A economia não espera para fazer os
próprios ajustes. Enquanto o governo se enrola cada vez mais no conturbado
ambiente político — ainda mais paralisado com as disputas pela eventual
abertura do processo de impeachment da presidente Dilma — o lado mais perverso
da recessão das atividades econômicas avança.
Ontem, a
Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Bicicletas e Similares
(Abraciclo) informou que o recuo na produção de motocicletas acelerou em
novembro, quando houve queda de 28,2% em relação a outubro. No acumulado do
ano, a produção retraiu 15% na comparação com os 11 primeiros meses de 2014.
Motocicletas
no Brasil não são produto qualquer. Nos últimos anos, ajudadas por isenções
ficais e por facilidade de acesso ao crédito, elas se tornaram alternativa de
transporte urbano para alguns milhões de brasileiros de média e baixa renda,
bem como instrumento de trabalho para multidão que inunda as ruas das grandes
cidades do país. Foi assim que o Brasil chegou ao posto de segundo maior
produtor de motocicletas de baixa e média cilindradas do mundo, que vem
perdendo rapidamente desde o ano passado.
Não foram
suficientes os avisos do próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e de
inúmeros especialistas de que a solução para o imbróglio fiscal é a ponte de
passagem para a outra margem do rio. Aquela em que se promove a retomada da
produção, da geração do emprego e da renda das pessoas.
Bem antes
de se agravar o quadro político, o programa de ajuste fiscal sofreu toda sorte
de críticas e protelações por parte da base aliada do governo no Congresso e,
principalmente, de boa parte do partido da presidente da República. O resultado
é que a severidade do ajuste proposto por Levy foi ferida ao longo da
tramitação no parlamento, sem contar que o ano está no fim e, até agora, nem
tudo foi votado.
Essa
paralisia e a incapacidade política de cortar mais profundamente os gastos
públicos culminaram na oficialização de mais um fracasso fiscal, com a
aprovação pelo Congresso Nacional de alteração na Lei Orçamentária de 2015,
autorizando a presidente a trocar o prometido superavit primário de R$ 55
bilhões por inédito deficit de R$ 120 bilhões.
A marcha
dos fatos derrubou a credibilidade do Brasil no mercado internacional,
contaminou o ambiente de negócios e desencorajou investimentos. Sem perspectiva
de melhora da situação, o empresário não se anima a contrair dívidas, fazer
estoques e manter empregados. As vendas, que andavam fracas, despencam; o
crédito fica mais caro e seletivo; e o desemprego acelera.
A
emblemática queda na produção de motocicletas revela que, mais depressa do que
se supunha e mais fundo do que se temia, a recessão vem afetando as camadas
mais pobres da população. O desemprego medido pelo IBGE bateu nos 8,7% e
continua crescendo.
Com menos
gente recebendo salários e com a inflação reduzindo o poder de compra de quem
ainda está empregado, a recessão chegou à construção e ao comércio, grandes
empregadores de mão de obra. Pesquisa da Serasa Experian revelou que nem a
megaliquidação Black Friday impediu que o comércio vendesse em novembro menos
do que no ano passado. Ou seja, cresceu o número de brasileiros obrigados a
fazer o seu próprio ajuste. O que não se mediu ainda foi o custo político de
tamanho desarranjo.
Fonte: “Visão” do Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google