“Basicamente, acho que estamos num
período conturbado, de opiniões e de dizeres relativos à política em geral da
cidade. Um debate muito inflamado. Já há algum tempo, tenho notado que meus
projetos não tinham ressonância. E já há alguns anos, tenho trabalhado com um
orçamento muito restrito”, ditou Silvio Barbato, enquanto oferecia seu melhor
ângulo para o fotógrafo André Oliveira. Entre o maestro e a câmera, havia uma
harpa, cujas cordas conferiram ao retrato um efeito inusitado, como se houvesse
grades no palco da Sala Villa-Lobos.
Parece que foi ontem e poderia ser
hoje. Silvio falava pausadamente, com mãos nos bolsos e a clareza de quem
zelava por um testemunho fiel. O sorriso triunfante permanecia, assim como a
cabeleira prateada, mas o maestro e eu sabíamos que 2006 havia sido um ano
ruim. Dali a três dias, ele se desligaria definitivamente da Orquestra
Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, à qual havia dedicado uma década
de trabalho. Cordão umbilical difícil de ser cortado, pois o próprio Santoro o
havia preparado para herdeiro. “É como um casamento que se desfaz sem motivo.”
Naquele setembro, esmagava o coração do
regente a denúncia de que acumulava dois cargos públicos. “Público e notório”,
ele bradava. E, realmente, todo mundo sabia que ele era titular do corpo
sinfônico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Aliás, a dupla identidade lhe
dava muita satisfação. Puxava o “s” descaradamente, torcia pro Flamengo e
sempre pedia aos repórteres: “Anota aí que eu sou cariocandango”. A
camaradagem, porém, já não convencia alguns músicos, que ensaiaram um motim.
Barbato se referia a eles como “os corsários”.
O sinal de que alguma coisa estava
errada vinha de um jeito atravessado, compreensível apenas para bons
entendedores. Tinha uma bendita sinfonia do Mahler, que sempre constava da
programação. Aí chegava o dia (às terças!) e orquestra tocava outra peça, que
não tinha nada a ver. Isso se repetiu três, quatro vezes. Para além dessa
guerra fria, havia fervura política. Barbato havia ficado sem retaguarda após
as eleições. Seu elo com a gestão Maria Abadia se esgarçara com a saída do
então secretário de Cultura, Pedro Bório. O dinheiro acabou.
“Sou um Dom Quixote contra moinhos de
vento. Sou um cara do bem e quero preservar meu nome. A burocracia é a morte da
arte, todo mundo sabe. Se não tem apoio do Estado, a orquestra morre”,
enfatizou. Foi duro ouvir isso, porque era tão boa a lembrança do Barbato
enfant terrible: um maestro de 30 e poucos regendo uma orquestra bebê, para um
público infanto-juvenil, sem nenhum pudor de misturar popular e erudito. Parece
que foi ontem e poderia ser hoje. Exceto pelo fato de que o Teatro Nacional
ficou no passado. Isso mesmo, pode acreditar: o Teatro Nacional não abre as
portas desde janeiro de 2014!
Por: Gustavo Falleiros – Correio Braziliense –
Foto/Ilustração: Blog - Google
Excelente crônica!
ResponderExcluirUma pena o Teatro Nacional ter sido fechado e até hoje não ter começado sua reforma.
É a orquestra...