Andre Rehbein Athler Guimarães passou a usar o sobrenome da mulher
Há mais de uma década, o Código Civil permite que o homem acrescente o
sobrenome da mulher após o casamento. Mas apenas seis em cada 100 noivos
brasilienses optam pela mudança de nome
O casamento entre duas pessoas significa o nascimento de uma nova
família. Para o professor André Sathler Guimarães, 42 anos, alguns símbolos
reforçam a união. Por isso, resolveu agregar ao seu nome o sobrenome da
mulher . Ele se casou em outubro de 2015 e se tornou André Rehbein Sathler
Guimarães. “Queríamos criar um nome de família, que chegasse aos nossos
filhos”. Além da questão da personalidade, André acredita que a mudança é um
avanço na igualdade de gênero. “Esse é o meu segundo casamento. No primeiro,
não era possível acrescentar o sobrenome da mulher. Não tinha essa troca, só
podia a mulher colocar o nome do homem”, comenta.
Embora permitido pelo Código Civil brasileiro há
mais de uma década, o fato de um homem colocar o sobrenome da mulher não é
considerado algo natural na cultura brasileira. A norma não conseguiu alterar o
costume. “Foi uma lei que não pegou”, afirma Rodrigo da Cunha Pereira,
presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). No Distrito
Federal, segundo dados da Associação dos Notários e Registradores (Anoreg), de
cada 100 casamentos, em apenas seis os maridos alteram o nome, e a tendência é
de pouca adesão à prática. Em outros estados como São Paulo, o índice é mais
alto — 25% dos homens inserem o sobrenome feminino. Não há dados nacionais
porque nem todos os cartórios brasileiros fazem esse recorte estatístico.
“A adesão
dos homens é quase zero e tem crescido muito pouco nos últimos anos no DF. A
sociedade brasileira é muito patriarcal e isso influencia. Fora a questão de
ter que trocar todos os documentos, pois os homens não têm muita paciência”, declara
Paulo Henrique de Araújo, diretor de registro civil da Anoreg no DF.
A pouca
naturalidade da ação gera comportamentos diversos — desde as pessoas que acham
a atitude interessante até os que consideram pitoresco. Para André, as reações
foram positivas. “No nosso caso, descobrimos que os dois sobrenomes têm origem
na Alemanha e que essas famílias conviveram no passado”, afirma. Além disso,
André pretende assinar artigos acadêmicos com a mulher.
A prática
incomum gera falta de unidade, até entre os cartórios, o próprio André teve
dificuldades. Segundo ele, o tabelião informou que ele poderia acrescentar o
nome da mulher dele apenas no fim do nome de registro de nascimento. “Nós
questionamos e ele me disse que ia depender do Ministério Público. Depois de
muita conversa, colocamos como queríamos”. Há unidades que não se importam com
a ordem dos nomes e só permitem o acréscimo no fim. Como também há aquelas que
não se importam com a sequência. “A lei fala que qualquer um dos nubentes,
querendo, pode acrescentar o sobrenome do outro. Assim, as regras de composição
do nome são flexíveis. Tem estados que entendem que só pode acrescentar, outros
que podem tirar sobrenomes e trocar a ordem. Vai do tabelião, se ele é mais
conservador ou não”, explica José Emídio de Carvalho Filho, diretor de registro
civil da Anoreg.
Na
opinião de Lourdes Bandeira, professora de sociologia da Universidade de
Brasília, como a cultura brasileira é sexista, mesmo com a previsão legal, os
homens não vão aderir à prática de colocar o nome das mulher. “Geralmente, o
homem só coloca quando ele tem algum benefício, ou porque a família da mulher é
importante, ou porque é um nome mais elaborado”. Para Rodrigo Cunha, do IBDFAM,
a tendência jurídica deveria ser de proibição de qualquer pessoa mudar o nome
por conta do casamento. “É uma despersonalização das pessoas. Se tem alguma
possibilidade de um casamento dar certo é não misturar o nome. Fora a confusão
que essa mudança de nomes gera, as pessoas separam e umas querem manter o nome,
outras não”, afirma.
No caso
do DF, uma peculiaridade chama a atenção: em cartórios localizados fora da área
central, a adesão masculina é maior. No Guará, por exemplo, o índice é de 25%;
em Planaltina, de 10% a 15%; e em Brazlândia, 35%. Na análise de Liliana
Marquez, vice-presidente da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados
no Brasil, seção DF, uma das explicações pode estar centrada no fato desses
homens só terem o registro da mãe e não do pai. “A quantidade de registros sem
o nome do pai é grande, principalmente em regiões mais humildes. Por isso, os
homens preferem adotar o sobrenome da mulher para ter mais um”.
Mulheres
aderem menos
Enquanto
os homens não se interessam em inserir o nome das mulheres, elas também têm
diminuído a vontade pela adesão. No DF, menos da metade incorporou o sobrenome
do marido —48,5%. Há 10 anos, o índice era mais de 90% dos casos. A
estudante Luciana Maia, 26 anos, é um exemplo. Ela e o marido Fillipi Oliveira,
32 , casaram em outubro deste ano. A princípio, os dois tinham acordado que
trocariam os nomes — ele pegaria um sobrenome dela e ela, um dele. Os dois
chegaram a abrir um processo prevendo a troca. Mas depois analisaram,
viram que teriam que mudar todos os documentos e alteraram a opção. “Ainda
existe um certo machismo. As pessoas acham estranho quando uma mulher não coloca
o nome do marido. Eu nunca quis mudar de nome, meu nome é minha personalidade,
mas, como meu marido queria, resolvemos trocar. No fim, mudamos de ideia”,
comenta.
Na
opinião de Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM, colocar o sobrenome
do marido é mais psíquico do que formal. “Tem um significante machista muito
grande. É um símbolo de dominação, de poder. Ainda bem que essa cultura
machista está mudando”. Para Lourdes Bandeira, as novas gerações, o crescimento
da urbanidade e o maior discernimento das mulheres contribuem para a manutenção
do nome de solteiras. “As mulheres não têm mais a dependência material, nem
simbólica. A mulher não está mais vinculada, é mais autônoma”.
"A adesão dos homens é quase zero e tem
crescido muito pouco nos últimos anos no DF. A sociedade brasileira é muito
patriarcal e isso influencia. Fora a questão de ter que trocar todos os
documentos, pois os homens não têm muita paciência”
(Paulo Henrique de Araújo, diretor de registro
civil da Anoreg/DF)
Cronologia
Até
1977
A mulher
era obrigada a colocar o sobrenome do marido.
De
1977 a 2002
Com a
publicação da Lei do Divórcio, ficou facultativo à mulher acrescentar o
sobrenome do marido
2002
Continua
facultativo à mulher acrescentar o sobrenome do marido; a novidade é a
possibilidade do marido colocar o nome da esposa. Por analogia e em razão do
princípio da igualdade e não discriminação entre as formas de família, os
companheiros também podem acrescentar o sobrenome do outro companheiro na união
estável.
Fonte:
Flávia Maia – Fotos: Arquivo Pessoal – Ana Rayssa/Esp-/CB/D.A.Press – Correio
Braziliense