Acho que estava na faculdade quando compreendi
verdadeiramente o significado da palavra pilotis. Até ali, o espaço entre piso
e teto era apenas “debaixo do bloco”. Um lugar seguro, acolhedor, que moldou a
infância candanga. O recurso arquitetônico usado por Lucio Costa para manter as
passagens das superquadras livres transformou-se num ambiente de convivência
importantíssimo, que lubrifica minhas lembranças. Torna-as fluidas e macias,
boas de sentir.
Embaixo
do bloco, havia a proteção de seu Oswaldo e dona Santinha. Ele era nosso
porteiro e morava no apartamento do pilotis – não era maravilhoso isso?
Davam-nos água, bolo e carinho, e alertavam nossos pais sobre os excessos.
Hoje, os porteiros são terceirizados e mudam com tanta frequência que mal
conseguimos guardar o nome.
As
pilastras eram os anteparos dos casais que se formavam. Atrás delas, os beijos
apaixonados e os sarros escondidos. Também eram o porto seguro das brincadeiras
de pique. Nas portarias, fazíamos nossas festinhas – na época dos meus pais,
chamavam-se tertúlias. A trilha de músicas lentas, para o momento da dança de
rosto colado, incluía Careless Whisper, de George Michael, e Knife, com Leonel
Richie, clássicos da época. As portarias também serviam aos desfiles, às
coreografias e à montagem das casinhas para as bonecas, com panelinhas, fogões,
quartinhos e tudo o que tínhamos direito.
Os
pilotis eram a proteção contra a chuva e contra os bate-bolas, que chegavam sem
aviso com as bolas de meia, areia e vidro, para barbarizar. Sentávamos ali para
comermos o quebra-queixo, que sempre passava. Para olharmos ao longe os
primeiros meninos a transitarem com suas mobiletes. Para nossos concursos de
bambolê. Para fazermos uma roda e brincarmos de verdade ou consequência; também
de salada mista. Para a troca de segredos e os pedidos de namoro. Para pular
corda, jogar cinco-marias e brincar de elástico. Para calçar os patins, de
rodinha, de tênis, de bota… a depender da conta bancária dos pais. Poderia
fazer uma lista gigante do que fazíamos ali.
Tantas modinhas, a
maioria tão simples. Bastava a turma se reunir para ter o que fazer.
Precisávamos de tão pouco. E uma das razões disso era a imensa liberdade de
viver uma quadra-parque, ainda que em construção, com livre trânsito de um
bloco a outro. Uma experiência arquitetônica que se transformou numa vivência
afetiva de grandes turmas, que ainda hoje se reúnem para relembrar os tempos de
infância e adolescência. Esta memória, devemos a Lucio Costa, o padroeiro da
qualidade de vida brasiliense.
Por:
Cristine Gentil – Fonte: Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog -
Google
Mas que coisa boa, constatar que o objetivo do Dr. Lucio quando pensou no morador da cidade nova foi tão bem sucedido! Adorei a expressão "padroeiro da qualidade de vida brasiliense"...
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