Quem fala a verdade não merece castigo? Nem sempre. A lição
que os pais transmitiam às crianças tinha e continua tendo pelo menos duas
exceções. Primeira: depende do que trata a verdade. Segunda: ela tem de ser
completa, sem omitir pormenores importantes. Se for confissão de maus-tratos ao
dinheiro público, principalmente de quantias suficientemente grandes para
desequilibrar as contas de mais de um exercício e ainda colocar o país sob
risco de perder o grau de investimento internacional, o castigo é mais do que
merecido.
Nesse
caso, também deixa de ser atenuante a verdade que omite o verdadeiro tamanho da
falha e a indisposição ou falta de vontade política de fazer o próprio dever de
casa. Ou seja, o de anexar à verdade confessada o esforço claro de corrigir o
excesso de gastos e suas consequências, não importando quanto vá custar à
popularidade do governante. Esse seria, aliás, o preço a pagar, isto é, o tal
castigo que, uma vez cumprido, poderia zerar a conta do culpado.
Tampouco
pode ser considerado atenuante o uso de espertezas. É o caso de omitir
compromissos, como os já descobertos de R$ 3,4 bilhões relativos a indenizações
aos estados (Lei Kandir) e a parcelas de emendas parlamentares. Outra é a de
transferir a maior parte do castigo para a vítima (o povo) e, pior ainda,
passar a outro, o parlamento, a tarefa de definir parte do modelo e do tamanho
da palmatória — os impostos.
É assim
que deve ser encarado o envio ao Congresso pelo Executivo federal da proposta
orçamentária da União para 2016, com inédito deficit primário de R$ 30,5
bilhões. E o rombo só não é maior porque o governo disparou, ontem, uma
saraivada de aumentos de impostos destinada a arrancar do bolso do contribuinte
R$ 11,2 bilhões a mais do que ele já é obrigado a pagar.
Um dos
alvos do tiroteio foi o elogiado Programa de Inclusão Digital, que garantia
alíquota zero para vários produtos eletrônicos, facilitando o acesso à
tecnologia de computadores, tablets e smartphones à população de menor poder
aquisitivo. A tributação sobre esses produtos subirá entre 3,65% e 9,65%,
conforme o caso. Também foram atingidos vinhos e bebidas destiladas. Ao pacote
de maldades tributárias, soma-se a reoneração da folha de pessoal, que deve
render cerca de R$ 20 bilhões. Os R$ 30,5 bilhões que faltam seriam também
cobertos com tributos, entre eles, a rejeitada CPMF, e estão, agora, nas mãos
do Congresso.
Ao fugir
do desgaste de fazer um corte do tamanho do problema que criou por ter gastado
mais do que podia (e ainda maquiar os dados do Tesouro para esconder a
realidade), o governo acabou por adicionar incertezas à já pouco confiável
economia brasileira. No Congresso, há quem defenda a emissão de dívida para
cobrir o rombo, como o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), membro da Comissão Mista
do Orçamento. É tudo o que as agências de rating precisam para colocar o Brasil
definitivamente sob suspeita de mau pagador. Certo é que, para tamanho
imbróglio, não há saída indolor. Resta esperar que o diálogo e o bom senso
consigam dar racionalidade à busca de solução que puna menos a população.
Fonte: Visão do Correio Braziliense – Foto: Google