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Almir Pazzianotto Pinto: Lula, sexta-feira, 19/5/1978

Sexta-feira, 19/5/1978. Jornal da Tarde: “Justiça do Trabalho decide: a greve é ilegal. Cerca de 25 mil trabalhadores estão parados, e outros 20 mil esperam as decisões de hoje”. A preocupante notícia — estávamos sob o regime militar — vinha estampada na página 12 do Jornal da Tarde. Ilustrada por fotografias de circunspectos juízes do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, e da numerosa assistência, a reportagem relatava o julgamento mais esperado daqueles dias: o TRT decidiria o destino da primeira greve deflagrada contra o arrocho salarial, após 1964.

A poderosa indústria automobilística do ABC encontrava-se imobilizada por determinação do Sindicato dos Metalúrgicos, comandado por jovem e quase desconhecido dirigente, Luís Inácio da Silva, pernambucano de Garanhuns. Desafiavam-se a Fiesp, o Dops, os militares, e velhos pelegos viciados em conchavos com os empresários e o Ministério do Trabalho. A decisão foi arrasadora. “Dos 16 juízes que constituíram o tribunal, apenas o juiz classista Marcelino Marques votou a favor da legalidade do movimento”, dizia a reportagem.

Presente à sessão, o jornalista Marco Antonio Rocha, em box que recebeu o título “Respeito senhores: isto é democracia”, escreveu: “Vamos iniciar este comentário tentando retificar uma intimidade equivocada. Chamaremos o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo de senhor Luís Inácio da Silva. Esta não é apenas uma formalidade sintática; é fruto do respeito de que este cidadão se torna credor”.

A fragorosa derrota resultou no ponto de partida da carreira política do metalúrgico que se tornaria conhecido como Lula, “o cara”, na opinião de Barack Obama, presidente da maior democracia do mundo. A trajetória de Lula não cabe dentro de homeopático artigo. Quem desejar conhecê-la deve consultar o vol. III do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930 (págs. 3.330/3.336). O verbete descreve, de maneira equilibrada, a ascensão do fundador do Partido dos Trabalhadores, da Central Única dos Trabalhadores, do líder que muitos compararam a Getúlio Vargas no plano das conquistas sociais. Poderia ser considerado, segundo as palavras de Marco Antonio Rocha, “a única liderança política surgida no Brasil, após a revolução (de 1964)”.

Derrotado por Franco Montoro em 1982, deputado constituinte em 1986, batido por Fernando Collor em 1989, por Fernando Henrique em 1994 e 1998, Lula ressurge do ostracismo em São Bernardo, em 2002, para impor severa derrota ao senador José Serra, reelegendo-se em 2006, quando suplantou Geraldo Alckmin. Para eliminar dúvidas acerca da liderança popular, elege a improvável Dilma Rousseff em 2010, e a reconduz à presidência em 2014.

Aqui se deu a temível vitória de Pirro. Acossados por intermináveis denúncias de corrupção, Lula, Dilma e o PT, em 2015, viram escorrer pelo ralo a imagem de partido acima de suspeitas, guardião da moralidade pública. As primeiras fissuras surgiram com os assassinatos, aparentemente mal solucionados, dos prefeitos Toninho do PT, em 2001, e Celso Daniel, em 2002. Em 2005, o escândalo dos Correios. Um ano depois o mensalão;logo em seguida, a Lava-Jato, e a Zelotes. Em poucos meses, ministros, deputados e dirigentes do partido, da intimidade de Lula, viram-se processados e condenados a longas penas de reclusão. Com eles, foram recolhidos empresários e diretores da Petrobras. Nesse instante, as acusações se concentram em familiares do ex-presidente e, nas últimas semanas, Delcídio Amaral, líder no Senado, foi preso por tramar a fuga de um dos réus.

Já há algum tempo, fundadores do PT, companheiros de Lula desde 1980, deixam o partido para vir a público revelar decepções. Partiu do jornalista, escritor e participante da luta armada Flávio Tavares essa dolorosa acusação: “Nosso gesto foi generoso. Nada queríamos para nós próprios. Nem o poder. Não nos escondemos debaixo da cama e, só por isso, já valeu a pena. Muitos não sobreviveram, e é terrível isso. Mas, pelo menos, não sofreram vendo essa mixórdia sórdida do PT que, em nome da revolução social, assimilou o pior da direita populista e demagógica, com a tradição corrupta do ademarismo e do malufismo (O Estado, 6/11/2005). De líder popular aclamado, ao opróbrio a distância, às vezes, se faz pequena. Logo, muita cautela é pouca, para não escorregar.


Por:Almir Pazzianotto Pinto - Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST – Foto/Ilustração: Blog – Google – Fonte: Correio Braziliense 

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