Cintya, Henrique e os filhos na Asa Sul: duas
gerações com o perfil tipicamente brasiliense
Segundo levantamento do IBGE, mais de 50% da
população do Distrito Federal nasceram na cidade. Segundo especialista, o
crescimento desse número era esperado, uma vez que Brasília amadureceue a
migração tende a diminuir
A geração Brasília cresce a cada ano. O cenário da
capital federal está bem diferente daquele que os pioneiros começaram a
consolidar. Na década de 1960, o primeiro Censo Oficial do Distrito Federal
contabilizou 140 mil habitantes na cidade. Quase a totalidade deles — 93,6% —
era de pessoas de outros lugares do Brasil que vieram em busca de prosperidade.
Sobretudo nordestinos, que somavam 58 mil. A região sonhada por Dom Bosco e
Lucio Costa, e construída por Juscelino Kubitschek, agora se aproxima dos 3 milhões
de moradores. Os nascidos aqui se tornaram maioria. Hoje, representam 50,3% da
população.
O dado inédito na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ontem, comprova a tendência de estudos da última década. Apesar do crescimento, os genuinamente candangos enfrentarão complicações no mercado de trabalho.
A capital federal despertou menos interesse migratório no último ano. Grande parte disso se deve à ascendência do desemprego, à dificuldade de se gerar postos de trabalho e ao alto custo de vida da capital federal. Flávio Gonçalves, diretor de estudos e políticas sociais da Companhia de Planejamento (Codeplan), analisou os dados a pedido do Correio. “O aumento da população nascida aqui era esperado. Quando uma cidade amadurece, cessa a migração. Mas se deve destacar que Brasília tem um alto custo de vida, e isso obriga quem procura uma vida melhor a se alojar no Entorno. O movimento que existe agora é de expansão familiar”, afirma o economista.
De fato, as famílias estão se ampliando na capital. A pesquisa revela que 66,6% das mulheres da cidade já engravidaram, sendo que 32,2% tiveram dois filhos. Mas a parcela feminina é duramente golpeada pelo mercado de trabalho, composta em maior parte por homens. Dos 70,58% da população pertencentes à classe economicamente ativa, 52,96% são do sexo masculino — sendo que a faixa etária de 30 a 39 anos expressa a tendência de manter dois empregos.
“Essa realidade parte do empregador, que em um momento de crise prefere demitir mulheres devido aos benefícios legais a que elas têm direito. Assim, a licença-maternidade, por exemplo, se torna fator relevante. O que as empresas querem é gente que possa trabalhar; em contrapartida, as famílias precisam manter os custos obrigando o chefe da casa a trabalhar dobrado”, explica Jorge Fernando Valente de Pinho, especialista em mercado de trabalho e professor do departamento de administração da Universidade de Brasília (UnB).
Jovens
A faixa etária que mais procura emprego no DF são os jovens. A parcela de 18 a 39 anos está disposta a ocupar as vagas disponíveis no mercado. “Os jovens são os que mais sofrem com o desemprego. As empresas apostam na experiência, na vivência e na capacidade a fim de ter um profissional que tenha habilidades para contornar a crise. É investimento no grupo de menor risco o que sairá a curto prazo vantajoso”, diz Jorge Fernando. Para o especialista, a estimativa é que a maré difícil se prolongue até 2017, o que puxará os salários para baixo e deixará a oportunidades mais escassas. “Vamos continuar em queda livre. Não há confiança da indústria, comércio e da sociedade. Estamos vivendo um processo endêmico.” Apesar da previsão, o ganho na média de salarial chegou a 9,5%, na comparação com a Pnad de 2013, alcançando R$ 3.345.
O economista Flávio Gonçalves, diretor de estudos e políticas sociais da Companhia de Planejamento (Codeplan), explica que Brasília é sustentada pelo funcionalismo público, e que a economia é baseada em serviços e consumo. Isso, segundo o especialista, pressiona os salários para cima. “Acredito que a migração vá reduzir, mas é preciso analisar os custos sociais disso. A cidade ainda atrai imigrantes com alta escolaridade, por exemplo. Contudo, as pessoas que moram aqui vão querer ficar aqui”, avalia.
Acima da média
A população do Distrito Federal cresce a uma velocidade que a coloca Brasília como o quarto município mais populoso do Brasil, com 2,863 milhões de habitantes, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre as capitais, a cidade teve a segunda maior taxa de crescimento entre 2013 e 2014: 2,25%. Quando se analisa a área metropolitana, a Região Integrada de Desenvolvimento Econômico do DF (Ride) ocupa o quinto lugar entre as mais populosas do país. Os 4.118.154 habitantes representam 2,03% do total. Em destaque na pesquisa, o DF ultrapassou municípios como Belo Horizonte e Fortaleza e se aproxima cada vez mais do terceiro colocado, Salvador.
Famílias de raiz candanga
A família da estudante
de pedagogia Cintya Cavalcante, 34 anos, veio de Minas Gerais para arriscar o
sonho do progresso financeiro: estão na segunda geração de brasilienses
genuínos. O estado é a unidade da Federação que mais envia pessoas ao DF até os
dias de hoje (veja Radiografia). A aventura bem-sucedida rendeu dois filhos ao
casal mineiro. Cintya é integrante da realidade mostrada no levantamento do
IBGE, de jovens que não trabalham, estudam mais e constituem família.
“Para mim, morar em Brasília
significa segurança e tranquilidade. O melhor lugar para constituir família é
aqui. Optei por não trabalhar enquanto meus filhos não alcançassem, pelo menos,
4 anos. Hoje, as coisas estão difíceis”, conta a moradora da 404 Sul.
Cintya e o marido, o advogado Henrique Cavalcante, 33, nadam contra a maré. O casal
prefere manter-se distante do funcionalismo público — que emprega 19,7% dos
brasilienses — e apostar na iniciativa privada. “Esse planejamento pode ser
mudado com o passar do tempo, mas a priori queremos ficar na iniciativa
privada”, diz, ao contar que cogitou a possibilidade de mudar-se para
Pernambuco a fim de explorar o mercado de trabalho nordestino.
Rodrigo Fernandes, 34 anos, preferiu seguir na administração pública.
Ele se casou com Helen Dominique, 31, e hoje eles moram em Águas Claras. Os dois
nasceram em Brasília, assim como a filha, Sophia, de 5 anos. Ela foi fruto de
um namoro tipicamente brasiliense. Entre shoppings, bares e passeios no Parque
da Cidade, 10 anos de namoro se passaram, desde o primeiro encontro, em
Taguatinga, até o casamento. “Acho que Brasília é um bom lugar para criar os
filhos”, conta a dona de casa Helen.
Por: Otávio Augusto – Correio
Braziliense – Foto: Antonio Cunha/CB/D.A.Press