Ir e vir é direito assegurado pela Constituição.
Não significa, porém, que as palavras se transformem em atos. A violência nas
cidades é tal que torna letra morta mesmo garantias previstas na Carta Magna.
Dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública servem de prova.
As capitais brasileiras registram um homicídio a cada meia hora. Nada menos que
15.936 pessoas perderam a vida em 2014 — alta de 0,8% em relação ao ano
anterior.
No
ranking das 10 mais violentas, oito se situam no Nordeste. Fortaleza ocupa o
topo — a cada 100 mil habitantes, contabiliza 77,3 vítimas de homicídio doloso
e de agressão e roubo seguidos de morte. É assustador. O índice ultrapassa o
dobro da média das 27 capitais (33) e o triplo da média nacional (25,2).
Maceió, São Luís e Natal ocupam o segundo, o terceiro e o quarto lugar. São
Paulo apresenta a taxa mais baixa: 11,4.
Especialistas
explicam a concentração de crimes violentos nas metrópoles mais importantes dos
estados. Segundo Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, o fato se deve a três fatores: o tamanho dos municípios, o
grande adensamento urbano e a insuficiente oferta de serviços públicos.
Em
síntese, a tragédia tem íntima relação com o país que não soube crescer. A
urbanização acelerada exigia planejamento capaz de tornar as cidades aptas a
receber os novos moradores. Habitação, transporte, segurança, trabalho,
educação, lazer, equipamento hospitalar, acesso a energia e a água deveriam
acompanhar o crescimento populacional. Não foi porém, o que se viu.
Daí por
que a administração de conflitos escapou das mãos do Estado. Sem inteligência e
políticas eficazes, a impunidade parece imperar. Como o poder não suporta
vácuos, outros atores entraram em ação. É o caso de traficantes. O secretário
de Segurança Pública de Alagoas chama a atenção para a forte entrada de crack
nas capitais da região. O consumo e o tráfico de drogas potencializam a
violência. O crime organizado, vale lembrar, só prospera em Estado
desorganizado.
Em
aparente paradoxo, o investimento em segurança pública cresceu 16,6%. Em 2014,
estados e União aplicaram, juntos, R$ 71,2 bilhões no setor contra, R$ 61,1
bilhões em 2013. Os números provam que dinheiro é importante, mas não
suficiente. Falta estratégia. Segurança pública é processo em contínuo
aperfeiçoamento. Deve articular, com coerência e rigoroso acompanhamento,
componentes preventivos, repressivos, judiciais, sanitários e sociais. Sem
isso, mantém-se o apelo ao jeitinho. E, claro, o enterro de mais cadáveres do
que na Síria.
Fonte: Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog-Google