A cineasta Tânia Fontenele, autora de Poeira &
batom, organizou o reencontro: "Oportunidadde"
Dez das 45 pioneiras que participam de livro e
filme lançados em 2010 se reuniram para relembrar histórias da fundação da nova
capital federal. Sobraram emoção, nostalgia e alegria
A cada fim de ano, sobram encontros
emocionantes. São reuniões de famílias e de amigos recheadas de histórias e
risadas. Não é diferente na casa da cineasta Tânia Fontenele, 53 anos, que
planejou o livro e o filme Poeira & batom, lançados em 2010 com relatos de
45 pioneiras de Brasília. Ontem, 10 dessas mulheres — enfermeiras, professoras,
lavadeiras, funcionárias públicas, entre outras — fizeram uma confraternização.
Algumas com dificuldades de locomoção, e outras, mesmo com 80 anos, mostraram
muita disposição e alegria.
A inspiração para o filme surgiu após
Tânia perceber que faltava visibilidade para as mulheres que ajudaram na
construção da capital federal. “É um projeto que não tem fim e está em
ampliação. Vamos fazer outro filme, e o tema vai virar a minha tese de
doutorado”, contou Tânia.
Em meio a lembranças intensas e fotos
antigas, que relembraram a juventude de todas as senhoras tão importantes para
a cidade, Tânia se emocionou. “Acabei encontrando mulheres extraordinárias,
muito corajosas. Todas falam que tinha muita poeira, poeira, poeira. Também
faltava água, luz; não tinham parentes, ninguém. Foi uma vida muito dura. O
filme foi uma forma de dar visibilidade, de dar oportunidade e de saber a
história delas”, explicou. Confira abaixo as vivências de três delas.
Gerda Gumprich, 83 anos
Com os olhos azuis brilhantes, a alemã
Gerda Gumprich chegou à capital ao lado do marido. Era 1957. Ele, funcionário
do Banco do Brasil, encarou o desafio de trabalhar na cidade em construção. De
Silésia, província da Alemanha, ela havia desembarcado no Rio de Janeiro aos 25
anos, após perder o pai durante a guerra e, meses depois, a mãe, por doença.
Veio ao Brasil a convite de uma amiga. No Rio, casou-se e teve três filhos. Em
Brasília, o casal morou em um barraco onde ficava o material para a construção
do banco.
“Só tinha poeira, mas era uma cidade
muito bonita. Conheci o meu marido, ele era divorciado, e procuramos um lugar
pra viver juntos. Na época, o meu futuro sogro ligou para o meu marido e falou:
‘Olha ali no jornal, vai ser construída a capital do Brasil, e o Banco do
Brasil tá procurando gente pra ir pra lá’. Ele falou comigo, e eu disse: ‘Topo
tudo’. Até hoje, eu topo tudo. Eu sempre fui ‘marida’, não trabalhava, não
tinha no que trabalhar. Morávamos nesse barraco e eram poucas as mulheres que
trabalhavam. Eu nunca trabalhei fora e tive três filhos. Moramos na Cidade
Livre. Na estrada para Goiânia, em Anápolis, tínhamos uma chácara e construímos
uma casa. Criei os meus filhos lá. Hoje, eu moro na 714 Sul, com a minha filha
mais velha. Sou viúva, o meu marido faleceu em 2002. Tenho três filhos e quatro
netos. Eu adoro Brasília, não troco por nada, nunca mais saí daqui, só para
passear.”
Hilda Ribeiro da Silva, 79 anos
A piauiense Hilda Ribeiro da Silva não
perde o bom humor nem por causa da cadeira de rodas. Aliás, sobram histórias
para contar de quem chegou a Brasília em 1959. Inscreveu-se no Hospital de Base
do DF como atendente assim que a unidade de saúde iniciou as atividades. Morava
no Rio de Janeiro, mas o irmão a trouxe para Brasília quando ela tinha 29 anos.
“Quando vim pra cá, fui morar no Núcleo
Bandeirante, em um alojamento que só tinha homens. A minha vida profissional,
de educação e cultura foi formada em Brasília. Fiz a especialidade em
obstetrícia na UnB, estudei na escola técnica de enfermagem, mas não tive
condições de prosseguir com os estudos. Tenho filho, três netos, moro no Guará
2. O meu marido é espanhol, temos 42 anos de casados. Eu fiquei surpresa com
essa novidade de sair em um livro, nunca imaginei isso na minha vida. Sempre
fui uma pessoa muito espontânea, trabalhei numa área em que eu via gente de
todo jeito, rico, pobre, amarelo, preto, branco. Eu faço parte da Associação
dos Pioneiros de Brasília. Depois do livro, eu me realizei, é uma honra demais,
conheci várias pessoas. Eu tive muitas dificuldades na chegada à capital. Não
teve um que chegou aqui em berço de ouro. Todos vieram do barro vermelho de
Brasília. Aqui era um mato, um cerrado, mas era melhor do que hoje. Você
ganhava pouco, e o dinheiro dava para você se alimentar bem.”
Cleusa de Oliveira Menezes Senna, 75
anos
A primeira locutora comercial de
Brasília saiu do interior de Goiás com 17 anos, para acompanhar o marido,
funcionário público. Era 1957. O marido não se contentava com uma função só e
logo comprou um alto-falante; depois, fundou uma Rádio Comunitária, no Núcleo
Bandeirante, A Voz de Brasília. Ela participou de tudo. Hoje, aposentada, ainda
tem muito vigor e vontade.
“A cidade era, realmente, um desafio.
No início, não havia nada, nem moradia. As que tinha eram barracões enormes,
com sala, cozinha, quarto, tudo junto, e os banheiros lá embaixo. Então, tinha
poeira em excesso. Havia poucas mulheres. A maioria era de homem, que vinham
tentar a vida. Construímos um estúdio de rádio, e eu fazia a locução pela
manhã. Tínhamos anúncios, músicas. Foi um serviço muito útil para a cidade.
Colaboramos com as empreiteiras, colocávamos anúncios solicitando operários.
Moro há 57 anos no mesmo local, na 711 Sul, hoje com a minha filha e o meu
neto. Sou viúva há 21 anos. Além de radialista, trabalhei com eventos e me
aposentei como funcionária pública, há 12 anos. Sempre se fala dos homens
pioneiros. Eu não concordo que atrás de um grande homem tem uma grande mulher e,
sim, junto. Naquela época, era fantástico: o objetivo de todos era construir a
capital; não tinha roubo, violência.”
Fonte: Caroline Pompeu – Especial para
o Correio Braziliense – Fotos: Carlos Vieira/CB/D.A.Press