Demolição de estruturas irregulares às margens do espelho d'água: entre críticas e elogios
Duas associações de moradores divergem quanto às derrubadas
na orla do Lago Paranoá. Uma reclama de suposta ilegalidade por parte do
governo; a outra defende o meio ambiente e desenvolve projeto de praias
públicas no local
Os nomes podem confundir, mas a Associação Amigos do Lago
Paranoá (Alapa) e o Movimento Amigos do Lago Paranoá têm visões bastante
diferentes sobre a desobstrução da orla do espelho d’água. A primeira, formada
por moradores da região, foi responsável pela ação que concedeu uma liminar
contra a operação capitaneada pela Agência de Fiscalização do Distrito Federal
(Agefis). Porém, a conquista judicial acabou derrubada, e o órgão do Governo do
Distrito Federal obteve o aval para demolir cercas e lacrar imóveis que
estivessem em áreas consideradas irregulares.
Assim, na
segunda-feira, 24 de agosto, equipes da Agefis, do Instituto Brasília Ambiental
(Ibram), da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) e de
outras instituições começaram a operação, que, durante uma semana, passou pelas
QLs 10 e 12, entre o Parque da Asa Delta e a Península dos Ministros, no Lago
Sul. Apesar da derrota, a Alapa segue representando os moradores, que se
queixam da forma como as ações foram realizadas.
Para o
presidente da associação, Marconi de Souza, o principal problema tem sido o
embate com os visitantes. “O governo tem criado intrigas entres as classes
sociais. Eles (governo) tomaram as decisões sem consultar a comunidade local,
mas pedem a opinião e incentivam a ocupação de uma área residencial pela
população de outras regiões”, reclama Marconi (veja Ponto crítico).
Outra
queixa está na legalidade das ações. Segundo o presidente da Alapa, a medida de
30m estipulada para a orla não condiz com o código florestal vigente. “O artigo
62 consta que, no caso de lagos artificiais, como o Lago Paranoá, a medida
entre a margem e os lotes é de, aproximadamente, 5m”. A forma como as equipes
trabalharam também é alvo de críticas. “Não se pode passar tratores e derrubar
árvores assim. Isso é um crime ambiental”, contesta.
A falta
de segurança também é apontada como consequência da desobstrução da orla, como
denuncia Marconi. “Desde que as cercas foram derrubadas, foram várias as
queixas e as ocorrências na região. Houve furtos, invasões. Um homem arrombou
uma garagem na QL 16, colocou o carro lá e foi pescar, dizendo que o local era
público”, conclui.
Potencial náutico
Se as
reclamações são a tônica de um lado, as previsões positivas são destacadas pelo
Movimento Amigos do Lago Paranoá. Segundo Guilherme Scartezini, coordenador do
grupo, o principal benefício está no âmbito ambiental. “A desobstrução é um
primeiro passo para recuperar as funções ambientais das Áreas de Proteção
Permanente (APPs) em torno do lago. Esses locais formam um corredor ecológico,
capaz de dar mobilidade à fauna e flora local”, explica.
O também
técnico ambiental acredita que, além da natureza, a população será beneficiada.
“As pessoas, provavelmente, serão impedidas de frequentar as localidades onde a
movimentação de animais e plantas é mais intensa. Mas em lugares onde existem
parques, a tendência é de que os espaços retomados se tornem extensões para uso
público, com áreas de lazer e convívio. Respeitando, claro, a sustentabilidade
do ambiente”, ressalta Scartezini.
O grupo
conta, ainda, com um projeto para melhor explorar o potencial de turismo
náutico do reservatório. “Seriam 16 praias públicas, interligadas por ciclovias
e linhas de ônibus, para que as pessoas possam curtir o lago e praticar
esportes, com terminais náuticos para passeios de barco. Assim, todos poderiam
usufruir, sem colocar pressão sobre os recursos naturais em um único lugar”. O
planejamento foi apresentado ao Ibram, e os integrantes esperam o apoio
popular, por meio de uma petição no site do grupo.
SIM
»
Guilherme Scartezini, coordenador do Movimento - Amigos do
Lago Paranoá
“A
desobstrução é um primeiro passo para recuperar as funções ambientais das Áreas
de Proteção Permanente em torno do lago. O reflorestamento adequado permitirá a
mobilidade da fauna e da flora locais, formando um corredor ecológico. E nos
espaços em que já havia parques, a tendência é de que haja extensões para o uso
da população, com ciclovias, pontos turísticos, locais de lazer. O benefício
pode ir além, com a possibilidade da melhor exploração do potencial de turismo
náutico de Brasília, com passeios no lago — respeitando, claro, a
sustentabilidade local. Temos proposta também para a criação de 16 praias
públicas na orla, interligadas por ciclovias, para que os moradores do DF
possam aproveitar melhor o lago.”
NÃO
» Marconi
de Souza, presidente
da Associação Amigos do Lago Paranoá (Alapa)
“O
governo tem usado essa ação para criar intrigas entre as classes sociais. Essa
operação contradiz o projeto urbanístico de Lucio Costa para Brasília,
que previa uma área de lazer em um lado do lago e uma parte residencial na
margem oposta. E a forma como a operação foi conduzida constitui crime
ambiental. Não se pode passar tratores e arrancar árvores como foi feito. Além
disso, após as derrubadas de cercas, temos diversas ocorrências policiais na
região. Há casos de furtos, invasões e até mesmo um barco que passou com
pessoas nuas em frente às residências. Sabemos que o governo está em situação
deficitária e não tem dinheiro para investir na estrutura dessas áreas. Estamos
com medo.”
Fonte: João Gabriel Amador - Especial
para o Correio Braziliense –
Foto: Carlos Vieira/CB/D.A. Press