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A inteligência do fator previdenciário



Previdência social é seguro social, não assistência social. O sistema é contributivo e, como manda a boa técnica e a Constituição Federal, nos artigos 195 e 201, tem que ter equilíbrio financeiro e atuarial. Traduzindo: não pode receber de aposentadoria mais do que recolheu de contribuição. Caso contrário, o sistema já nasceria deficitário. Para reforçar a importância de seguir esse preceito, a demografia trabalha contra a aposentadoria dos trabalhadores. Explico: como a receita da Previdência Social vem de quem está trabalhando e a despesa de quem está aposentado, vale relembrar que a força de trabalho cresce cada vez menos — em função da queda de natalidade brasileira — e a população inativa cresce cada vez mais em função do aumento da longevidade.

Diferentemente da maioria dos países, o Brasil encontrou forma inteligente de lidar com essa armadilha sem precisar estabelecer idade mínima para aposentadoria: o fator previdenciário. Por sua existência, o trabalhador que cumprir 35 anos de contribuição e a trabalhadora 30 anos escolhem a hora de se aposentar, independentemente da idade. A fórmula combina o tempo, a alíquota de contribuição, a idade na aposentadoria e a expectativa de sobrevida.

Calcula-se a poupança previdenciária virtual feita com as contribuições do trabalhador e divide-se pelo número de anos de sobrevida após aposentado, estimados pelo IBGE e atualizados anualmente. É uma conta de resultado zero: recebe rigorosamente o que contribuiu, observando o tal equilíbrio financeiro e atuarial. Agora, caso se aposente muito cedo, terá muitos anos de sobrevida até a morte e a aposentadoria mensal será menor do que a daquele que contribui por mais tempo e se aposenta mais tarde. Não tem mágica: quem para cedo, ao redor dos 50, terá renda mensal menor, pois vai viver aposentado muito mais do que quem se aposenta aos 60. Os trabalhadores do setor privado odeiam o fator previdenciário. Por quê? Por uma razão simples: dois terços dos trabalhadores que se aposentam continuam a trabalhar — muitas vezes na mesma empresa — e são obrigados a contribuir para o INSS, sem que isso acarrete em nenhum benefício adicional.

Há 10 anos, criei o termo desaposentadoria por entender que, como a conta do fator tem que dar resultado zero, segundo a Constituição Federal, as contribuições adicionais de quem continua a trabalhar deveriam servir para uma nova aposentadoria recalculada. O INSS não pode se apropriar desse dinheiro, pois não é imposto previsto em lei. O próprio relator no STF, ministro Marco Aurélio Mello, já se posicionou a favor da desaposentadoria. Minha sugestão: ela poderia ser concedida a cada 5 anos para aqueles que continuarem no mercado de trabalho. É uma pena que os trabalhadores critiquem um instrumento inteligente que pode funcionar a favor deles.

Em vez de pleitear isso, pressionam os irresponsáveis que administram o país — Executivo e Congresso —, desconsiderando uma realidade muito mais estrutural que conjuntural, a aprovar a fórmula 85/95, depois suavizada com o aumento gradativo para 90/100, que aumenta benesses no curto prazo às custas de não ter dinheiro para aposentadorias no longo prazo. Um contrassenso e um retrocesso, por três razões: primeira, diferente do apregoado, ela não estabelece uma idade mínima para se aposentar. Um homem com 37 anos de trabalho e só 58 de idade atingiria a meta de 95. Isso vai contra o aumento da longevidade.

Os países que têm quadro demográfico semelhante ao nosso têm idades mínimas para lá de 65 anos. Segundo, o governo e o Congresso são menos competentes, demograficamente, que o IBGE para tratar de longevidade. Por fim — mas o mais importante —, joga-se por terra o equilíbrio financeiro e atuarial, requisito básico para uma previdência justa, técnica e financeiramente viável. Trabalho há 30 anos com previdência. Nela, o que importa é a sustentabilidade no longo prazo, caso contrário, ou nós ou nossos filhos pagaremos a conta. Ou ficaremos sem aposentadoria na nossa conta.

Por: Renato Follador -  Consultor em previdência social, pública e privada – Fonte: Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google


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