente, é uma batalha
declarada envolvendo todos os sujeitos desse conjunto. Médicos, pacientes e
planos de saúde não se entendem.
Os
médicos se dizem explorados pelos planos. Os pacientes, idem e, por isso,
recorrem à Justiça sempre que os planos se negam a cobrir determinados exames.
Os planos reclamam que os médicos pedem exames demais para justificar a
superficialidade nos atendimentos. Na ponta dos confrontos, quem acaba ganhando
são os laboratórios, que nunca lucraram tanto como agora e os fabricantes de
remédios, que vendem como água.
Com um
sistema desestruturado, não é surpresa para ninguém que, mesmo operando com
grande soma de recursos, as operadoras de planos, volta e meia, pedem
concordata e se declaram falidas, como ocorreu há pouco com a Unimed de São
Paulo, deixando mais de 740 mil clientes sem cobertura. Pairam sobre o cenário
caótico, a Anvisa e, principalmente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS), aparelhadas, como de resto todas as agências reguladoras. Elas são
sempre as últimas a reconhecer o caos e a adotar, em tempo, medidas saneadoras.
As
operadoras de saúde são responsáveis, hoje, pelo atendimento de mais de 50
milhões de brasileiros. Trata-se de um número considerável de
clientes/pacientes, capaz de fazer brilhar os olhos de qualquer grande empresa
do setor, mesmo as multinacionais. Em contrapartida, o sistema público de saúde
absorve cerca de 3,6% do Produto Interno Bruto, menos do que 6% do PIB gastos
por europeus e canadenses com o setor.
Criado em
1988, o Sistema Único de Saúde (SUS), apesar do brilhantismo revolucionário da
sua formulação e das suas potencialidades, ainda não surtiu plenamente os
efeitos esperados. O problema ainda é o baixo nível de investimentos. De acordo
com especialistas do setor, é necessário ainda um acréscimo de mais de 60% para
deslanchar melhora efetiva na saúde pública. Ocorre que o problema não é só de
recursos. A má gestão da gigantesca estrutura contribui com parte significativa
para o emperramento da estrutura, incluídos aí os desvios e a corrupção
generalizada.
Somados
os investimentos públicos e privados, o país gasta em torno de 8,4% do PIB em
saúde, valor abaixo da média dos países da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), que aplicam 9%, e muito abaixo dos 16% que
investem os Estados Unidos. Para muitos especialistas, o nível de investimentos
no setor saúde no Brasil tem uma defasagem superior a 30 anos em comparação com
países mais desenvolvidos.
Quando
essa comparação é feita com base no PIB per capita, a defasagem pula para mais
de meio século. Pior fica se forem levados em conta indicadores de saúde, como
mortalidade infantil, expectativa de vida e outros. Nosso sistema tem hoje um
nível de desenvolvimento igual ou inferior ao do países desenvolvidos na década
de 1960. De toda forma, o consenso é de que não é possível ser um país de
primeiro mundo sem qualidade em saúde pública.
Somos a
oitava economia do mundo, mas o 78º em mortalidade infantil. Na Inglaterra,
respeitadas todas as demais características, talvez esteja aquele modelo de
saúde mais passível de ser tomado como exemplo, caso se busque copiar um
sistema considerado realista, bem estruturado e com longa data de
funcionamento. O National Health Service (NHS), como é conhecido o sistema de
saúde pública britânico, guarda características semelhantes às do SUS. Integra
mais de 1,3 milhão de pessoas, atendendo a cerca de 1 milhão de usuários a cada
36 horas. É, por isso, considerado o maior sistema de saúde pública do planeta
e quase unanimidade entre os britânicos. A universalidade do atendimento, a
turistas, refugiados (legalizados ou não), estudantes e outros, é reconhecida e
saudada pela excelência dos serviços que presta.
Na
Inglaterra, é comum que o cidadão, mesmo o de elevada renda, com um bom plano
de saúde, recorra aos NHS para ser atendido apenas por um detalhe fundamental:
a confiança e o nível de excelência e profissionalismo dos médicos. Num
diagnóstico ligeiro, mas nem por isso certeiro, fica patente que faltam coragem
cívica às lideranças brasileiras para pôr fim à indústria de saúde e
sucateamento dos hospitais públicos. A solução, a curto prazo, passa pela
convergência de todo sistema à universalidade de atendimento ou seja, nenhum
brasileiro pode ficar sem o devido atendimento, em qualquer hospital, por
qualquer motivo, conforme prevê o art.6º da Constituição. No
guiadedireitos.org, no item referente à saúde, estão relacionados todos os
direitos assegurados pela Constituição e que deveriam estar, e não estão,
afixados nos hospitais e centros de saúde pública.
Por: Circe Cunha – Coluna: “Visto, lido e ouvido” – Ari Cunha – Correio
Braziliense - Foto/Ilustração: Blog