Rapazes e moças entre 18 e 35 anos formam uma parte numerosa na
nomenclatura religiosa e dizem que escolheram igrejas não católicas
principalmente pela sensação de pertencimento. Há, inclusive, espaço para
homossexuais assumidos
Um terço do Distrito Federal é formado por evangélicos. Seja pelas
linhas milenares batistas, seja pelos templos neopentecostais que conquistaram
espaço dos anos 1970 em diante, o crescente número de protestantes no Brasil é
evidente na capital federal, na qual se celebra o Dia do Evangélico em 30 de
novembro. Entre os adeptos do protestantismo, estão jovens que usam a religião
como meio de vida e diversão: além de se reunirem para orar, fazem amigos e até
iniciam relacionamentos afetivos dentro da igreja.
Atualmente, existem mais de 830 mil evangélicos no
DF — 30,8% da população, de acordo com dados da Companhia de Planejamento do
Distrito Federal (Codeplan). Boa parte migra da Igreja Católica. É unânime o
entendimento dos entrevistados — evangélicos que deixaram o catolicismo e
especialistas no estudo em religiões — de haver maior horizontalidade nos
templos protestantes. E é aí um dos pontos da transição de uma crença por
outra: a sensação de pertencimento. Nessa leva, os jovens não ficam de fora.
É o caso da jornalista Roseane Guimarães, 29 anos,
e do advogado Rafael Guimarães, 28. Eles se conheceram na sede da
neopentecostal Sara Nossa Terra, no Sudoeste. Ambos egressos do catolicismo —
ele, por influência da mãe, em 2003, e ela, por conta própria, no ano seguinte.
Em 2006, começaram a namorar e, quatro anos depois, se casaram. Hoje, têm a
filha, Rafaella, de 1 ano e 3 meses, e moram em um apartamento em Águas Claras.
Todo esse processo começou com a sensação de
pertencimento a um grupo, algo inexistente nos ensinamentos católicos durante a
infância, na opinião deles. “Na Igreja Católica que eu frequentava, o padre não
sabia o nome de ninguém. No meu segundo dia frequentando a Sara, todo mundo já
me chamava pelo nome”, recorda Roseane. “O padre, assim como as instituições
católicas, tem uma aura suntuosa. O pastor se veste como a gente e se mistura”,
compara Rafael. Atualmente, quase todo o círculo social dos dois é composto por
amigos feitos na igreja.
Pertencimento
Para o professor de sociologia da
religião da Universidade de Brasília (UnB) Eurico Cursino dos Santos, a
sensação de pertencimento, aliada ao aumento da comunicação em massa nos
últimos 40 anos, é um fator decisivo para a disseminação das ideias
evangélicas. “O Brasil sofre constantes mudanças desde os anos 1970. São novas
perguntas, novas dúvidas, e as respostas tradicionais caducaram”, diz. “Ninguém
interpretou os pobres nesse tempo melhor do que os evangélicos, pois tratam a
vida dos menos favorecidos como algo vivo de sentido: o discurso católico é
hierárquico, de cada um em seu lugar predeterminado, enquanto o protestante
cita realizações a conseguir”, explica o especialista.
Aos 25 anos, o servidor público Lucas Ribeiro
representa um grupo que congrega homens e mulheres de 18 a 35 anos na 3º Igreja
Batista de Brasília. Segundo o rapaz, o ministério age sob uma vertente que
foge à linha mais tradicional. “O nosso grupo fala muito do relacionamento com
Jesus, em vez de impor um livro de regras. Vendemos uma proposta de uma vida
melhor, mostrando que a juventude pode aproveitá-la sem precisar fazer coisas
prejudiciais a ela”, diz.
Nos encontros, predominam atividades voltadas à
interação entre os integrantes, como a prática de esportes e de lazer. Essas
reuniões, realizadas às sextas-feiras, acontecem sempre na casa de um dos
membros, longe das badalações regadas a álcool e outros tipos de drogas. “A
galera não precisa sair para se divertir. Organizamos tudo em um mesmo
ambiente: jogamos bola, curtimos uma piscina, churrasco e fazemos nosso culto”,
conta o rapaz.
Inclusão
Questionados sobre o que é
casamento, Rafael, Roseane e Lucas definem o matrimônio como a união entre um
homem e uma mulher. Deslocados no meio, homossexuais cavaram o próprio espaço
na religião. Em 2005, cinco pessoas fundaram a Comunidade Athos, igreja
inclusiva voltada para o público LGBT. O nome da instituição vem do livro
bíblico Atos, no qual há a passagem “e, abrindo Pedro a boca, disse: ‘Reconheço
por verdade que Deus não faz acepção de pessoas’”. Cerca de 60% dos
frequentadores da instituição — que se encontram às quartas, aos sábados e aos
domingos no Conic — são formados por pessoas entre 19 e 29 anos.
Para o pastor Alexandre Feitosa, 38 anos, que é
homossexual e já esteve casado com um homem, os templos religiosos tradicionais
partem do princípio que todos são heterossexuais. “O homossexual se sente
deslocado, excluído e invisível na Igreja. Sofremos traumas, caímos em
depressão e crescemos com baixa autoestima não pela orientação sexual, mas por
considerarem a homossexualidade uma possessão demoníaca”, afirma. “Aqui, nós
temos um local para pessoas que acreditam em Deus, querem frequentar a igreja,
mas não são aceitas nos lugares tradicionais”, continua. Além da Athos, há duas
instituições evangélicas inclusivas no DF, ambas em Taguatinga: Comunidade
Cidade do Refúgio e Igreja Cristã Incluídos pela Graça.
830 mil
Número de evangélicos no Distrito
Federal, segundo levantamento da Codeplan
"Ninguém
interpretou os pobres nesse tempo melhor do que os evangélicos, pois tratam a
vida dos menos favorecidos como algo vivo de sentido: o discurso católico é
hierárquico, de cada um em seu lugar predeterminado, enquanto o protestante
cita realizações a conseguir”
(Eurico Cursino dos Santos, professor de sociologia da religião da Universidade de
Brasília)
Fonte: Alexandre
Santos - Especial para o Correio - »Guilerme Pera– Fotos: Marcelo
Ferreira – Correio Braziliense