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Bulcão na folia

O carnaval era uma das paixões de Athos Bulcão. Um dos fatos que considerava mais relevantes de sua infância no Rio de Janeiro é o de ter morado perto de Vila Isabel. Noel Rosa, o grande sambista da Vila, era amigo do irmão de Athos. Ele ia para as ruas com as primas. Em uma folia, chegou a ser colocado dentro de um carro, com a capota arriada, onde desfilava Noel.

As batalhas de confetes na célebre Rua dos Artistas, no Rio de Janeiro, inspiraram a última (longa e fecunda) safra de magníficos desenhos, em cores e preto e branco, de Athos. Eu estava escrevendo uma biografia sobre ele e todos os dias em que visitava seu apartamento mostrava, com felicidade de menino, os desenhos que fluíam de sua pena em ritmo frenético.
As conexões de Athos com o carnaval eram intensas. Mas o que reacendeu a imaginação dele para a festa, nos tempos de Brasília, foi a leitura das crônicas de Nelson Rodrigues sobre o furor causado pelo umbigo de uma odalisca durante a folia. Todos queriam ver: era o máximo de imoralidade.

Athos evocou esse clima carnavalesco de Vila Isabel em uma série de desenhos. Entretanto, mais do que uma reminiscência da infância, o envolvimento com o carnaval marcou a visão estética de Athos. Suas cores têm a vibração da festa popular brasileira; e suas figuras. Algo de alegria carnavalesca/teatralizada.


Uma das coisas que deixavam Athos mais feliz era ver a sua arte apropriada pelas crianças e pelos adolescentes. Por isso, posso dizer, com certeza, que entraria em estado de alumbramento ao ver a sua obra ser transformada em um bloco de carnaval, o Rejunta meu Bulcão.

Tímido, ele chegaria, anônimo e sorrateiro, até a 202 Norte, na Praça dos Prazeres, e ficaria feliz de ver as pombas do Espírito Santo que desenhou para a Igrejinha da 108 Sul encimando as cabeças em adereços prateados reluzentes. E mais contente ainda em constatar a presença de muitas crianças e muitos jovens em seu bloco. Algumas máscaras que inventou parecem uma suculenta pizza pop derramada. Poderiam ter sido utilizadas em capa de algum disco da Legião Urbana ou do Capital Inicial.

É possível imaginar que, embora registrasse a falta de marchinhas, sentiria o coração bater mais forte no ritmo da fusão de sua arte de vanguarda com a cultural popular do bloco afro Asé Dudu, de Taguatinga, que animou a festa. Somente a cultura pode provocar a interação entre mundos diferentes e transformar energia plástica em energia sonora.
Certamente, Athos sorriria de satisfação ao deparar-se com sua arte apropriada, vestida e colada no corpo em azul e branco. E chegaria ao êxtase máximo se a concentração dos próximos carnavais fosse realizada na belíssima sede definitiva da Fundação Athos Bulcão, que o arquiteto e parceiro João Filgueiras Lima, o Lelé, desenhou para o amigo, no Eixo Monumental, em instante de alta inspiração.


Por: Severino Francisco – Correio Braziliense - Foto/Ilustração: Blog – Google 

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