Engarrafamento no Guará: o Distrito Federal está
entre as unidades da Federação com o maior número de veículos por habitante
Pesquisa realizada pela Codeplan em 11 regiões
administrativas revela que, por conta do sistema público ineficiente, moradores
do DF privilegiam o transporte individual. E quem depende do coletivo não
hesita: se pudesse, migraria para o automóvel
escriturário Cláudio Roberto Araújo, 55
anos, não sabe o que é andar de ônibus. Morador do Guará, ele utiliza o carro
diariamente para chegar ao trabalho, no Setor Comercial Sul. Nem mesmo a
facilidade de ter uma parada perto de casa e do escritório o convence a deixar
o veículo em casa. “A última vez que utilizei o transporte público foi porque o
carro estava na revisão. Até daria para ir de ônibus. Nunca tentei por conta da
comodidade do carro”, admite. Cláudio não está sozinho: a maioria dos donos de
automóveis não abre mão da comodidade. E quem depende do coletivo não titubeia:
se pudesse, migraria para o transporte individual.
A preferência do brasiliense em relação
ao automóvel é comprovada pela primeira vez na capital pela Pesquisa Distrital
por Amostra de Domicílios (Pdad). O levantamento, realizado em 11 regiões
administrativas do Distrito Federal, revela que, mesmo quando trabalha próximo
de casa, a maioria das pessoas prefere ir para o trabalho de carro. Das regiões
administrativas pesquisadas até agora, Sobradinho e Guará lideram em número de
veículos e também encabeçam a lista da preferência pelo automóvel para se
deslocar. Brazlândia, por sua vez, é onde as pessoas mais andam a pé. Já o
Recanto das Emas lidera o ranking dos deslocamentos de ônibus.
Cláudio Araújo, 55 anos, poderia usar ônibus, mas
prefere o automóvel
empregada doméstica Maria do Rosário Oliveira, 60,
não tem alternativa. A moradora do Recanto das Emas trabalha no Lago Norte, não
tem veículo próprio e nem conhece alguém que faça o mesmo trajeto e que possa
oferecer uma carona. “Gasto de uma hora e meia a duas horas para ir ao trabalho
e voltar para casa, todos os dias. De carro, eu não levaria nem uma hora”,
avalia.
Além da demora para realizar o trajeto, Maria do Rosário se queixa de
que os motoristas não costumam cumprir o itinerário. Perguntada sobre a
possibilidade de locomover-se de automóvel, ela não hesita.“Se pudesse comprar
um carro, não andava mais de ônibus. Demora muito e é muito cansativo, cansa”,
reclama.
Planejamento
Brasília está entre as capitais com o maior número
de veículos por habitante. Para cada grupo de 1,8 morador, existe um carro ou
moto registrada. A renda per capita alta contribui para uma taxa de motorização
tão elevada. E isso não seria nenhum problema, não fosse a dependência do
brasiliense em relação ao carro para se deslocar. Com um sistema de transporte
precário e com grande parte dos postos de trabalho concentrados no Plano Piloto
— distante das cidades de origem — são poucos os que se animam a deixar o
carro na garagem e seguir de ônibus, de metrô, a pé ou de bicicleta.
Renan Joseph de Moraes, 19 anos, está louco para ingressar no grupo dos
motorizados. Morador de Santa Maria — segunda colocada no ranking das regiões
onde as pessoas mais utilizam o ônibus para chegar ao trabalho —, ele precisa
chegar diariamente ao Plano Piloto. “Pretendo aprender a dirigir no segundo
semestre de 2016 e aí vou abandonar o ônibus. Para Santa Maria,o coletivo passa
em um horário diferente a cada dia. Como não sei que horas o transporte vai
passar e não posso chegar ao trabalho depois de 7h, então estou na parada todos
os dias às 4h30”, conta o militar.
A Pdad revela que os residentes do Guará são os que mais usam o próprio
veículo para ir trabalhar (87,54%), seguidos dos de Sobradinho (46,68%). Mas há
exceções. Moradora do Guará, Ana Carina Carlos, 50 anos, tem carro mas dá
preferência ao transporte coletivo para chegar ao Setor Bancário Sul, no Plano
Piloto. “Na frente da minha casa, tem um ponto de ônibus e desço na porta do
trabalho. Não tenho necessidade de usar o carro. E onde trabalho, é muito
complicado achar vaga em estacionamento”, disse.
A gerente de Pesquisas Socioeconômicas da Companhia de Planejamento
(Codeplan), Iraci Peixoto, diz que o levantamento da Pdad pode auxiliar no
planejamento de trânsito e do transporte urbano a partir da realidade de cada
região. “Fizemos o cruzamento de informações relacionando a renda, a
escolaridade e o uso do transporte público. Quanto maior a renda e a
escolaridade, menos as pessoas usam o transporte público”, conta.
Paulo César Marques, engenheiro e doutor em estudos de trânsito,
concorda que um dos méritos do levantamento é oferecer ao poder público
elementos concretos para a adoção de medidas capazes de melhorar as condições
de deslocamentos da população. Revela ainda que as deficiências do transporte
público não se resumem ao movimento pendular — das regiões administrativas para
o Plano Piloto e vice-versa —, mas também estão presentes dentro das próprias
cidades. “Existem problemas na rede local de transporte. E se é ruim, não faz
diferença se a pessoa trabalha longe ou perto de casa, ela vai escolher o
automóvel”, diz.
Marques cita o caso do Guará, uma das localidades com grande quantidade
de veículos e alto índice de deslocamento com automóvel. “No Guará tem metrô.
Mas as pessoas precisam chegar até a estação e, para isso, dependem de um
sistema de transporte que alimente o metrô. Se esse sistema é deficitário, elas
precisam do carro para chegar ao metrô. Uma vez dentro do veículo, continuam
nele”, disse.
Fonte: Adriana Bernardes – Paula Braga – (Especial
para o Correio) Fotos: André Violatti-Esp/CB/D.A.Press