EM CASA
- Fernando Henrique: “Não tenho mais ambições”(Laílson Santos/VEJA)
Na semana
em que lança suas memórias, o ex-presidente explica a VEJA a decisão de
publicá-las agora, fala sobre a crise e reflete sobre o exercício da Presidência
Mais de
vinte anos depois do início dos registros históricos de seu tempo na
Presidência que surgem em seus diários, Fernando Henrique Cardoso mantém um
olhar atento - e crítico - sobre o que se passa em Brasília e no Brasil. O
ex-presidente avalia que o país já se distanciou do início da crise, mas ainda
não está perto do fim dela. Mesmo que não chegue a cravar que o governo de
Dilma Rousseff não tem mais salvação - "em política, o futuro é inventado,
não está dado" -, avalia que as chances de recuperação da petista são
ínfimas. Guarda as palavras mais duras para seu sucessor, Luiz Inácio Lula da
Silva, que está "enterrando a própria história" por continuar
persistentemente a fazer "escolhas erradas". O tucano também dissipa
as dúvidas sobre a saída que o PSDB busca para a crise e afirma que o partido
defende a cassação da chapa de Dilma, por ter recebido dinheiro do petrolão na
campanha, e que vai votar a favor do impeachment quando, e se, a questão do
afastamento constitucional da presidente chegar ao plenário da Câmara dos
Deputados.
Mas na entrevista de uma hora e
meia que concedeu a VEJA em seu apartamento em Higienópolis, na manhã de
quarta-feira, o ex-presidente não falou só da atualidade. Expôs os motivos que
o levaram a publicar em vida seus diários - um deles foi definir as regras para
a edição do gigantesco material se porventura a saúde lhe faltar antes do fim
da empreitada - e afirmou que não teme o julgamento da História, tampouco a
repercussão da divulgação de suas memórias. "Quem entra para a vida
política tem de ter muita firmeza interior. Quando você entra para a política,
você é responsável pelos seus atos. Fiz com boa intenção, não roubei, não
censurei, não protegi, não persegui."
FHC defende a tese de que tudo o
que fez no governo foi porque tinha, e ainda tem, um projeto claro de país. Ele
afirma que a virtude do homem público, do "homem de Estado" (termo
que usou algumas vezes, sem jamais mencionar a palavra estadista), é conseguir
levar adiante seus projetos - não é a mesma virtude individual, não tem a ver
com as "verdades íntimas, convicções, ética pessoal".
Em que
ponto estamos da crise?
No meio. Quando houve a crise do
Collor, que foi diferente desta, chegou um momento em que ficou nítido que era
insustentável. Ele teve maioria, mas não dava atenção ao Congresso, que o
percebia como soberbo - um pouco como acontece com a presidente Dilma. E isso é
complicado. Os presidentes que não entenderam a dinâmica da tradição política
brasileira, que pensam que o presidencialismo "imperial" tem toda
essa força, não se aguentam. Getúlio usou essa força, fechou o Congresso, deu
numa ditadura, não é bom. Os presidentes só conseguem levar a coisa adiante
quando têm rumo, apoio da opinião pública e, por consequência, do Congresso.
Essa é a ordem. O governo perdeu o rumo, perdeu o apoio da opinião pública. Aí
fica rodando em falso. Vi isso no tempo do Jango. Os governos não podem deixar
de produzir resultados. Por que estamos no meio da crise? Porque nosso governo
está deixando de produzir resultados.
O
senhor citou dois presidentes depostos e um que se suicidou. Isso demonstra que
o senhor avalia que Dilma não tem como se recuperar?
Acho difícil. Em política, o
futuro é inventado, não está dado. Então não vou dizer que não há
possibilidade, mas que a probabilidade de recuperação é baixa, isso é.
A crise
ainda vai se aprofundar?
Sim, até porque a crise econômica
ainda vai se agravar. Boa parte das pessoas que têm posição institucional
importante está sob ameaça da Lava-Jato. E, para sair de uma situação
intrincada como essa, vai ter de haver uma orquestração. Na crise do Collor,
quando ficou inviável, o Sarney me chamou e falou: está na hora de reunirmos o
congresso dos cardeais. E o que era isso? Eram pessoas que tinham sensibilidade
institucional, em diversas posições, que pudessem ajudar a conduzir o processo,
inclusive gente do governo. Em um dado momento, você tem de formar uma rede de
pessoas que tenham compromisso com o país e com as instituições. Não chegou
ainda esse momento.
O
ministro da Fazenda, Joaquim Levy, implementa um ajuste que boa parte do
governo rejeita. O senhor teme uma saída à esquerda para essa crise, com
abandono do ajuste fiscal?
Se for por aí, vai enveredar para o caos. É preciso entender
como funciona o mundo atual, que é interligado. Se você não atentar a certas
regras de equilíbrio orçamentário, não vai ter crédito. E, se não tiver
crédito, não funciona. Eu não sou monetarista, nunca fui, não acho que a dívida
em si seja um pecado, entendi bem o Keynes. Mas imaginar que se criou um modelo
de crescimento mágico dá no que deu.
Por: Pedro Dias Leite e Vera Magalhães - Revista Veja