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Andorinhas de Brasília e Rubem Braga

Athos Bulcão - Google

Rubem Braga sempre foi um inimigo histórico da transferência da capital do Rio de Janeiro para Brasília: “Um túnel ou um viaduto leva anos para ser construído no Rio, qualquer obra se arrasta miseravelmente, por falta de verba — e vamos fazer uma cidade nos confins do Judas”, escreveu o cronista capixaba.

Braga tinha alma de cigano, gostava muito de viajar e retornou a Brasília várias vezes. O Correio registra nota sobre uma dessas visitas, acompanhado do amigo Stanislaw Ponte Preta. Adivinhem para quê? Para ter uma audiência com o presidente da República? Para fazer lobby no Congresso Nacional? Para cavar um emprego de Aspone? Não, para assistir a um concurso de canto de curiós em uma feira de aves.

Em outubro de 1961, Braga destilou mais algumas doses de sutil e insidioso veneno contra a capital modernista, em crônica publicada na revista Manchete, intitulada “Môscas e o teto azul da cozinha”. Lá pelas tantas, Braga insinuou esta maledicência: “Uma criança nascida em Brasília que não sair de lá morrerá sem ver andorinhas, triste sina”. Mais adiante, ele faz uma ressalva esclarecedora: “Cuida o leitor que estou escrevendo bobagens, e é certo. Mas eu sei das bobagens minhas, elas têm um enredo íntimo”.

No entanto, apesar do reparo, em se tratando do autor, é uma acusação grave contra Brasília, que atenta contra a nossa, digamos assim, soberania lírica, pois em uma crônica célebre, Braga tomou partido de um passarinho contra o todo poderoso Conde Francisco Matarazzo, sob um argumento poético de difícil contestação: “O Conde não voa; o passarinho voa. É gentil ser um passarinho”. Portanto, apesar de a provocação datar do longevo ano de 1961, não prescreveu e não pode ficar sem uma resposta.

Estimado Braga, onde estiver, lamento decepcioná-lo em suas intenções malévolas de difamar nossa cidade, mas a condição de autor de supostas crônicas sobre este pedaço me impõe o dever de lhe informar que a andorinha é um dos símbolos mais belos, marcantes e tocantes de Brasília. Está inapelavelmente gravado nas retinas de nossas crianças.

Basta passar pela Igrejinha Nossa Senhora de Fátima da 308 Sul. Em magnífica intuição, o seu amigo Athos Bulcão, com quem você bebeu tantas vezes nas mesas do bar Vermelhinho, no Rio de Janeiro, transformou a pomba, símbolo do Espírito Santo, em andorinha, ao desenhar painéis de azulejo daquele santuário modernista. Não poderia haver maior distinção para uma ave que você mesmo qualificou como a mais católica e devota de todas.

Parece que Athos compôs as andorinhas com pedaços de nuvens brancas dos céus de Brasília. Elas estão nas paredes em um voo parado ao lado de estrelas, símbolos de benção, unção e proteção. Que o lume do Espírito Santo paire sobre nós neste momento tão grave da vida da cidade e do país. Como se não bastasse, tenho avistado andorinhas no shopping Pier 21, na sede do Tribunal de Justiça e em várias igrejas da cidade. Ainda bem, inefável Braga, que, sabiamente, você fez a ressalva de que talvez estivesse falando besteira.


Por: Severino Francisco – Jornalista – Editor de Cultura – Correio Braziliense – Foto/Ilustração- Blog - Google

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