Figuras ilustres do gênero ajudaram a criar uma identidade própria na
cidade, além de serem referências às novas gerações
A história do samba em Brasília começa antes mesmo
da inauguração da nova capital, com o desfile de blocos, formados por policiais
da GEB, na Cidade Livre. Logo depois, servidores públicos, que vieram para cá
transferidos do Rio de Janeiro, fundaram as primeiras escolas de samba, entre
elas, a Alvorada em Ritmo e a Brasil Moreno.
Pioneiras,
elas foram antecessoras das duas agremiações que vieram se tornar as mais
famosas, a Associação Recreativa Unidos dos Cruzeiro (Aruc) e a Acadêmicos da
Asa Norte. As duas tiveram entre os seus integrantes compositores ancestrais,
como Edinho da Magali, Miro Brasília, Manoel Brigadeiro e Julinho do Samba, e
os cantores Nilton de Oliveira (o Sabino) e José Lourenço.
Na década
de 1970, o ponto de encontro dos apreciadores do mais brasileiro dos gêneros
musicais passou a ser o Casarão do Samba, que funcionou por quase uma década
onde hoje existe o Museu de Arte de Brasília. Lá, José Lourenço era uma espécie
de anfitrião de artistas que vinham fazer show na cidade — de Roberto Ribeiro a
Alcione.
Em
seguida, houve o surgimento de incontáveis casas noturnas que passaram a ter o
samba como principal atração, entre elas a Camisa Listrada, cujo mérito
maior foi apresentar aos brasilienses um certo Carlos Elias. Mas a veterana
Aruc, fundada em 1962, é que se manteve como símbolo de resistência
cultural.
Ao longo
dos anos, além de tornar-se a campeoníssima do carnaval candango, a escola
recebeu em sua sede, no Cruzeiro Velho, para shows memoráveis, os nomes mais
representativos do samba: do mangueirense Cartola à Velha Guarda da Portela, do
grande Paulinho da Viola à “madrinha” Beth Carvalho, passando por João
Nogueira, Zeca Pagodinho, entre outros bambas.
Carlos
Elias, que sempre defendeu as cores azul e branco da Aruc, transformou-se num
ícone da música em Brasília. Ao lado dele, Daniel Jr., Dilson Marimba, Sérgio
Magalhães, Cássia Portugal e Sandra Borges são alguns dos representantes da
tradição do samba na capital, e são reverenciados por novos cantores e
compositores, que os veem como referência e inspiração.
Carlos Elias
Mineiro de Laranjal, Carlos Elias
(foto ao lado), ainda criança, foi para o Rio de Janeiro com a família. Na
juventude, se aproximou da Portela, da qual fez parte da ala de compositores,
tendo inclusive emplacado um samba-enredo, Rugendas — Viagem pitoresca através
do Brasil (composto em parceria com Zé Kéti e Marques Balbino), que levou a
escola de Madureira ao título de campeã do carnaval de 1962. Servidor do
Ministério das Relações Exteriores, o sambista veio para Brasília em 1975.
Aqui, criou o Clube do Samba (que está sendo reativado), a Feira de Música,
participou de festivais e foi homenageado com o documentário Estou de bem com a
vida, de Leandro Borges da Silveira. “Eu me orgulho de ter sido gravado por
Paulinho da Viola e Beth Carvalho (o samba Carnaval), Nara Leão (a bossa Canção
da primavera) e por cantores e grupos de Brasília, como o Adora Roda”, diz o
compositor de 82 anos.
Daniel Jr.
O cantor, compositor e
multi-instrumentista tem uma história curiosa relacionada com Brasília. Em
1978, ao se apresentar na cidade, acompanhando Dona Ivone Lara e Roberto
Ribeiro, em show pelo Projeto Pixinguinha, decidiu deixar o Rio de Janeiro
(onde nasceu, no bairro de Madureira) e se fixar por aqui, onde vive há 37
anos. Nome de destaque na noite brasiliense, foi sócio do Otello (na 107 Norte,
onde hoje funciona o Beirute), bar que se tornou point de músicos, políticos e
boêmios, de 1987 a 1992. “Lá recebi de Darcy Ribeiro a Nelson Sargento, e a
deputada Jandira Feghalli tocou bateria algumas vezes”, lembra Daniel. O
músico, que atualmente se apresenta na Hosteria dei Sapori (212 Sul), também
venceu festival, foi gravado por sambistas e é requisitadíssimo para tocar em
festas particulares. No momento, o pianista José Cabrera produz um CD
intitulado Minha música, minha vida, meus amigos, que reúne composições de
Daniel Jr.
Dilson Marimba
Embora seja um dos mais férteis
compositores de samba na cena brasiliense, Dilson Marimba é pouco conhecido do
público que frequenta casas noturnas e teatros da capital, onde vive desde
1975. Aos 69 anos, esse carioca, servidor público aposentado, um dos fundadores
da Capela Imperial (Taguatinga), é autor da maioria dos sambas-enredos da Aruc
desde a década de 1980. “Tenho feito sambas-enredo, também, para escolas do Rio
de Janeiro, entre as quais Beija-Flor de Nilópolis, Salgueiro e Viradouro. Para
o carnaval de 2016, assino com parceiros o samba-enredo da Acadêmicos de Tuiti”,
conta.
Sérgio Magalhães
Nascido em Duque de Caxias, na
Baixada Fluminense, o mestre de obras Sérgio Magalhães é considerado o
intelectual do samba em Brasília, cidade que o acolheu em 1993. O samba entrou
na vida dele ainda em sua cidade natal, quando passou a integrar o grupo Bar de
Esquina. Ao participar do festival Canta Cidade Livre, em 1995, no Núcleo
Bandeirante, já havia composto alguns sambas. Logo depois foi estudar na Escola
de Música, onde teve como professora de canto Maria de Barros, ex-Invoquei o
Vocal. Com Cris Pereira, Guto Martins, Henrique Nepomuceno, idealizou a
Plataforma do Samba, a grande roda de samba que há 12 anos comemora na Estação
Rodoviária o Dia Nacional do Samba. O sambista de 52 anos, que tem músicas
gravadas por vários cantores brasilienses, está na fase de pré-produção do seu
primeiro CD.
Cássia Portugal
Embora seja carioca de Vila
Isabel, só em Brasília, onde chegou há quatro décadas, é que a cantora e
compositora, de 57 anos se descobriu sambista. Mesmo no início da carreira,
como intérprete de MPB, privilegiava o samba no repertório dos shows em casas
noturnas. Em 2002 trocou tudo pelo gênero brasileiríssimo e se fez mais
conhecida na cidade, a partir do projeto Na levada do samba, que retomou no
último sábado, no Feitiço Mineiro. “A faceta de compositora eu expus
recentemente no CD Minha história, que traz 12 sambas de minha autoria, sendo
alguns feitos em parceria com Daniel Jr. Flávio Oliveira, Helena Fregonesi,
Helena Pinheiro, Marco e Rebeca Abdo”, explica Cássia Portugal, de 57 anos.
Sandra
Borges
Ritmos nordestinos poderiam ter influenciado a
cantora, compositora e violonista quando ela iniciou a trajetória musical, em
Campina Grande (PB), ainda na adolescência. Ela, porém, optou pelo samba,
levada pela admiração por mestres do gênero. Ao chegar em Brasília, há 16 anos,
passou a se apresentar em casas noturnas ao lado da irmã, Mônica. Em 1999 as
duas formaram com outras instrumentistas o grupo Toque de Salto que, desde
então, mantém-se em atividade. “Temos trabalhado bastante e finalmente estamos
preparando nosso primeiro CD. As gravações já tiveram início e, entre as 10
músicas do repertório há duas de minha autoria, Delírios do samba e Vou me
esbaldar”, anuncia Sandra, que é também professora de musicalização em escolas
para crianças.
Referência para novos sambistas
Breno Alves, Amilcar Paré, Cris Pereira e Ana Reis são jovens sambistas que têm bebido na fonte de representantes da tradição do samba em Brasília. Eles veem como expressivo o legado de Carlos Elias, Daniel Jr. e Sérgio Magalhães, Dilson Marimba, Cássia Portugal e Sandra Borges, tidos como exemplos serem seguidos.
Referência para novos sambistas
Breno Alves, Amilcar Paré, Cris Pereira e Ana Reis são jovens sambistas que têm bebido na fonte de representantes da tradição do samba em Brasília. Eles veem como expressivo o legado de Carlos Elias, Daniel Jr. e Sérgio Magalhães, Dilson Marimba, Cássia Portugal e Sandra Borges, tidos como exemplos serem seguidos.
Para Breno, vocalista e pandeirista do Adora Roda, a contribuição de Carlos Elias à carreira dele foi muito importante, inclusive por ter apresentado a ele mestres do samba, tanto em Brasília quanto no Rio de Janeiro. “Em 2012, acompanhei-o num show na sede do Cordão do Bola Preta. Lá, vi o respeito que bambas como Monarco, Noca da Portela, Wanderley Monteiro e Beth Carvalho têm por ele. Quem produziu o show foi o Carlos Monte, pai de Marisa Monte.”
Vocalista e violonista do Filhos de Dona Maria, Amilcar Paré era pré-adolescente quando conheceu Daniel Jr. “Meu pai era cantor e o Daniel chegou a acompanhá-lo. Mesmo ligado ao samba, ele tê uma formação bossa-novista e isso fica claro nos acordes que cria. Ouvindo-o, pude amolar minha percepção do campo harmônico”, destaca.
Quisera eu e Guardião são sambas de Sérgio Magalhães — a segunda, em parceria com Clodo Fereira — gravada pela cantora Ana Reis em seu disco de estreia. “Desde a primeira vez que ouvi o Sérgio, numa reunião de músicos na casa da Cris Pereira, que passei a admirar por suas belas composições e por sua militância em defesa da cultura popular brasileira.”
Cris Pereira tem Carlos Elias e Sérgio Magalhães como referências. “Os dois influenciaram de forma concreta o meu trabalho. O Carlos Elias vem da tradição do samba, da ala de compositores da Portela. De escola diferente, o Sérgio, além de compositor virtuoso, sempre a exaltar a nobreza do samba, tem uma história de vida ligada a valores ligados à cultura afro-brasileira.”
Por: Irlam Rocha
Lima – Fotos: Ana Rayssa-Esp/CB/D.A.Press- Zuleika de
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