"Os leitores devem ter observado o silêncio da coluna, depois
de três domingos consecutivos de comentários e lamentos sobre o que está
acontecendo no Lago Sul."
Adotamos,
propositalmente, uma postura de silêncio, o que não nos impediu de estarmos
atentos e observando tudo à nossa volta. Torcendo, acreditem, para que tudo o
que escrevemos naqueles três domingos nos desmentisse, nos provasse e aos
leitores, que aquilo não passava de preocupação exacerbada, de premonições
infundadas e que, contrariando nossas previsões, nada daquilo estava
acontecendo.
Ao
contrário, tudo estaria maravilhoso, paradisíaco, confortável, cuidadoso,
vigilante. Nada do que dissemos teria acontecido, o que não passaria de
elucubrações pessimistas, talvez causadas pelo desconto de ver a orla do lago
invadida por quem, numa visão preconceituosa, não deveria estar lá.
Como
gostaríamos, de verdade, que estivéssemos sendo desmentidos!
Como
gostaríamos de apreciar as “praias” lacustres cheias de banhistas protegidos,
com uma infraestrutura impecável, com banheiros, salva-vidas preparados,
policiamento ostensivo e defensivo, orientação para pais e banhistas sobre os
riscos de estar ali despreparados.
Como
gostaríamos de ver, espalhadas por toda a orla liberada ao povo, sob a alegação
de que “o lago é dele”, que postos de atendimento aos banhistas fossem
instalados, como no Rio de Janeiro e demais cidades litorâneas, protegendo a
todos com os cuidados e desvelo que merecem.
Como
gostaríamos que vigilantes uniformizados e capazes informassem aos banhistas
sobre noções de higiene, civilidade e cuidados para com o meio ambiente;
Contêineres
coletores de lixo por todos os lados e, por que não?, advertência sobre a
sujeira deixada naquelas áreas, antes tão bem cuidados e protegidas, por conta
dos moradores daquela orla;
Como
gostaríamos de ver as crianças sendo assistidas com primeiros socorros ao
cortarem seus pés nos cacos de vidro deixados por todo lado, em meio a dejetos
humanos, sobras de comida trazida em quentinhas, fraldas descartáveis para todo
lado, latas e garrafas espalhadas ...
Cansamos
de esperar. Ao contrário, depois de tanta destruição, o que vimos foram cenas
dantescas, como se soltassem uma boiada desenfreada, naquilo que, de forma
criminosa, inconsequente e preconceituosa, jogassem o povão, então “dono do
lago” de forma desprezível.
Foi o
mesmo que dizer: “Vocês não queriam a orla do lago? Lá está ela. Agora é de
vocês. Desfrutem e se virem! “
E deram a
eles o resto, o restolho, o mato, o desconforto, a terra, as cobras, as moitas
servindo de banheiro e, como vimos no fim de semana do Dia da Criança, a morte.
Isso
mesmo. A morte de três pessoas que, se achando o máximo naquele lago que agora
“é deles”, viram suas vidas interrompidas pelo descaso, pelo desprezo de uma
administração que deveria ter colocado ali pessoal especializado em primeiros
socorros, placas de sinalização indicando a profundidade do lago naquela área,
sinais de alerta, de “proibido nadar naquele local” e muito mais.
Crianças
“nadando” segurando garrafa pet. Homens com garrafas de cerveja dentro dágua.
O que
mais nos entristece é que, para os novos “donos do lago” tudo está uma beleza.
Não percebem o descaso, a falta de respeito e cuidados para com eles,
deixando-os “ao deus-dará”, pois o trabalho hercúleo do Corpo de Bombeiros não
consegue dar vazão à demanda de tantos banhistas deslumbrados com a ideia de
estar no lago, mesmo vendo que foram “jogados” no lago de qualquer jeito, sem a
menor preocupação
No Parque
da Asa Delta, fechado por uma corrente e um grande cadeado, sem explicações,
vimos o alambrado ser cortado, para que aqueles que vieram de longe pudessem
passar e curtir aquele espaço. De nada adiantou a corrente, o cadeado.
Arrebentaram, e pronto. Quem estava lá para advertir, avisar da proibição?
Ninguém!
Por isso,
escolhemos, para a matéria de hoje, o título “órfãos”.
É como
nos sentimos e como todos os novos “donos do lago” deveriam se sentir: Órfãos.
Como
dizem os jovens: “Tipo assim. Se danem. Não queriam se apossar da orla do Lago
Paranoá? Agora se virem!”
Por: Jane Godoy – Coluna 360 Graus - Correio Braziliense – (Foto: Arquivo
pessoal)