Houve um tempo em que o debate político se fazia
entre capitalistas, reformistas, socialistas, trabalhistas, comunistas,
desenvolvimentistas, hoje ele está limitado a impeachmistas e
anti-impeachmistas. Os primeiros acham que a presidente Dilma cometeu crimes
que justificam seu impeachment; e que sua saída é uma necessidade para impedir
o rumo à ladeira abaixo da economia que seu governo está provocando. Os
anti-impeachmistas acham que não houve qualquer irregularidade e, se houvesse,
ela faria o mesmo que os presidentes anteriores; além de que, dizem, o Brasil
está muito melhor graças aos governos Lula e Dilma.
O primeiro grupo não diz o que acontecerá se Dilma
for substituída por Temer. O segundo não diz o que acontecerá se Dilma
continuar mais três anos sem credibilidade, nem competência técnica e política
para liderar o país. Os impeachmistas não levam em conta o custo político de
quebrar a normalidade pela interrupção do mandato presidencial, mesmo que
dentro das regras previstas pela Constituição. Os anti-impeachmistas acham que
tudo vai bem no país, que, nunca antes na história do Brasil, se conseguiu
fazer tanto pelos pobres e isso justifica tudo: a corrupção da Petrobras e as
pedaladas, os erros na condução da política econômica, as manipulações para
vencer as eleições, os descumprimentos de promessas de campanha.
Os primeiros têm razão de que vai ser muito difícil
ao País se recuperar sob o governo Dilma e dos partidos cúmplices com os seus
erros; os outros têm razão ao dizerem que impeachment não é questão política e,
até aqui, não se encontrou nada em suas contas bancárias para criminalizar
diretamente a presidente. Presos ao debate que escolheram, não percebem que nem
impeachment nem anti-impeachment serão suficientes para enfrentar a crise em que
estamos e a decadência que iniciamos.
Os indicadores da crise são assustadores: recessão,
inflação, desemprego, queda de arrecadação, deficits fiscais, desvalorização do
real, endividamento e o mais grave é que a presidente Dilma e as equipes
econômica e política não demostram competência técnica, nem credibilidade para
reverter esse quadro. A presidente parece não querer, não poder ou não saber
ser “a Itamar dela própria”, como lhe sugerimos alguns meses atrás. Ao
contrário, no lugar de um grande diálogo aberto e franco com todas as forças da
nação, preferiu fazer barganhas dentro da desmoralizada base de apoio. Mas é
uma ilusão imaginar que o governo pós-impeachment, com a nova-velha equipe do
PMDB e do Temer será capaz de conduzir o Brasil no meio das barganhas dentro da
mesma base. E com Lula e o PT na oposição.Erram os anti-impeachmistas ou se
iludem ou nem se preocupam com o fato de que Temer também não parece
interessado nem com liberdade para se fazer o Itamar deste tempo.
Enquanto o debate for entre impeachmistas e
anti-impeachmistas, os primeiros chamando de vendidos os que não defendem o
impeachment, e os outros chamando de golpistas os que não se enquadram na
defesa dos rumos do governo Dilma, o Brasil mergulhará na crise e caminhará
para algo mais grave: decadência, social e econômica. Não mais apenas recessão,
mas a queda da posição do Brasil entre os PIBs do mundo; não apenas um PIB com
menor posição relativa, mas também um PIB limitado sobretudo aos produtos
primários e da metalomecânica, sem o brilhantismo do PIB de alta tecnologia;
não é apenas inflação passageira, mas o desequilíbrio estrutural e
constitucional das contas públicas, deficitárias, comprometidas quase
integralmente com o pagamento de dívidas do passado (juros, aposentadorias e
bolsas) e sem capacidade de investir no futuro — crianças, educação,
infraestrutura; não apenas violência urbana, que nos faz campeões em vítimas de
homicídios, mas desagregação das relações sociais; a persistência do quadro de
pobreza, intocado estruturalmente; não apenas os meses de greves de
professores, mas a aceitação da falência educacional para todos. Há ao redor,
crise e, adiante, decadência a concentração obsessiva do debate entre
impeachment e anti-impeachment sectariamente excluindo os que tentam pensar,
acusados de vendidos ou golpistas, o que mostra a decadência da política
brasileira.
(*) Cristovam Buarque - Professor emérito da UnB e senador pelo PDT-DF