Em trecho mal sinalizado, restam marcas de
acidentes: meio-fio quebrado e um para-choque de carro
"O projeto não solucionou a questão da fluidez no
trânsito. A expectativa da quantidade de veículos que passariam pela via não
foi bem dimensionada" (Sandra Patrícia Fernandez, engenheira civil e professora do
UniCeub)
Segundo análise preliminar do TCDF, as obras do BRT podem ter
gerado prejuízo superior a R$ 105 milhões. Para especialistas, sistema é
confuso e fragmentado
Distante da proposta inicial de melhorar a vida de quem
depende do transporte coletivo, o Expresso DF (BRT) desagrada tanto na prestação
do serviço, quanto na infraestrutura. Enquanto alguns problemas são
perceptíveis a olho nu, como mostrou o Correio ontem, outros são invisíveis ao
usuário, mas têm consequências no cotidiano da população. Tratam-se de falhas
na concepção e na execução do projeto, questionadas por especialistas. Dois
relatórios do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) demonstram isso. O
mais recente deles, analisa, entre outros pontos, se as especificações do
contrato foram cumpridas.
O BRT, fruto de uma parceria entre os governos federal e
distrital, custou mais de R$ 761 milhões aos cofres públicos. A análise do
tribunal sugere mais de R$ 15 milhões de gastos indevidos. O estudo anterior,
de 2009, tem como objeto a licitação, e é ainda mais alarmante. Nesse, a
suspeita é de que o prejuízo ultrapasse a casa dos R$ 105 milhões, mas nenhum
dos dois estudos foi concluído.
Pontos
críticos
Amparada
nas reclamações dos usuários e nos questionamentos técnicos, a reportagem do
Correio levou uma engenheira civil até o local das obras. Desta vez, para
analisar a infraestrutura e a fluidez do trânsito. Entre os pontos críticos
levantados pela professora do Centro Universitário de Brasília (UniCeub),
Sandra Patrícia Fernandez, está a falta de sinalização horizontal e vertical
nos viadutos — único acesso de retorno aos motoristas. Além disso, a
necessidade de mais equipamentos de proteção nessas elevações, como barreiras
de contenção.
Na
avaliação da especialista, é preciso fazer as demarcações corretas no
pavimento, além de afixar placas que indiquem a velocidade do trecho ou
instalar redutores de velocidade. No alto de um dos viadutos de retorno, há uma
espécie de acesso para a contramão, que mais parece ter sido construído como um
“puxadinho”. E, para piorar, a falta de pintura adequada no local dificulta a
leitura por parte do motorista. “O usuário fica confuso: são duas faixas ou
apenas uma? Pode passar reto ou não?”, questiona Sandra. No trecho a que ela se
refere, o meio-fio está danificado e resta o para-choque de um veículo que se
envolveu em um acidente.
Esses
problemas culminam na complicação do trânsito na via. “Nesse caso, em vez de
uma pista com fluxo regular — o esperado para a região —, o que se tem,
atualmente, é um tráfego inaceitável. Podemos entender, portanto, que o projeto
não solucionou a questão da fluidez no trânsito. A expectativa da quantidade de
veículos que passariam pela via não foi bem dimensionada”, sugeriu.
Obra
inacabada
Para
explicar a origem do problema, o professor do departamento de engenharia civil
e ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Joaquim José de Aragão, ressalta
a necessidade de um bom planejamento. “A estrutura é vistosa, mas sem
organização da rede de transporte”, observa. “Eu diria que a rede continua
confusa, fragmentada, irracional, com muitas duplicações de linhas. A
engenharia de tráfego é outra miséria. Está abaixo de qualquer crítica”,
exclama ele, que avalia a obra como inacabada.
O governo
rebate a crítica com dados de um levantamento feito pelo DFTrans. O estudo
mostrou que o passageiro do BRT economiza 15 minutos nas viagens pelo
transporte expresso. O diretor-técnico do órgão, Marcio Antonio de Jesus,
explica que a comparação foi feita com ônibus que fazem as mesmas rotas, mas
não usam a pista exclusiva (leia Para saber mais).
A falta
de informação nos terminais e estações é um consenso entre passageiros e
especialistas. “Isso está bem claro na lei de mobilidade. É obrigatório ao
Estado fornecer as orientações para que o usuário saiba como vai utilizar o
transporte. Mas, até hoje, ninguém se mexeu quanto a isso. A Justiça tem que
começar a agir. O sistema está ilegal”, denunciou Aragão. Segundo Marcio
Antonio de Jesus, as estações do BRT contarão com monitores informando o
itinerário aos passageiros, ação que não saiu do papel até agora.
Fonte: » Mariana Laboissière - Laura Tizzo (Especial para o Correio) –
Fotos: Breno Fortes/CB/D.A.Press - Correio Braziliense