Todos os dias, Sabrina Mendes roda 20km de bike:
hábito adquirido quando morava em Paris e nunca esquecido
Pesquisa traça o perfil de quem pedala no Brasil e
aponta que 81,3% dos ciclistas vão trabalhar sobre duas rodas. Um dado curioso
é que o DF é a unidade da Federação em que mais pessoas de classe média usam a
bike como meio de transporte diário
O ciclista brasiliense usa a bicicleta
principalmente para ir ao trabalho, está insatisfeito com a infraestrutura
cicloviária do Distrito Federal e reclama que falta educação na relação dos
motoristas com quem está sobre duas rodas. A conclusão faz parte da pesquisa
Perfil do Ciclista Brasileiro, primeira do gênero no país e que será lançada
oficialmente na capital hoje. Dez cidades foram analisadas, em um universo de
5.012 ciclistas — 433 delas no DF. A amostragem trouxe um dado curioso: o
perfil de renda do DF é o mais bem distribuído entre todas as cidades
pesquisadas. “Isso demonstra que a adesão de quem ganha mais ao uso das
bicicletas começou a ocorrer de fato. E mostra uma mudança de pensamento maior
em relação ao meio de transporte em Brasília”, garante Renata Florentino,
coordenadora da ONG Rodas da Paz, responsável por dirigir a pesquisa na
capital.
De acordo
com os dados, 81,3% dos entrevistados usam as bikes para se dirigirem ao
trabalho e 76,9% vão para a escola e a faculdade sobre duas rodas (era possível
marcar mais de uma opção). Sobre a renda, a maior porcentagem entre os usuários
é de quem ganha entre um e dois salários mínimos — 22,2%. Os que recebem entre
cinco e 10 salários representam 11,1%.
Mateus Bartuci é sócio de uma empresa que usa
bicicleta para fazer entregas: falta de respeito dos motoristas
A analista de inteligência de mercado Sabrina
Mendes, 30 anos, representa bem esse perfil. Ela começou a andar de bicicleta
há cinco anos, quando morava em Paris. “Foi aos poucos, como uma forma de
tentar ajudar o meio ambiente. Só que, quando me dei conta, estava necessitando
disso diariamente. Hoje, só me sinto disposta a trabalhar se venho pedalando.”
Diariamente, ela percorre 20km para ir e voltar do trabalho, e, apesar de
entender que viver no Plano Piloto é melhor para quem quer trocar o carro pela
bicicleta, não nega os problemas que enfrenta. “A falta de educação é o
pior. Não tenho carro por opção, mas há muitos motoristas que acham que, quem
não tem, é um cidadão de segunda qualidade. Já fui xingada várias vezes.”
Um dos
grandes problemas apontados por usuários e especialistas é a falta de
planejamento das ciclovias. O DF tem 411km de malha cicloviária, mas as
reclamações são constantes, como trajetos mal definidos, falta de placas de
sinalização ou em desacordo com o Código de Trânsito Brasileiro em ciclovias,
além da ausência delas nas pistas de velocidade entre as regiões
administrativas.
Para o
cicloentregador Mateus Bartuci, 24, apesar da necessidade dessas faixas como
uma tentativa de trazer mais conscientização no trânsito, é preciso entender
também que a bicicleta é um meio de transporte e pode dividir a mesma pista que
os carros. “As ciclovias são importantes para dar visibilidade, mas, para
locomoção, elas não condizem com a necessidade de quem precisa usá-la para
trabalhar. Há pedestres demais, além de muitas dessas faixas serem mal
pensadas”, analisa. Bartuci é sócio em uma empresa que usa bicicletas para
fazer entregas e, garante, as vias expressas são pensadas apenas para quem está
em veículos motorizados. “Há motoristas que ainda ficam indignados de terem que
compartilhar a pista. Mandam a gente ir para calçada, para o parque, até para
Cuba. Não veem a bike como um meio de transporte.”
Brasília
também é, entre as cidades pesquisadas, aquela com maior quantidade de
ciclistas que fazem integração com outro meio de transporte — no caso da
capital, o metrô. “Comecei a pedalar para fugir do estresse do trânsito em
Águas Claras. Ia de metrô até o Plano Piloto e, depois, seguia de bicicleta”,
conta o cientista político Marcelo Sabóia, 30. “O transporte público precisa
ser de qualidade, mas é também necessário pensar nessas outras formas de
mobilidade”, garante.
Em nota,
a Secretaria de Mobilidade afirma que está desenvolvendo dois planos de
mobilidade, a pé e por bicicleta, que servirão como diretrizes para os próximos
anos de governo, mas sem especificar que tipo de ação será efetivamente tomada.
Segurança
e educação
O
profissional de educação física Elmio Tagy Felipe dos Reis, 40, trocou
definitivamente o carro pela bicicleta depois de um acidente, em 1991. Desde
aquela época, percorre os mais diversos trajetos sempre sobre duas rodas e
consegue ver bem as mudanças que ocorreram não só na estrutura oferecida aos
ciclistas, mas na relação deles com quem dirige. “Eu morava no Jardim Botânico
e ia para as escolas em que dava aula, em Taguatinga Sul e em Ceilândia. A
educação é um processo lento, mas ela é melhor agora, sim”, lembra. Para ele, a
mudança de consciência que aconteceu entre 1991 e 2015 existe, mas ainda não é
totalmente satisfatória. “Temos muito mais motoristas entendendo o lado dos
ciclistas e respeitando. Mas o poder público ainda continua se preocupando mais
com quem tem carro.”
Para Zé
Lobo, coordenador-geral da pesquisa, há uma relação direta entre a falta de
infraestrutura cicloviária e a pouca educação no trânsito. Ele acredita que, ao
oferecer mais base para a segurança da relação entre quem anda de bicicleta e
carro, mais pessoas vão se sentir à vontade para buscar na bike uma opção de
transporte. “As ruas estão aí, e o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é claro
quanto ao nosso direito de circular nelas com preferência sobre motorizados.
Mas, sem educação e respeito, só a lei não basta.”
O artigo
58 do CTB é claro: “Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação
de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa ou
acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da
pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via,
com preferência sobre os veículos automotores”.
Essa
preocupação com uma relação mais pacífica entre motoristas e ciclistas fica
mais evidente no DF quando é sabido que 38,1% dos entrevistados estão entre 15
e 24 anos. De acordo com Renata Florentino, da Rodas das Paz, o número mostra o
potencial em cativar as faixas etárias mais jovens para que elas continuem a
pedalar. “Se eles usam a bike para ir à escola e à faculdade, também podem
querer continuar a usá-la para ir trabalhar”, justifica.
10
Cidades brasileiras participaram
da pesquisa Perfil do Ciclista Brasileiro
"O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) é claro quanto ao nosso
direito de circular nas ruas com preferência sobre motorizados”
(Zé
Lobo, coordenador-geral da pesquisa)
Fonte: Rafael Campos – Fotos: Carlos
Vieira/CB/D.A.Press – Correio Braziliense