"Acho um momento gravíssimo, a economia derretendo,
crise política, crise ética, essa que é terrível. Altas autoridades sendo
acusadas, investigadas, altas personalidades do partido que está no governo na
cadeia"
Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário
Velloso, 79 anos, tem convicção de que hoje existe razão para o impeachment de
Dilma Rousseff. “Fui dos primeiros a afirmar, quando se falava nesse tema, que
não havia, até então, motivo, mas mudei o entendimento depois da decisão do TCU
de rejeitar as contas da presidente.” Ao longo de mais de duas horas de
entrevista, no escritório do 8º andar de um prédio no Setor de Autarquias Sul,
Velloso falou sobre a maioridade penal, o foro privilegiado e a infinidade de
recursos, que, segundo ele, deveriam ser reduzidos às instâncias iniciais.
Também analisou as decisões do juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro, o mensalão, o
caso Collor e a Lei da Ficha Limpa, segundo Velloso, um dos principais avanços
do Supremo nos últimos anos.
Mesmo longe do papel de juiz há nove anos, parece sempre pronto a participar de debates públicos. Nascido em Entre Rios de Minas, a 120km de Belo Horizonte, ele é um crítico aberto do foro privilegiado e do instrumento do “trânsito em julgado”. “É a liberalidade à brasileira. Nos Estados Unidos, um juiz de primeiro grau condenou, sai dali preso.” Velloso está em Brasília desde dezembro de 1977, quando chegou aqui para assumir o cargo de ministro do Tribunal Federal de Recursos. Formado em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, ainda no estado natal, foi professor, advogado, promotor de Justiça e juiz federal. Na capital da República, ocupou cadeiras no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Superior Eleitoral, até ser nomeado no Supremo, em 1990. Ao deixar o STF, depois de 16 anos, disse que sentia como se o tivessem degolado. “Eu saí muito pesaroso, mas, seis meses depois, se me chamassem, não voltaria.” Amanhã, o ministro participará de encontro jurídico em sua homenagem, promovido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pela Harvard Law School Association of Brazil e pela FGV Direito Rio. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o senhor está acompanhando a crise
política, a partir deste debate sobre a judicialização das
discussões?
Existe
uma certa judicialização do processo político dada a omissão, muitas vezes, dos
órgãos políticos. Muitas vezes, o Congresso se omite (e estamos assistindo a
isso), então o Judiciário se adianta. O Supremo se adianta. No caso, por
exemplo, do feto anencéfalo. É realmente uma decisão que reflete o ativismo
judicial. Agora, correto? Parece-me que sim. Especificamente sobre a sua
pergunta: é requerido o impeachment, é pedido impeachment. O presidente da
Câmara elaborou uma espécie de regimento, de rito; e foram ao STF. O Supremo
entendeu que o rito está na Lei 1.079. Até achei interessante, porque o rito
ampliava o raio de defesa, o que criou o recurso para o plenário. Então,
até estranhei que se recorresse de uma medida que amplia o raio da defesa. Mas
o Supremo entendeu que há de ser observado o rito e concedeu a medida liminar.
No impeachment do Collor, o STF, por mais de uma vez, interveio no processo,
nunca ex officio. Mas sim devidamente provocado por parlamentares.
Vê alguma similaridade entre
o caso Collor e o que está em discussão no Congresso?
Porque ali havia um crime. Pelo menos na CPI do caso
Collor, percebeu-se que havia
montagem de uma quadrilha para roubar dinheiro público. E agora não
está configurado isso envolvendo a presidente Dilma.
Há uma
razão para o impeachment dela?
Fui um
dos primeiros a dizer e a afirmar, quando se falava em impeachment, que não
havia, até então, motivos para o impeachment.
E continua com essa opinião?
Não.
Mudei meu entendimento tendo em vista a decisão do Tribunal de Contas da União.
O TCU reconheceu aquilo que foi apelidado de “pedalada” — aquelas operações que
consistiam, em síntese, no fato de a Presidência ter obrigado e submetido um
banco estatal a pagar dívidas do governo do Estado, o que é proibido pela Lei
de Responsabilidade Fiscal. Então, a partir daquele momento, penso que surgiu
um motivo determinado para o impeachment.
Há quem diga que, por ter
sido no mandato anterior, não seria o caso de impeachment. Mas que essas de 2015, sim. Porque seriam relativas a este
exercício. O fato de haver reeleição,
pode-se fazer essa distinção,
uma vez que ela não ficou nem um dia fora do cargo?
Penso que
sim. Veja: a Constituição, no artigo 85, estabelece que o presidente da
República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos
estranhos ao exercício de suas funções. Isso no parágrafo 4. O artigo 85
estabelece a regra geral: são crimes de responsabilidade do presidente os atos
que atentem contra a Constituição. Essa é a regra geral. E acrescenta o artigo
85: “e especialmente contra” — seguem-se os itens de 1 a 7 ou 8, se não me
engano. E, no inciso sexto, está estabelecido que especialmente contra crimes
de responsabilidade. Os atos do presidente que atentem contra a Constituição e,
especialmente, contra a Lei Orçamentária. A Lei de Responsabilidade Fiscal é
uma lei que diz respeito ao orçamento. Você tem duas interpretações
possíveis. Então, você tem que procurar aquela interpretação que seja mais
condizente com a realidade social, com os valores fundamentais do sistema
jurídico e com os valores e princípios inscritos na própria Constituição. Bom,
a primeira regra: não pode perder o mandato se não estiver no exercício dele,
claro. Segundo: não pode responder por crime de responsabilidade por atos
estranhos ao exercício de suas funções. Então, vejam: por atos praticados na
vida privada, na vida social; que nada têm a ver com o exercício das funções da
Presidência. Esta questão foi muito bem examinada pelo professor Adilson
Dallari, que é irmão do professor Dalmo Dallari. O professor Dalmo Dallari tem
opinião divergente do professor Adilson.
A opinião do Adilson Dallari lhe parece melhor?
Sim.
Parece-me melhor, mais condizente com a realidade social. Então, continuemos
(aliás, as observações que faço também são na linha do entendimento do
professor Adilson Dallari). A Constituição exige que o ato sancionável, quer
dizer, o ato que deve ser punido, tenha sido praticado por ação ou omissão
culposa no exercício das funções de presidente. Na forma do artigo 14,
parágrafo 5º da Constituição, o mandato é de quatro anos. Mas o presidente, em
razão de uma emenda constitucional aprovada ainda no governo do presidente FHC,
em 1997, pode ser reeleito por mais um período subsequente. Ora, decorre daí (e
este raciocínio foi muito bem desenvolvido no parecer que o professor Adilson
Dallari emitiu) que o presidente estará no exercício de suas funções por oito
anos se reeleito. O presidente pode hoje ser reeleito por mais um período
subsequente. Este raciocínio foi muito bem desenvolvido no parecer que o
professor Adilson emitiu decorre daí, de que o presidente está no exercício de
suas funções por oito anos se reeleito.
Então...
Sim, é um
ato praticado no exercício das funções de presidente. O que a Constituição fala
é no exercício das funções próprias do presidente. Toda norma jurídica comporta
mais de uma interpretação possível. Cabe então ao intérprete, desde que seja
jurista, procurar realizar a melhor interpretação possível, aquela mais
condizente com a realidade social e os valores fundamentais do sistema
jurídico. Agora, coloco essa questão em mesa. Será que se torna impune, no
mandato subsequente, o presidente que comete o crime de responsabilidade no
mandato anterior? Isso atenta contra princípios constitucionais. E o que está
parecendo mais evidente. É o princípio constitucional da moralidade
administrativa escrito no artigo 37 da Constituição. Essa é a minha opinião e reconheço
que há opiniões contrárias de bons juristas, por exemplo, as do Dalmo Dallari.
O governo argumenta que as pedaladas também ocorreram em outros governos.
O que
está na lei não é isso. E essa Lei de Responsabilidade Fiscal veio
no momento em que as finanças dos estados-membros estavam arrasadas e os
governadores faziam isto: faltava dinheiro no caixa do Tesouro, eles avançavam
no caixa dos bancos estatais. Quebraram quase todos. O governo federal saneou e
privatizou alguns, como o Banespa. Um ou outro conseguiu se salvar. A Lei nº
1.079, de 1950, artigo 10, inciso 9º, com a alteração da Lei nº 1.028, de 2000:
é crime de responsabilidade contra a lei orçamentária ordenar ou autorizar em
desacordo com a lei a realização de operação de crédito com qualquer um dos
demais entes da Federação inclusive suas entidades da administração indireta
ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida
contraída anteriormente. O que a lei estabelece que isso é crime. O fato de o
governo pagar depois é a comprovação de que houve o crime. O fato de esse crime
ter isso praticado anteriormente e não ter sido punido não justifica. Não
descriminaliza o ato seguinte. Até posso dizer, com o devido respeito,
que este é um argumento até pueril: “Mas fulano fez e não foi punido”.
Mas dentro da lógica do governo o argumento é de que houve dois pesos e duas medidas.
O governo
devia então processar a autoridade que anteriormente não agiu e que tinha de
agir sob pena de praticar o crime de prevaricação. E depois é o seguinte, não
sei se vocês viram a entrevista do representante do MP perante o Tribunal de
Contas em que ele disse que o que houve foram pequenos créditos, que foram
obtidos e imediatamente saldados. Quer dizer, totalmente diferente de crédito
de R$ 100 bilhões, que parece que ainda não foram cobertos, e durante o ano
eleitoral, isso que agrava.
Eduardo Cunha, que está sob investigação e sofre processo de cassação, tem condições de presidir um processo dessa gravidade?
Bom,
precisamos distinguir. O presidente Eduardo Cunha está no exercício da
presidência da Câmara na forma estabelecida na Lei. Ele, portanto, tem o pleno
exercício das competências que a lei e a Constituição conferem ao presidente da
Câmara. O fato de ele estar sendo processado na própria Câmara é realmente algo
vergonhoso, até para a instituição. Porém, enquanto não se age contra ele,
enquanto não se tomam as providências cabíveis legais, ele tem todo direito de
estar exercendo as competências que a Constituição lhe confere, e parece até
que a questão está sendo bem-posta perante o Conselho de Ética.
Já viveu um momento tão crítico no país?
Vivemos
um momento gravíssimo, a economia derretendo, crise política, crise ética, essa
que é terrível. Altas autoridades sendo acusadas, investigadas, altas
personalidades do partido que estão no governo na cadeia, outras sendo
processadas, sendo investigadas, realmente essa é uma situação muito difícil.
O que acha da atuação do juiz Sérgio Moro?
Olha, o
juiz Sérgio Moro tem demonstrado muita independência, tem mostrado que é
possível examinar, estudar, processar e decidir, em tempo razoável, aqueles que
são levados à barra da Justiça. Então, o comportamento dele é elogiável.Sérgio
Moro está prestando um grande serviço à sociedade. Agora há outros juízes, na
Justiça federal, na Justiça estadual do mesmo nível, sem dúvidas de que há, mas
estamos agora nos referindo a ele, acho que ele merece todo aplauso da
sociedade brasileira. Estamos assistindo a um movimento muito interessante em
órgãos do Judiciário, do Ministério Público e da polícia. Estamos assistindo a
essas três instituições trabalharem harmonicamente, isso é muito importante,
isto quer dizer que demos um grande passo em termos de civilidade.
Por que isso não aconteceu antes no Brasil e por que isso não acontece em outros lugares?
Esta
Operação Lava-Jato está representando um marco, essas três instituições que
mencionei, de certa forma cansadas de serem responsabilizadas pela impunidade,
resolveram agir. Mais pragmatismo e menos doutrina.
Concorda com o tempo das prisões preventivas na Lava-Jato?
Acho que
sim, porque os tribunais têm mantido. Você acha que todos eles que estão presos
já não requereram advogados? Eles têm os melhores, grandes escritórios de
advocacia. Então, se os tribunais têm mantido, é sinal de que essas prisões têm
sido decretadas com motivo, com obediência e com observâncias dos pressupostos
estabelecidos em lei.
Esse
pragmatismo do MP e da PF ocorre em
um momento em que a impunidade
é mais forte?
Eles
estabeleceram um modo de colaboração, aí está o pragmatismo. Entre essas
instituições, o trabalho conjunto avançou mais. Eles estão tendo a
colaboração do Ministério Público de outros países, da Suíça, do MP
americano. Veja como passaram a agir. Cansados de serem responsabilizados pela
impunidade, estão sendo mais pragmáticos, estão procurando modos de realizar.
Prova que é elogiável.
Que paralelo faz do
Supremo da sua época e o
de agora?
Você
tinha realmente uma composição mais conservadora. Aliás, quando entrei,
encontrei uma composição mais conservadora, que foi, aos poucos, não deixando
de ser conservadora, mas se abrindo. E quero raciocinar estritamente em termos
jurídicos. Por exemplo, quando ingressei no Supremo, em 1990, o mandado de
injunção, que é uma garantia constitucional, não era reconhecido como tal. Com
o passar do tempo, o mandado de injunção foi adquirido às galas de garantia
constitucional. Hoje, ostenta essas galas. É nesse sentido que digo que a
composição conservadora foi se abrindo. Estou raciocinando estritamente em
termos jurídicos. E, em outras questões também. A composição do meu tempo
admitia a prisão antes do trânsito em julgado da sentença. Isso só foi alterado
em 2006. Aliás, fiquei vencido, porque sustento a tese, e sustentava em
companhia de Paulo Brossard, do Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira, Sydney
Sanches, Francisco Rezek, ministros do maior nível. Então sustentava essa tese,
sustento até hoje. Porque o que a Constituição consagra é uma presunção de
inocência, não é uma certeza. Então, veja, você está condenado no primeiro
grau, apela, o segundo grau confirma aquela sentença, daí pra frente, os
recursos são puramente jurídicos. Quer dizer, nem o STF nem o STJ vão apreciar
a justiça da decisão, porque não vão apreciar as provas, não vão apreciar os
fatos, somente a matéria jurídica. Essa presunção de inocência diante de duas
acusações, tendo uma de colegiado? Meu Deus, ela está pelo menos, na melhor das
hipóteses, fortemente abalada. E sem possibilidade de a Justiça dar a decisão
sem ser examinada. Vocês assistiram à conclusão do júri da chamada chacina de
Unaí, viram as queixas das viúvas? A dizer “Mas condenados? E parece que pela
segunda vez... E saem livres? Aguardando recursos e mais recursos?” Isso quer
dizer, aos olhos da sociedade, impunidade!
Por que o STF não mudou isso naquele período?
Então,
pergunto: será que o Supremo, durante quase 20 anos, estava decidindo errado?
Questão de interpretação. Uma composição que se fechava mais cedeu lugar a uma
composição mais aberta? Quem está certo?
Mas o país perde? A sociedade perde?
Vem
perdendo desde 2006. Eu acho que a sociedade reclama não é? E, tendo em vista a
morosidade da Justiça, muitos desses caem na prescrição, na prescrição chamada
retroativa, na prescrição da pena. Eu acho que o direito realmente deve ser
visualizado numa tríplice: fato, norma e essência, valor. Quer dizer,
sociologicamente, sob o ponto de vista do direito e tendo em vista os valores
que precisam ser preservados e garantidos.
Aumentar o tempo das prisões preventivas não funcionaria como uma punição de poderosos antes da condenação final?
É, quando
a prisão sem condenação representa uma punição sem condenação, sem dúvida
alguma. Agora, a lei estabelece os pressupostos de que, se ocorrentes, levam ao
decreto dessa prisão preventiva. O que é preciso compreender é que a Justiça
tem dois pratos. Em um dos pratos, estão os sagrados direitos individuais, os
sagrados direitos da pessoa humana. No outro prato, estão também os não menos
sagrados direitos da sociedade. O bom juiz é aquele que realiza esse
equilíbrio, esse é o bom juiz. Quando mencionei o episódio das viúvas do caso
de Unaí, logo vem a palavra “impunidade”. É o que a sociedade diz. Então, acho
que, a questão posta nos termos em que está posta, prisão apenas depois do
trânsito em julgado, viola o que a sociedade aspira, viola esse não menos
sagrado direito da sociedade.
Como mudar isso? Há uma forma de o STF rever essa questão? Esse debate voltou a pauta?
Esse
debate está na pauta porque a sociedade está aí a reclamar e aplaudindo, por
exemplo, quando ela percebe que tem juiz agindo com mais pragmatismo e menos
doutrina. Vou mencionar uma questão bem forte, uma questão que mostra que o STF
já evoluiu nessa matéria de trânsito em julgado, que foi no caso da Ficha
Limpa. O STF vinha decidindo pela inelegibilidade somente por condenação
passada e julgada, lembram? Veio a Ficha Limpa e estabeleceu condenação por
órgão colegiado de segundo grau. Portanto, o STF admitiu. Reformulou no
particular a sua jurisprudência.
O STF não pode agir de ofício?
Não, de
ofício não. A Justiça deve ser sempre provocada, com argumentos convincentes,
com argumentos sérios, pode sim. No caso, por exemplo, da Ficha Limpa foi
assim. Aliás, sempre sustentei que poderia. Estávamos assistindo a
absurdos.
Diante da realidade que
vivemos, somos o país da impunidade?
Veja. A
ministra Ellen Gracie, num voto que proferiu no STF — vou voltar ao problema do
trânsito em julgado, porque está gerando essa sua pergunta — disse que realizou
pesquisa: a exigência do trânsito em julgado para o cumprimento efetivo da
decisão, da sentença. É também uma jabuticaba. É a liberalidade à brasileira.
Nos Estados Unidos, um juiz de primeiro grau condenou, sai dali preso.
Há o que ser feito para mudar ?
É só ser
provocado em um habeas corpus, por exemplo...
Por que ninguém pede isso?
Deve ter
aos montes e está
engavetado. É preciso
uma provocação.
Voltando ao
impeachment: falar nisso não é “sacrificar as instituições no altar da
política”, como disse o ministro Barroso.
É
claro que o impeachment é algo que realmente abala. Sem dúvida nenhuma.
Agora, falar que é golpe é ignorar que é uma medida prevista na Constituição.
Agora, a Constituição formula, dá a solução. No parlamentarismo, nós estamos
assistindo ao primeiro-ministro da Romênia cair porque a boate pegou fogo e
matou 20 e tantas pessoas. Aqui, foram quase 300, não é? No parlamentarismo, o
primeiro-ministro grego, em julho, momento mais cruciante da economia, ele
convocou novas eleições. “Vamos ver se o povo acha que estou certo.” Porque o
cargo de presidente da República, o cargo de ministro do Estado, é emprego. O
povo colocou ali, um gabinete, o primeiro-ministro, o presidente da República
para governar, fazer feliz o povo, a população. Se não está correspondendo, meu
Deus.
Mas não vivemos em um parlamentarismo.
Mas no
presidencialismo a solução está na Constituição, que é o impeachment. É a
solução constitucional. Só para concluir. Essa preocupação, claro, ela existe,
sim, porque o impeachment, ele agita. Mas é a solução constitucional, quando
ocorrente, o pressuposto, quando ocorrente, o motivo. O primeiro impeachment
que houve no mundo, relativamente a um presidente da República, foi no Brasil,
do Collor. A pátria do impeachment é a Inglaterra e os Estados Unidos.
Originariamente, na Inglaterra, as famosas revoluções inglesas, Revolução
Puritana, Revolução Gloriosa. Mas lá não teve ainda impeachment, teve de muitos
juízes nos Estados Unidos, mas de presidente não concluíram. Teve no Brasil. O
Clinton quase que foi, criou aquela história de que não houve penetração... E
foi um grande presidente, a economia americana estava lá em cima. O Nixon
estava realizando uma grande administração de política externa. Foi ele que se
aproximou da China, fez aquela famosa viagem para Pequim. Porque mentiu, ele ia
ser submetido a impeachment. Renunciou para não ser. Comandante do maior
exército do mundo, maior marinha do mundo, maior aeronáutica do mundo.
Estão fazendo um grande “bicho” em cima do pedido de impeachment?
Ah, sim.
Eu raciocino nesses termos. Se existe motivo, cumpra-se o que está na
Constituição.
È contra o foro privilegiado?
O foro
privilegiado, como o nome já até está dito, foi a sociedade que apelidou,
porque o nome dele mesmo é foro por prerrogativa de função. A sociedade, então,
é que apelidou e pegou. É um privilégio para algumas autoridades.
Há quem
diga que, depois do mensalão, parte da sociedade pelo
menos começou a rever isso.
Pois é.
Precisávamos realizar, reformular isso do trânsito em julgado. O juiz natural é
o juiz de primeiro grau. É aquilo que é normal. Todos devem julgados por um
juiz. Por que uns vão ter um foro diferente? Sabe por que nós temos foro
privilegiado? Porque nós somos império. Isso é antirrepublicano, são resquícios
da monarquia em uma república. Os Estados Unidos, que nunca foram império,
sempre foram república, lá não existe isso, foro privilegiado.
O ministro Joaquim
Barbosa disse que o TSE não teria autoridade de tratar do presidente porque parte dos seus integrantes advogam durante o dia e à noite atuam como juízes. Concorda?
Bom,
primeiramente quero dizer que a sociedade brasileira ficou devendo ao Joaquim
Barbosa um grande serviço que ele prestou. Foi relator do mensalão, do processo
do mensalão, procedeu com muita competência, com muita seriedade, levou aquilo
para a frente. Então quero dizer que tenho pelo Joaquim Barbosa muito respeito
por isso. Mas, nessa afirmativa que ele fez, eu divirjo dele.
Por quê?
Porque,
afinal de contas, os representantes da advocacia que estão ali estão na forma
da Constituição. Foram escolhidos na forma da Constituição, escolhidos em lista
tríplice elaborada pelo Supremo Tribunal Federal. Eu fui corregedor-geral da
Justiça Eleitoral. Do TSE, fui presidente duas vezes e, pelo que eu pude
observar, os juízes do TSE oriundos da advocacia prestam excelente serviço à
Justiça Eleitoral.
Confia na segurança das urnas eletrônicas?
Eu
escrevi até um artigo numa revista do TSE sobre um pouco da urna eletrônica,
porque as urnas eletrônicas foram na minha gestão. Um rapaz novo, nas redes
sociais, disse “é fácil interferir e tal”. Eles partem do pressuposto de que a
urna eletrônica está on-line, mas não está, e não há possibilidade de um hacker
invadir. Agora, qualquer coisa que é feita pela mão humana pode ter erros.
Dizem, até os computadores da Nasa podem ser invadidos por hackers. Primeiro,
eles estão on-line, assim como os bancos, as empresas aéreas, mas a urna não
está on-line. A urnas são seguras. Na presidência do Carlos Ayres Britto, ele
colocou as urnas uma semana à disposição dos hackers. Eles não conseguiram. É
um absurdo que nessas redes sociais digam que Toffoli teria fraudado a urna.
Para ele fazer uma coisa dessa, precisaria ter corrompido, pelo menos, metade
da Justiça Eleitoral.
Defende a menoridade penal?
Sou
favorável a menoridade penal, pelo seguinte: essa maioridade penal em 18 anos
foi fixada na década de 40 com o Código Penal de 1940. De lá para cá, vem sendo
observada a Constituição de 1988, e então chegou a mencionar que ela só pode
ser quebrada por emenda constitucional. Por que sou favorável? Porque o jovem
da década de 1940 tinha infinitamente menos informação que o jovem do século
21, dos anos 2000. O jovem do século 21 tem computador, tem celular, TV
aberta,uma mídia moderna e atuante, que o jovem de 1940 não tinha. Então, é
razoável que em 1940, 1950, 1960 ou 1970 essa maioridade fosse de 18 anos.
Agora, em pleno século 21, com o jovem tendo todas as informações, como nós
sabemos, a delinquência nessa faixa de 16,17 tem sido intensa, homicídios sendo
praticados, figuras de arrastões com crimes contra o patrimônio, e esses jovens
sendo explorados por maiores de idade, verdadeiros criminosos. Eles são, então,
detidos, não têm responsabilidade penal, são inimputáveis, e eles estão livres.
Acho até uma hipocrisia. “Ah, mas a prisão resolve?" A prisão não resolve!
“Ah, então fecha todas as penitenciárias também!” Mas é o único meio que se tem
para punir, e a cadeia é reservada para os perigosos, na minha opinião. Então,
aqueles delinquentes de 17 ou 18 anos, perigosos, devem ir sim, para a cadeia,
devem sim ser apartados para que a sociedade, os homens de bem, vivam
mais tranquilos.
O senhor está aposentado desde 2006? Sente muita saudade?
Quando
deixei o Supremo, em janeiro de 2006, fará 10 anos daqui a dois meses, achei
que estava sendo degolado. Deixei com muito pesar. Queria continuar. Por quê?
Estava em pleno vigor físico e mental. Até hoje jogo tênis, pratico esporte.
Saí muito pesaroso e, nos primeiros meses, achava que tinha sido degolado. Seis
meses depois, se me chamassem, eu não queria mais voltar. Depois recomecei a
advogar a convite de meu filho. Até hoje, tenho uma atividade intensa aqui no
escritório na parte de pareceres.
Brasília ou Minas?
Fico com as duas! Vim para cá em dezembro
de 1977, com a esposa e os quatro filhos. Amo muito esta cidade, mas meu
coração fica dividido quando me perguntam se prefiro aqui ou BH. Sou de
Entre Rios de Minas, passei minha infância em Entre Rios e Abre Campo. Meu pai
era promotor. Em 46, foi aprovado no concurso de juiz, então voltamos para
Entre Rios e meu pai assumiu o juizado de Teófilo Otoni. Em 1950, fomos estudar
no Colégio Santo Antônio, em São João del-Rei, outra cidade que marcou a minha
vida. Meu primeiro discurso na vida foi feito para Tancredo Neves, em 1953, ele
era ministro da Justiça do Getúlio. Tancredo estudou no Colégio Santo Antônio,
tinha muita estima pelo colégio e fez uma visita oficial, como ministro. O
diretor me incumbiu de fazer o discurso. Tinha 17 anos. Então, falei com o
frei, diretor: “Não posso, não sei fazer”. Ele disse, pode e sabe. Senta, vai
escrever o discurso e ninguém vai te ajudar. Antes de cursar direito, fiz
filosofia. Fui aluno do professor Arthur Versiani Velloso. Era uma grande
expressão da filosofia. Fiquei embevecido com as aulas. Não concluí o
curso por causa dele. Um dia ele chegou e falou: “menino, vem cá, seu lugar é
lá, e apontou para a faculdade de direito. Achava que minha vocação era lá
mesmo e mudei de vida. Na segunda-feira, serei homenageado pela Harvard, pelo
Tribunal de Justiça do Rio e pela FGV pelos 40 anos de magistratura. Acho que
fiz a escolha certa.
No Serviço Militar, em BH
Com os irmãos: Waldir, Teresinha e Rosa
Com a mulher, Maria Ângela, e os filhos: Rita, Carlos e Ana
Dançando com a filha Rosinha, falecida em 2005
Lucas, um dos sete netos
Por: Ana Dubeux
» Denise Rothenburg » Leonardo Cavalcanti » Nívea Ribeiro – Correio Braziliense - Foto:
Blog/Google – Arquivo Pessoal