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ENTREVISTA: AUGUSTO NARDES » "Foi tenso, mas histórico"

Relator do processo das pedaladas fiscais do governo Dilma, ministro do TCU diz que o tribunal cumpriu apenas a obrigação

Um dia depois de recomendar ao Congresso Nacional que rejeite as contas da presidente Dilma, o relator do processo no Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, passou a tarde ministrando palestra sobre governança e dando autógrafos em Belo Horizonte.  A tensão dos dias anteriores à sessão foi substituída por uma sensação de alívio e de dever cumprido. “Fizemos nossa parte”, disse ele ao Correio, para, em seguida, completar: “Foi tenso demais, mas foi histórico”.

Ex-deputado, o gaúcho que presidiu o TCU entre 2013 e 2014 afasta qualquer possibilidade de voltar ao cenário político em 2018, como asseguram alguns integrantes do governo para justificar a rejeição das contas do governo em 2014. “Acham que fiz política. Eu cumpri apenas a minha obrigação.” Nesta entrevista em audioconferência, Nardes disse que sofreu ameaças e apontou quem pode estar por trás dos telefonemas anônimos e mensagens que recebeu: “Militantes partidários”. Ele acusa o governo de usar a estrutura do Estado para tentar impedir o tribunal de mostrar ao país “a desgovernança fiscal provocada pelas pedaladas”. Na entrevista, Nardes comenta ainda sobre a “dramática” situação financeira dos estados. Em parceria com o governador Rodrigo Rollemberg, acompanha de perto a crise do Distrito Federal que, segundo ele, deveria ser exemplo e hoje envergonha o país. Ele adianta que o TCU está empenhado em uma grande auditoria nas terras do DF para responsabilizar quem promove invasões em áreas da União. E lamenta o descaso do poder público: “O Entorno de Brasília se tornou uma grande favela”.

O senhor teria dito que houve pedaladas também em 2015. Como é isso?
Quem estava lendo isso era o procurador Júlio Marcelo (de Oliveira). Ele está trabalhando nessa questão e pode informar melhor. Há indícios, pelo que ele me disse, mas eu não sou relator das contas de 2015. É o José Múcio (Monteiro). Futuramente, ele pode entrar com uma representação — e é bem provável que entre. Eu falei baseado no que ele me falou.

O senhor falou que sofreu ameaças. Foi um período muito tenso o desses últimos meses?
É. Eu tive várias ameaças, mas muito mais apoio que ameaças. Agora, esse período já passou, mas, de qualquer forma, estou ainda com seguranças, por questão de proteção física e, especialmente, no sentido de que não acontecesse nada, porque seria ruim para mim e para o próprio governo. Tenho consciência de que o governo jamais faria alguma coisa nesse sentido, mas militantes partidários podem fazer. E aí poderiam colocar a responsabilidade sobre o governo, e eu não queria que isso acontecesse. Eu não acuso ninguém, só procurei manter a minha integridade e a da minha família, para preservar uma condição tranquila na votação, que acho que foi um momento histórico. Fico muito satisfeito, especialmente pela decisão do ministro (do STF, Luiz) Fux, de ter mantido a sessão do Tribunal de Contas da União. Se não houvesse sessão, seria cerceamento de liberdade de um tribunal importante e da busca da transparência nas contas da presidente. Por isso, foi muito importante o momento de ontem (quarta-feira). Tenso, mas histórico. Nós vivemos um momento muito tenso porque, depois da coletiva dada pelos ministros no domingo, foi colocado em suspeição não somente o ministro Nardes, mas todo o corpo técnico do Tribunal de Contas da União. E isso, com certeza, abalou bastante a Corte como um todo. É um momento histórico para nós e para o país.

Qual o principal motivo da crise?
Fiz uma palestra hoje (ontem) em Belo Horizonte. Todos os tribunais de contas estão aqui com o pessoal do controle. Vim lançar um indicador de autogovernança, para ver como é que está a governança não somente da União, mas dos estados, municípios. É um trabalho inédito, que considero um novo norte para a nação brasileira. É o grande tema. O que aconteceu com as pedaladas é a desgovernança fiscal. Então, tem a ver com as pedaladas, com as contas, o que nos levou a chegar a essa situação de R$ 106 bilhões de irregularidades. O Brasil precisa fazer sua parte pela governança, objeto deste livro que nós lançamos hoje (ontem) em Belo Horizonte, Governança pública: o desafio do Brasil. São 500 páginas que mostram por que o Brasil não funciona hoje.

É ausência de governança?
Estou muito preocupado com essa tese. O governo muitas vezes não gosta, mas eu tentei auxiliar o Planalto a deter essa sangria ano passado. Não estavam sendo contabilizados R$ 2,3 trilhões da Previdência dos funcionários públicos da União e isso levaria a uma situação, para a Previdência, que é de praticamente inviabilizar o pagamento de aposentadorias no país. A previsão do deficit para o ano que vem é próxima de R$ 190 bilhões. Se o país não voltar a crescer, não teremos dinheiro em pouquíssimo espaço de tempo para pagar os aposentados e talvez até tenhamos que cortar os salários dos funcionários públicos.

O governo alega que todo mundo sempre pedalou e que só agora houve essa reação. As pedaladas de Dilma são diferentes?
Na minha exposição tem um gráfico mostrando isso. Desde 2004 até 2014, o gráfico demonstra que no último ano teve um impacto de irregularidades muito acentuado. Mostrei que a versão dada pelo governo não é a realidade. Até 2013, não havia uma dissonância e uma irregularidade tão graves como as de 2014. Claro que a razão da nossa proposta para o Congresso pela rejeição das contas não é somente em razão das pedaladas. É o conjunto da obra. A soma das pedaladas, a questão do contingenciamento, que ela tinha que ter feito de R$ 28 bilhões em 2014, mais R$ 10 bilhões que ela usou para fazer com o que o Congresso aprovasse isso, o que daria R$ 38 bilhões. São R$ 78 bilhões, com os R$ 40 bilhões do dinheiro adiantado para a Caixa, para pagamento de programas sociais, também recursos do BNDES e do Banco do Brasil. Depois, o Ministério do Trabalho, mais uma parte que ela tinha que ter contingenciado, os decretos de créditos que ela abriu sem autorização do Congresso. Uma série de irregularidades levou à proposta da rejeição das contas. Não foi um fator, são vários fatores. Isso mostra uma desgovernança fiscal e nós temos que ser um tribunal impedidor da desgovernança. Porque, se não fizermos isso, como fizemos na quarta-feira, corremos o risco de levar o Brasil para uma situação semelhante à que aconteceu com a Grécia, com a Espanha. E nós não temos uma Europa para salvar o Brasil.

Os governadores também vivem um momento caótico. A rejeição das contas da presidente vai abrir caminho para que os estados  sofram o mesmo?
Nós temos 10 estados em situação praticamente lamentável, de não conseguir pagar os funcionários públicos. É a situação do Distrito Federal e do meu estado, o Rio Grande do Sul. Em curtíssimo espaço de tempo, nós não vamos ter dinheiro para pagar de forma integral os aposentados e talvez até não conseguir pagar mais os funcionários públicos, porque caiu a arrecadação. É preciso um basta nessa forma de governar e gastar sem arrecadação suficiente, como aconteceu em 2014. Nós mesmos podemos encontrar um caminho se melhorarmos a governança, que é o grande problema da nação brasileira. Porque o fato político pode acontecer, pode ser eventual. Mas, se não tiver um bom produto para entregar à sociedade, em termos de educação, saúde, infraestrutura ou segurança, as pessoas estarão indignadas com o serviço público  apresentado. E a consequência disso é baixo crescimento, baixa competitividade. Eu analisei na primeira fase das contas a questão da competitividade. Nossa infraestrutura está muito aquém das nações que competem conosco em termos de preço e produto que é entregue no porto. Por exemplo, um produto no porto na Holanda, nos Estados Unidos e na Argentina, é em torno de 25. No Brasil, está 85. O país perdeu todas as conquistas que tivemos.

Muita gente aplaudiu sua decisão país afora. Mas, naturalmente também, o PT e aliados do governo fizeram duras críticas ao senhor e fazem referência à citação do seu nome na Operação Zelotes. Como o senhor recebe isso?
Foi arquivado.

Foi arquivado, mas essa e outras questões relacionadas ao senhor lotaram as redes sociais. Essa pressão é coisa do momento?
Eu acho que é só esse momento, porque procurei colaborar com o governo, estive várias vezes com a presidente Dilma, várias vezes com o chefe da Casa Civil, (Aloizio) Mercadante, entregamos o livro, mostramos onde estão os gargalos da governança, fizemos trabalho em conjunto. A gente oportunizou toda a defesa e, portanto, tivemos 90 dias praticamente de prazo para o governo fazer a defesa. Tenho um profundo respeito à administração como um todo, temos excelentes instituições dentro da estrutura do governo, mas a governança como um todo não é um problema somente da União. A boa governança é problema nacional. O Banco do Brasil funciona muito bem, o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Fazenda em algumas áreas, especialmente da Receita, que é uma excelência. Mas o conjunto da administração pública deixa a desejar. Na questão das concessões, fizemos mais de 50 reuniões orientando a Casa Civil a melhorar. O governo está utilizando toda a sua estrutura para evitar que nós façamos o nosso trabalho, mas nós procuramos dar toda as oportunidades de defesa para o governo.

O que provocou a falta de boa governança em 2014?
O fato de ser um ano eleitoral torna a situação mais grave. A legislação é clara definindo o que pode e não pode no período eleitoral. Os R$ 28,5 bilhões tinham que ser contingenciados no inicio do ano. Em todos os anos anteriores foi feito o contingenciamento. Em 2014, não. Mandou-se o projeto para o Congresso Nacional depois que as finanças estavam deterioradas, em novembro. Faltou uma assessoria adequada para a presidente. Se ela tinha conhecimento ou não, quem responde é ela, porque cabe a ela assinar o decreto do contingenciamento e, infelizmente, ela não fez. Foi uma soma de irregularidades e não faltaram alertas, mas as medidas corretas não foram tomadas.

O governo diz que o senhor tomou essa decisão porque tem planos eleitorais para 2018. Pretende voltar para política?
Não tenho pretensão de voltar à política. Já fui parlamentar. Os críticos não entendem que o Tribunal de Contas passou por uma evolução. Na presidência do TCU, nós demos sequência ao belo trabalho de presidentes anteriores e seguimos um exercício de diálogo e aproximação com todos os estados. Montamos uma especialização no Tribunal. O TCU está preparado para mostrar todos os gargalos da nação. Fizemos em 2013 e 2014 um diálogo público com todos os estados e chamamos todos os governadores para um pacto pela governança. Isto faz parte de uma estratégia de mudança de comportamento do tribunal de trabalhar preventivamente para auxiliar a administração pública. Estou hoje em Belo Horizonte com representantes dos tribunais de contas de todo o país para mostrar e dar sequência e este trabalho. Essas palestras que tenho feito são parte dessa proposta de fazer com que o TCU assuma o papel de ajudar neste projeto de melhorar a governança no Brasil. É um momento diferenciado que todos os tribunais estão fazendo.


O senhor acompanha de perto a situação de Brasília, não?
Sim. Inclusive sobrevoei duas horas essa área toda de Brasília com o governador Rollemberg e o presidente da Terracap para conhecer mais detalhadamente o grave problema das invasões de terra no Distrito Federal. Estamos fazendo uma grande auditoria para mergulhar na questão das invasões do DF.

Ficou preocupado com o que viu? As invasões cresceram muito? A grilagem está irrefreável?
Os indicadores de Brasília são preocupantes. Fiz uma palestra na Câmara Legislativa na semana passada. Os indicadores de criminalidade em algumas cidades do Entorno de Brasília são os maiores do Brasil e estão entre os maiores do planeta. O Entorno tem uma degradação grande. Eu alertei o governador e estamos fazendo uma grande auditoria também com ajuda do Tribunal de Contas de Goiás. Temos uma série de indicações e vamos responsabilizar os dirigentes da União que não protegem as áreas federais. O Entorno de Brasília se tornou uma grande favela semelhante a outras enormes do país. É inaceitável que o Estado não possa promover loteamentos, fazer casas com projetos como o Minha Casa Minha Vida. Nós faremos uma grande auditoria de terras nestas áreas, a maior já vista aqui. O papel do TCU é também preventivo. O que fazemos hoje em relação à terra é um grande alerta para coibir e para responsabilizar quem não está tratando essa questão com a devida correção. Essa é uma das minhas prioridades.

A situação financeira é dramática em Brasília?
A situação é dramática, mas não só em Brasília. Neste em outros casos precisamos ficar atentos para que os governantes não fiquem quatro anos, como aconteceu na última administração do DF do Agnelo Queiroz, gastando todo o dinheiro, inviabilizando as contas do estado totalmente e nada acontece. Em Brasília, há risco de não pagar os salários dos servidores. Isso é inadmissível. Se o controle não tiver coragem de mostrar isso para a sociedade, vamos caminhar para uma situação lastimável. Nós temos cargo vitalício pra quê? Para dizer amém? Para passar a mão na cabeça de todo mundo e dizer: “Olha, está tudo certo”? Não, não estamos aqui só pra dizer amém. Brasília, que deveria ser um exemplo, até por ter receber um fundo da União, infelizmente está inviabilizada em curto espaço de tempo. O governo pode não pagar a folha do mês. O fato de eu ter coragem de mostrar isso é o que me faz receber todo tipo de pressão. O que quero mostrar é que a estrutura que temos no Estado, do Ministério Público, da Polícia Federal não tenha quebra de continuidade. O que está acontecendo no DF vai acontecer em todo lugar. O governante não tem controle, o Brasil passará em curto espaço de tempo a não conseguir pagar o salário dos aposentados e muito menos a folha dos servidores. Temos os rumos, somos os responsáveis. Isso é fazer política ou cumprir com o meu dever? Ao tentar me cercear, eles querem calar quem não tem medo de mostrar a verdade.

O presidente da Câmara disse que apreciação das contas presidenciais só acontecerá em 2016. Isso não inviabiliza tudo?
A sociedade está muito atenta e acompanha tudo de perto. A sociedade brasileira quer transparência já. Foi o que o fizemos e cumprimos nosso papel. Demos todas as chances ao governo, respeitamos os trâmites. Não cabe a mim julgar a questão do impeachment. Cabe a mim julgar as contas. Esperamos que a Câmara tome uma decisão o mais rapidamente possível, mas respeito a decisão do Congresso Nacional. A nossa parte nós fizemos.

“O governo federal usou toda a sua estrutura para impedir nosso trabalho”

“O Entorno de Brasília se tornou uma grande favela. Vamos fazer uma grande auditoria de terras nesta região”

“Espero que a Câmara tome uma decisão o mais rapidamente possível. A nossa parte nós fizemos”


Fonte: Ana Dubeux – Denise Rothenburg – Nívea Ribeiro – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog-Google

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