O caso é investigado pela Delegacia Especial de
Atendimento à Mulher: fase de depoimentos
Especialistas alertam que casos de estupros tendem
a levar anos na Justiça, pois dependem de investigação profunda e provas
contundentes. Laudo do IML confirma a relação entre vítima e acusado, mas sem
violência
A vítima publicou, na rede social, mensagem de
respeito às mulheres
"Se o exame aponta que não tem sinal de
violência física, é favorável a ele. Mas todos os elementos têm de ser
analisados, e isso não quer dizer que não houve estupro" (Álvaro Castelo
Branco, professor de direito penal do UniCeub)
O relato de uma jovem de 24 anos que denuncia ter
sido estuprada por um segurança em uma festa de réveillon é apenas o primeiro
episódio do caso, que deve se desenrolar por anos na Justiça. Especialistas
alertam: o Judiciário é lento e, muitas vezes, a falta de provas cabais e a
presunção da inocência do acusado tendem dificultar a imposição de penas
severas por parte do Estado. Prova disso é uma CPI da Assembleia Legislativa de
São Paulo instalada em 2014, que investigou 10 denúncias de abuso sexual em
trotes em universidades daquele estado e, ao fim das apurações, apenas uma
pessoa recebeu punição (leia Pouco efetivo).
No caso do DF, laudo preliminar de exame feito pelo Instituto de
Medicina Legal (IML) na vítima indica, segundo fontes da Polícia Civil, que
houve o sexo, mas não foram encontrados sinais de violência. Após o resultado
conclusivo do laudo, que deve sair em 30 dias, uma questão central no caso será
o depoimento das testemunhas. Além disso, integrantes do Ministério Público
explicam que saber exatamente o estado de embriaguez da jovem na noite do crime
é o próximo passo na investigação da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher
(Deam), para uma avaliação sobre a vulnerabilidade da vítima. A garota afirma
que estava alcoolizada e foi coagida a sair da festa. “Só atendi por ser uma
figura de autoridade local. Eu estava completamente vulnerável, com muito medo”,
descreveu, em uma publicação que teve grande repercussão nas redes sociais.
O suspeito, Wellington Monteiro Cardoso, diz que a jovem estava
consciente no momento do sexo. O nível alcoólico da garota é importante, pois
definirá qual dos crimes ele pode se enquadrar: estupro ou estupro de
vulnerável — esse último prevê penas maiores. “A questão da bebida não é um
elemento jurídico objetivo. Tem de ser avaliado até que ponto ela estava ciente
de si”, alerta o professor de direito penal do UniCeub Álvaro Castelo Branco.
Ele afirma que o resultado do laudo pode ajudar o acusado no julgamento. “Na
minha visão, há dois pontos centrais: a conclusão da perícia médica e o
depoimento das testemunhas. Se o exame aponta que não tem sinal de violência
física, é favorável a ele. Mas todos os elementos têm de ser analisados, e isso
não quer dizer que não houve estupro”, opina.
O relato das testemunhas será levado em conta, principalmente o do
segurança colega de Wellington que teria se recusado a fazer sexo com a mesma
garota. “Ele pode contar que ela realmente estava embriagada, mas tinha totais
condições e sabia o que se estava acontecendo. Assim, ajudaria o acusado.
Também pode ocorrer o contrário e reforçar a tese de existência do crime”,
explica Castelo Branco. A versão dos amigos da vítima também “terá peso”. “Eles
podem afirmar, por exemplo, que ela estava bêbada e não tinha condições de
oferecer resistência. Ou, então, lembrar que ela voltou para a festa, continuou
bebendo, dançando, tudo naturalmente”, opina. De fato, a própria vítima
confirma que sofreu o ataque por volta da 1h e ainda voltou para a festa, no
Setor de Clubes Norte. Ela ficou no local até o amanhecer (leia Entenda o
caso).
Desejo
A professora do Departamento de Psicologia Clínica
da Universidade de Brasília (UnB) Gláucia Diniz acredita que o suposto autor do
crime pode ter cometido o que, na psicologia, é chamado de projeção. “É um
processo psíquico, comum de acontecer. A pessoa transfere para a outra um
desejo, uma necessidade, que, na realidade, é dela. Com isso, ela passa a
acreditar que o sentimento é recíproco”, explica.
Gláucia, que também participa de um projeto que acolhe mulheres em
situação de violência doméstica no câmpus de Ceilândia, avalia o depoimento
dado por Wellington ao Correio e contesta alguns argumentos usados pelo
empresário para se defender. Um deles é utilizar o termo “ficar” ao se referir
ao que houve entre ele e a jovem de 24 anos, em vez de “estuprar” ou
“violentar”. “A escolha da palavra prova que ele realmente acha que foi
consentido”, contesta a psicóloga. Ainda sobre os argumentos apresentados,
Diniz questiona a ideia de que a troca de olhares justificaria o ato sexual.
Entenda o caso - Abuso em festa
No segundo dia do ano, o relato de uma jovem de 24
anos que teria sido abusada por um segurança em uma festa de réveillon deixou
muita gente chocada nas redes sociais. Ela conta que foi coagida a ir para o
estacionamento do evento e, no local, obrigada a transar com o acusado. O
suspeito a teria oferecido, ainda, a um colega, que se recusou a manter
relações com a moça. No dia seguinte à festa, a vítima foi à delegacia fazer a
denúncia. Depois, passou pelo IML e pelo hospital.
Memória - Trote humilhante
Na recepção a novos alunos, em 2014, estudantes da
Faculdade Cásper Líbero, de São Paulo, obrigaram calouros a simular sexo oral
com bananas (foto) e pepinos. As imagens se espalharam nas redes sociais, e o
abuso nos trotes virou tema de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na
Assembleia Legislativa daquele estado. O episódio aconteceu na Avenida
Paulista, uma das regiões mais movimentadas de São Paulo e chamou a atenção de
quem passava pelo local. Uma imagem de um homem recém-aprovado para o curso de
publicidade, amarrado em um poste também causou grande repercussão à época.
Segundo denúncia feita pela Frente Feminista Casperiana naquela ocasião, os
estudantes tiveram de “enfiar um pepino na boca, quando não tinham o legume
esfregado no rosto, em uma clara alusão a um pênis”. Para o movimento, o
ocorrido foi “humilhante e desnecessário”.
Pouco efetivo
A Assembleia Legislativa de São Paulo instaurou a
CPI do Trote dois anos atrás para apurar abusos cometidos por estudantes na
recepção de novos alunos em universidades daquele estado. Dos 10 casos de
estupros denunciados à comissão, apenas três resultaram na abertura de
sindicâncias internas nas instituições paulistas e, no fim, somente uma pessoa
acabou punida. Mesmo assim, com uma suspensão. Em um dos casos investigados,
uma aluna da Universidade de São Paulo (USP) relatou ter sofrido abuso sexual
de dois colegas após ter sido embebedada e levada para um carro. Uma sindicância
da USP apontou que o ato tinha sido “consensual”. Após a CPI, o processo foi
reaberto, mas os acusados receberam apenas advertências.
Fonte:Matheus Teixeira – Laura Tizzo -» Especial para o correio – Fotos: Ed
Alves/CB/D.A.Press – Correio Braziliense