Uma seleção de livros lançados nos últimos meses de 2015 para começar
2016 em dia com a leitura. Confira!!!
Existe um tipo de viagem que custa menos de três dígitos, é mais
ecológica que uma hora dentro de um carro ou avião e pode levar o viajante a
terras muito distantes sem necessidade de malas e documentos especiais. É um
tipo de viagem ideal para as férias de baixo orçamento e grandes ambições, com
bilhete disponível em qualquer livraria, biblioteca ou até mesmo a um clique de
distância dos dedos do candidato ao embarque. E mesmo que o deslocamento seja
físico e real, um bom livro não faz mal. O Diversão&Arte selecionou
lançamentos recentes capazes de transportar o leitor para pequenos (e muitas
vezes surpreendentes) mundos. Tempo de férias também é tempo de colocar a
leitura em dia. Bom proveito!
Ficção
Um menino-escravo que teria convivido com o maior abolicionista
norte-americano, um escritor frustrado armado de farpas contra o mundo da
literatura e um secretário particular em uma Madri pós-franquista prestes a
vivenciar a famosa Movida dos anos 1980. São muitos os cantinhos da ficção
produzidos em 2015 e ainda quentinhos, recém-saídos do forno. A começar pelo
curioso O pássaro do bom senhor, do americano James McBride.
O romance ganhou o National Book Award, prêmio mais
importante da literatura nos Estados Unidos, ao lado do Pulitzer, e é uma
ficção histórica curiosa. Salvo de incêndio em igreja em 1966, suposto diário
de ex-escravo chamado Henry revela a ligação do autor com o abolicionista John
Brown. Henry teria convivido, durante a infância, com o personagem conhecido
pela luta contra a escravidão. Originalmente um saxofonista e compositor, James
McBride já publicou quatro romances. É muito apreciado pela crítica
norte-americana e um de seus livros, Milagre em St. Anna, inspirou filme de
Spike Lee.
Gremista de Porto Alegre, Reginaldo Pujol Filho é
uma das vozes irreverentes da literatura contemporânea brasileira e seu Só
faltou o título vai na esteira provocativa da autoficção. É tudo mentira,
garante o autor, mas o leitor fica confuso com as fronteiras entre realidade e
ficção ao mergulhar na história de Edmundo, escritor frustrado, hater
pré-internet, muito crítico quanto ao mundinho dos autores brasileiros
contemporâneos.
Lourenço Mutarelli transita na mesma fronteira. Seu
O grifo de abdera mistura de personagens que, ao final, são apenas um. É
confuso mesmo, mas Mutarelli brinca com a própria identidade e a fusiona à do
narrador para criar um sujeito bizarro: ele jura ser ele mesmo e um outro.
Enfim, é um caminho comum (e divertido) quando se trata de Mutarelli. Mais
clássico, Javier Marías busca a história recente em Assim começa o mal.
Escritor multipremiado — 21 prêmios, incluindo os prestigiados Femina (França)
e Nelly Sachs (Alemanha) — e autor de 12 romances, o espanhol ficou conhecido no
Brasil com Enamoramentos, publicado por aqui em 2012. Assim começa o mal tem a
mesma linha narrativa e até retoma um personagem de Enamoramentos.
Não ficção
A figura de Oliver Sacks comoveu o mundo da literatura de não ficção em
2015. O neurologista escritor, autor de preciosidades como Tempo de despertar e
Alucinações musicais, passou os últimos meses de vida após a descoberta de uma
metástase preparando a autobiografia Sempre em movimento, publicada em julho de
2015, mas é um livrinho recém-chegado às livrarias que merece toda a atenção do
leitor neste início de 2016. Gratidão tem apenas 62 páginas, mas é uma lição de
vida sem pieguices ou conselhos. Tratam-se dos últimos textos escritos por
Sacks antes de morrer, em agosto, e falam da expectativa da morte e da
diferença que faz uma vida bem vivida quando se está próximo do fim.
A irreverência de Xico Sá é sempre uma boa opção de
humor inteligente capaz até de alimentar reflexões sérias. Último volume da
trilogia Modos de macho & modinhas de fêmea, Os machões dançaram tem sua
atualidade em um ano marcado por #meuprimeiroassédio e #meuamigosecreto. A
internet e as redes sociais, aliás, se revelaram fonte generosa para o
cronista. De tanto observar o que acontece por lá (e por outras paradas
também), Sá voltou com tipos hilários. Tem o Macunaemo, o “típico brasileiro
metropolitano. O Homem de Ossanha, “cara que provoca, assanha a moça no campo
virtual e, na vida real, sempre cai fora com uma desculpa furada”, e o macho
alfa, bem, é uma utopia. “Como pode existir um homem com tantas convicções
inegociáveis, com tanto arrojo e determinação em uma era de tantas
incertezas?”, se pergunta Xico Sá.
Para quem prefere temas mais sérios, dois livrinhos
dignos de atenção merecem um lugar na mesa de cabeceira. Carta aos escroques da
islamofobia que fazem o jogo dos racistas ajuda a compreender por que as
intenções do jornal satírico francês Charlie Hebdo nunca foram racistas.
Escrito por Stéphane Charbonnier, um dos jornalistas mortos no atentado de
fevereiro contra o jornal, o manifesto discorre sobre racismo, islamofobia,
liberdade de expressão, crenças, democracia e outros temas ligados às tensões
sociais e raciais na França de hoje. “Se você acha que a crítica às religiões é
expressão de racismo”, diz Charb. “Então, boa leitura, porque esta carta foi
escrita para você.” Em Se liga no som — As transformações do rap no Brasil, o
músico e antropólogo Ricardo Teperman investiga as transformações na maneira de
fazer e ouvir rap no Brasil. Não é um ensaio para esgotar o tema, e sim para
abrir uma porta de pequisa para um gênero capaz de dar voz à periferia das
grandes cidades.
Poesia
Não há maneira mais lírica de começar o ano do que munido de bons
versos. E Carlos Drummond de Andrade sabia disso. Não foi o próprio poeta quem
organizou Receita de Ano Novo, que a Companhia das Letras publicou em dezembro,
mas ali estão alguns dos poemas que falam de mudanças, recomeços, festas de fim
de ano e renovação. Vale a leitura descompromissada, assim como vale revisitar
os versos de Adélia Prado, agora todos juntos em Poesia reunida. A publicação
da editora Record comemora os 80 anos da autora, completados em 13 de dezembro
de 2015.
Estante
Gratidão
De Oliver Sacks. Tradução: Laura Teixeira Motta. Companhia das Letras, 64 páginas. R$ 19,90
Se liga no som — As transformações do rap no Brasil
De Ricardo Teperman. Claro Enigma, 178 páginas. R$ 29,90
Carta aos escroques da islamofobia que fazem o jogo dos racistas
De Stéphane Charbonnier. Casa da Palavra, 96 páginas. R$ 34,90
Os machões dançaram
De Xico Sá. Record, 192 páginas. R4 32
Assim começa o mal
De Javier Marías. Tradução: Eduardo Brandão. Companhia das Letras, 520 páginas. R$ 49,90
O grifo de Abdera
De Lourenço Mutarelli. Companhia das Letras, 280 páginas. R$ 44,90
Só faltou o título
De Reginaldo Pujol. Record,322 páginas. R$ 45
O pássaro do bom senhor
De James McBride. Tradução: Roberto Muggiati. Bertrand Brasil, 378 páginas. R$ 45
Poesia reunida
De Adélia Prado. Record, 544 páginas. R$ 70
Receita de Ano-Novo
De Carlos Drummond de Andrade. Companhia das Letras, 92 páginas. R$ 34,90
Fonte: Nahima Maciel – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google