Nem mesmo atos provados de corrupção são tão letais
a uma instituição de defesa da cidadania do que a sua conversão aos ditames do
governo de plantão, seja de que matiz for. O aparelhamento tem o poder da
estricnina, os efeitos do envenenamento continuam a agir por longo tempo,
tornando a plena recuperação tarefa árdua e, às vezes, inócua sempre que a
memória vem à tona. A abdução política, nesses casos, funciona como quebra de
confiança. Uma vez rompida, ficam os remendos, as cicatrizes. Sendo assim, como
manter instituições, que têm no seu cerne características marcadamente
políticas, distantes e imunes aos diferentes governos?
O que parece, num primeiro momento, um paradoxo,
sem solução, encontra na leitura atenta dos próprios estatutos a saída para o impasse.
Ao brasileiro fica a impressão de que o retorno ao estado de direito fez perder
o viço dessas instituições que eram a voz do cidadão, do mesmo modo que
esvaziou a música e a poesia dos compositores de protesto. Numa primeira
impressão, tudo ficou como que pasteurizado, numa geleia geral amorfa e
insípida. Pior para a democracia.
O silêncio obsequioso desses organismos, no caso do
momento tão grave por que passa a nação, muito mais do que insinuar uma
cumplicidade cínica, arremessa o cidadão no terreno baldio da incerteza e do
desamparo. Sem ter a quem recorrer nesta hora de aflição, o cidadão órfão tem
apenas numa parte da imprensa e nas manifestações espontâneas das ruas a
certeza de que não está sozinho nesta longa noite.
Definitivamente, democracia não se constrói sem
traumas e sustos. A ordem de secessão, repetidamente ordenada pelo governo
contra quem ousasse discordar, fez calar também as instâncias derradeiras da
cidadania. Fechadas num mutismo autista, essas instituições deitaram por terra
a própria razão de existir. Passada a tormenta, ficarão ainda os escombros das
ordens, associações, confederações e união, todas à espera de quem possa reaver
a credibilidade perdida.
A frase que foi pronunciada:
“O poder sem moral
transforma-se em tirania.”
(Jaime Balmes)
Por: Circe Cunha - Coluna
"Visto,lido e ouvido" - Ari Cunha - Correio Braziliense -
Foto/Ilustração: Blog-Google