Cobogós, pilotis,brise-soleis fazem parte do desenho dos
primeiros blocos residenciais das superquadras, como a SQS 107. Formas que
tornam Brasília única
Nem tão exuberantes como os monumentos turísticos, os prédios
residenciais não são menos interessantes. Por trás de uma arquitetura
aparentemente simples, eles recontam curiosidades sobre a construção das
primeiras quadras de Brasília
SQS 202
SQN 206
SQN 408
São tantas formas, curvas e retas a desafiar o olhar de quem
circula por Brasília, que podem passar despercebidos os blocos residenciais. Na
cidade monumental, a imponência dos prédios públicos se completa à discreta
beleza das unidades de apartamentos. Sutis, eles são parte fundamental do
urbanismo proposto por Lucio Costa. São a base da Superquadra, a joia do
planejamento da capital e representam uma concepção humanística do que é a
moradia. As histórias da construção desses prédios são pouco conhecidas. Cada
um tem sua peculiaridade de estilo e conta um pouco do momento em que foi
erguido.
Os blocos
da primeira geração de Brasília, construídos nas décadas de 1960 e 1970, têm
projeto bem uniforme. “Eles têm volumes e dimensões iguais”, explica a professora
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, Sylvia Ficher. O formato deles
é tipo lâmina horizontal, o que não permite muitas ousadias para aproveitamento
dos espaços. As plantas foram adaptadas com o tempo.
Um dos
exemplos são os blocos da SQS 107, projetados por Oscar Niemeyer. Primeiras
unidades residenciais erguidas na capital, eles têm algumas características que
foram corrigidas nos projetos seguintes. Uma delas se refere à disposição dos
prédios e ao uso dos brise-soleis nas janelas, um artifício arquitetônico para
proteção da claridade excessiva. No entanto, em algumas janelas, a instalação
desses elementos se mostrou desnecessária e escureceu o interior do
apartamento. Nos projetos posteriores, os brises foram usados com mais reserva
e, em alguns casos, foram substituídos por cobogós.
O Bloco G
da mesma quadra, por exemplo, foi erguido em 1959 para o Instituto de
aposentadorias e pensões dos empregados em transportes e cargas (Iapetc).
Conta-se, inclusive, que o então presidente Juscelino Kubitschek, após uma
vistoria, trocou a noite no Catetinho por uma nas acomodações no prédio.
Naquele tempo, o piso do pilotis ainda era de cimento; e as paredes, de
tijolinho à mostra. Uma reforma, em 1982, trocou a estrutura por mármore branco
e granito.
Da década
seguinte, o Bloco B da SQS 309 foi visto como um avanço no quesito de qualidade
arquitetônica. Projetado pelo mineiro Marcílio Mendes Ferreira, o prédio foi
construído para abrigar os funcionários da Caixa Econômica Federal (CEF). Os
apartamentos vazados têm boa ventilação. As lajes grossas oferecem privacidade
e tranquilidade para os moradores. “Não escuto barulho nenhum dos vizinhos”,
explica José Mário Cavalcanti, 80 anos. Ele se mudou para o prédio em 1975 e
não troca o apartamento por nenhum outro local em Brasília. “Aqui é muito bom
de morar. Quando cheguei, só tinham seis árvores plantadas. Fomos arborizando
com o tempo”, explica.
Outro
fator que colaborou para essas mudanças foram as atualizações do Código de
Obras, que estabelece as regras para as edificações do Distrito Federal. Da
época da construção de Brasília até hoje, a legislação mudou quatro vezes: em
1960, 1967, 1989 e 1998. A versão de 1960, por exemplo, estabelecia forte
diferenciação de fachadas: áreas nobres dos apartamentos, como salas e quartos,
deveriam ficar para a frente. Atrás, por sua vez, estariam a cozinha e a área
de serviço. Para os apartamentos da primeira geração, os cobogós tinha a função
de esconder as atividades desenvolvidas nos fundos da unidade. Nas versões
seguintes, a obrigatoriedade do seu uso deixa de existir.
Ainda
assim, algumas questões não foram corrigidas a contento, como a
superpadronização da cidade em setores, conforme explica o professor da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, Frederico Flósculo. “Para Lucio
Costa, os blocos dos altos funcionários do governo seriam vizinhos dos
subordinados deles. No entanto, era preciso correr contra o tempo e era mais
fácil fazer superquadras padronizadas", destaca.
Na outra asa
Na Asa
Norte, os blocos da SQN 408, projetados pelo arquiteto carioca Milton Ramos,
eram um aglomerado de concreto em meio ao cerrado denso. O bloco D, por
exemplo, fica em frente à Escola Classe 407, uma das primeiras unidades de
educação primária de Brasília. “Era tudo terra, quando me mudei para cá. Não
tinha nada asfaltado. A escola estava sendo inaugurada”, lembra Josefa Menezes
de Carvalho, 81 anos.
O
edifício foi construído para abrigar os militares do Corpo de Bombeiros.
“Quando eu e meu marido chegamos, só havia poucas unidades ocupadas. Fomos umas
das primeiras famílias”, conta. Josefa lembra que não havia também comércio
local naquela época. O mais próximo ficava a cinco quadras de distância.
Projetado
para acolher os professores da UnB e funcionários da CEF, os blocos da SQN 206
também são trabalho de Marcílio Mendes Ferreira, em parceria com o arquiteto
Takudoo Takada. Os blocos foram erguidos entre 1977 e 1978, a partir de
elementos pré-moldados, que eram sobrepostos até que o conjunto fosse
finalizado. Essa opção tornou o processo de construção mais rápido. Foram 16
meses para erguer os 11 blocos. As fachadas têm brises. Cobogós compõem a
fachada posterior com aplicações que dão mais volume à estrutura. Eles foram
fabricados no canteiro de obras. A SQN 206 foi a primeira superquadra a ser
erguida e urbanizada de uma só vez. Os pilotis são de mármore e há azulejos
esverdeados, que remetem ao fim da década de 1970. O prédio conserva as
características originais, sem grandes intervenções por ocasião de reformas.
Fonte: Maryna Lacerda – Correio Braziliense – Fotos: Hugo
Gonçalves Esp.CB/D.A.Press – Claudio Reis Esp.CB/D.A.Press