José Elias de Paula descobriu as propriedades do timbó, mas morreu em
2013: pesquisa recomeçou há pouco tempo com professor de Ceilândia
"A questão é que é algo a longo prazo. Porém, agora, com a decisão
do presidente (norte-americano Barack) Obama, que destinou 1,8 bilhão de
dólares para os estudos, vai sair algo mais rápido" (Pedro Luiz Tauil, do
Núcleo de Medicina Tropical da UnB)
Especialista da Universidade de Brasília fala sobre os avanços da
ciência no combate ao Aedes aegypti. Um remédio contra o mosquito começou a ser
elaborado na instituição, mas morte de professor atrasou o processo. UCB também
desenvolve estudo
Enquanto
população e governo lutam no dia a dia contra o Aedes aegypti, especialistas e
estudiosos no assunto buscam na ciência informações e soluções a respeito. A
expectativa é clarear as muitas dúvidas sobre a dengue e as outras doenças
trazidas pelo mosquito, como a zika e a chicungunha, além de investir em
pesquisas capazes de descobrir vacinas, métodos de infertilização do inseto ou
até a extinção da praga. Na Universidade de Brasília (UnB), uma pesquisa feita
em 2013 sobre o uso da planta Serjania lethalis, também conhecida como timbó,
está sendo reavaliada.
Há três
anos, o professor de botânica José Elias de Paula e o servidor da Prefeitura da
UnB Marcílio Sales começaram a fazer experimentos com um pó feito do caule da
árvore que, dissolvido em água, tinha ação mortal no mosquito. José Elias
morreu ainda em 2013. “Ele era como um pai pra mim. Muito amigo mesmo. Daí, a
gente foi coletar material para pesquisa e, um dia, decidimos testar o timbó. A
ideia do professor era que a pesquisa acontecesse, que funcionários, alunos,
sociedade, todos tivessem acesso à planta para que pudessem fazer o veneno
natural e acabar com esse mal. Ele já previa esse problema com a dengue”,
afirmou Marcílio ao Correio. José Elias morreu pouco tempo após fazer a
descoberta, mas ainda conseguiu comprovar e registrar o uso do timbó no combate
aos insetos.
Mesmo com os efeitos comprovados, a pesquisa só foi
reativada há poucos meses pela universidade. O epidemiologista e professor da
UnB no polo de Ceilândia Marcos Obara voltou a estudar as propriedades da
planta, com seis estudantes da graduação. A reportagem tentou contato com o
professor, mas, segundo a Assessoria de Comunicação da UnB, ele não foi
localizado. “O professor conversou comigo e disse que tinha interesse em
continuar. Não sei por que a pesquisa parou quando o professor morreu, por que
não usaram o remédio, pois esse surto poderia ter sido evitado”, observou
Marcílio.
Longo prazo
Um dos especialistas de Brasília, Pedro Luiz Tauil,
do Núcleo de Medicina Tropical da UnB, reconhece o valor de pequisas sobre o
assunto, mas pondera. “A questão é que é algo a longo prazo. Tem que testar,
validar, e, infelizmente, isso é demorado. Porém, agora, com a decisão do
presidente (norte-americano Barack) Obama, que destinou 1,8 bilhão de dólares
para os estudos, vai sair algo mais rápido”, observou.
Segundo o
professor, hoje, o objetivo básico de todas as pesquisas sobre dengue é para
alcançar o controle do mosquito e a criação de uma vacina eficaz e segura. A
última liberada, explica Pedro, não protege contra todas as variações da
doença. “A vacina protege mais contra um, menos contra outro. E,
operacionalmente, também é muito ruim. É recomendada apenas para pessoas com
mais de 9 e menos de 45 anos. Ou seja, não atende os extremos de idade”, disse.
Sempre
atento a todas as novidades que surgem sobre o tema, o professor ressalta uma
experiência como a mais promissora, testada atualmente pela Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Lá, os cientistas analisam a resposta do
Aedes a uma infecção bacteriana. Os pesquisadores aplicam wolbachia — um gênero
de bactérias que infectam artrópodes, incluindo uma alta taxa de insetos — nos
mosquitos; e o resultado tem sido satisfatório.
“Os
mosquitos que foram infectados passam a não infectantes. Não transmitem mais. É
uma técnica australiana, já foi testada em vários países e, agora, no Rio. Acho
que é a melhor até então”, afirmou. Outra pesquisa, com técnica inglesa, de
conhecimento de Pedro é uma com mosquitos transgênicos. “Os machos que fecundam
as fêmeas silvestres não têm sucesso. A prole não se desenvolve e os mosquitos
vão acabando”, explicou.
Matadora de peixes
A palavra timbó vem do tupi e significa vapor ou
fumaça. É um conjunto de plantas, em grande parte encontradas na forma de cipó.
A casca e a raiz dessas árvores contêm uma substância tóxica, que os indígenas
usavam para pescar. Eles esmagavam essas partes da planta e jogavam o sumo no
rio. Os peixes boiavam, temporariamente inertes, e os nativos aproveitavam para
pegá-los. Em algumas regiões também é chamada de tingui. No sul, algumas
espécies são utilizadas para adubação verde.
Para
saber mais - Os costumes do mosquito
O Aedes aegypti é um mosquito de hábitos
domésticos. Vive dentro ou ao redor da casa e de outras construções
frequentadas por seres humanos. Dessa forma, sempre está próximo do homem. Tem
hábitos preferencialmente diurnos e alimenta-se de sangue humano. Segundo os
pesquisadores, as fêmeas são as responsáveis por transmitir o vírus. A
reprodução dos mosquitos ocorre em água limpa e parada, onde as fêmeas, que
precisam de sangue para fecundar, põem os ovos. Elas costumam picar as pessoas,
geralmente, ao amanhecer e ao entardecer. Escondem-se embaixo dos móveis e nos
cantos das paredes das casas. Eventualmente, o Aedes aegypti pode picar à
noite, quando uma pessoa se aproxima do local no qual ele costuma se esconder.
A contaminação ocorre quando o mosquito introduz o vírus na corrente sanguínea
humana por meio da picada.
O vetor é o alvo
Pedro
Luiz Tauil é um dos maiores especialistas no combate ao Aedes aegypti no
Brasil. Por isso mesmo, acompanha de perto as pesquisas realizadas em todo o
país. Recentemente, fez palestra na Universidade Estadual de São Paulo na qual
detalhou a evolução do mosquito desde 1779. Segundo ele, o trabalho dos
cientistas precisa ser acompanhado por ações do governo, como o diagnóstico
mais rápido. O esforço maior, para o professor, é a eliminação do vetor, também
responsável por transmitir várias doenças, como febre amarela, encefalite
equina e Mayaro.
Tauil cita um estudo feito no arquipélago de
Fernando de Noronha, que utiliza a técnica de energia nuclear no animal. A área
escolhida foi a Vila da Praia da Conceição, onde mosquitos machos,
esterilizados com radiação gama, são liberados no ambiente para competir com os
selvagens na hora do acasalamento. Quando eles conseguem, passam
espermatozóides inviáveis, que são utilizados pelas fêmeas durante todo o seu
processo de postura dos ovos, sem gerar novas larvas do inseto. Como a fêmea do
mosquito costuma ficar disponível para acasalar apenas uma vez ao longo da
vida, o cruzamento com machos estéreis impede a reprodução. O objetivo é que
haja uma diminuição da densidade populacional do Aedes.
Católica
Ainda na capital federal, a Universidade Católica
de Brasília (UCB) tem uma pesquisa em cima do vírus zika que está para sair do
forno. Uma das especialistas à frente da proposta de estudo é a professora de
pós-graduação em ciências genômicas e biotecnologia Paula Andreia Silva.
Segundo ela, a ideia é começar um trabalho para descobrir exatamente qual vírus
circula no Distrito Federal. “Sabemos qual circula no Nordeste, no Rio de
Janeiro, por exemplo, mas as amostras obtidas no DF não têm informação genética
alguma que nos mostre quais são”, explicou Paula, que deu entrada em um pedido
de financiamento público para custear a pesquisa. “Tendo essa informação,
saberemos se é o mesmo que circula em outros estados ou se o genoma é
diferente, justamente para fazermos essa comparação. E o objetivo é poder,
futuramente, isolar esse vírus e propor outros trabalhos, inclusive, dentro do
nosso próprio grupo, no sentido de testes antivirais”, afirmou a professora.
Fonte: Camila Costa – Correio
Braziliense