Por: Ivan Iunes
Quando a primeira manifestação antigoverno Dilma Rousseff foi às ruas,
há um ano, a oposição, em sua maioria, decidiu ficar em casa. Apoiava o
movimento, mas adotou a estratégia de manter distância regulamentar dos
protestos. A estratégia era cautelosa, já que os ecos de junho de 2013 — quando
o grito era contra tudo e contra todos — ainda se mantinham vivos. Um ano
depois, a situação do governo piorou. A avalanche contra Luiz Inácio Lula da
Silva veio impiedosa, a economia desce morro abaixo e a delação premiada de
Delcídio do Amaral (PT-MS) deve atingir diretamente o Palácio do Planalto. No
cálculo político, o clima permitiria um movimento mais arriscado. Os principais
atores oposicionistas convocaram diretamente a população às ruas. E se
programaram para triunfar. Só que a recepção negativa a praticamente todos eles
mostra que o jogo político é mais complexo do que parece.
Análise
das redes sociais elaborada pelo pesquisador Fábio Malini, do Laboratório de
Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do
Espírito Santo (Ufes), mostra que o movimento de ontem não foi restrito à
direita ou aos conservadores. Qualquer tentativa de desqualificar o protesto
por esse caminho, sendo assim, é um erro. Ele foi eclético e atingiu de forma mais
forte o governo Dilma Rousseff, mas não poupou gestões estaduais de PMDB e
PSDB, por exemplo.
Em
relação aos protestos do ano passado, a polarização das redes entre governo e
oposição se desfez. Os que eram pró-Dilma Rousseff se mantiveram, cada vez mais
isolados, dialogando apenas entre si. A parte da oposição, antes dominada por
movimentos conservadores se dissipou, formando um grupo heterogêneo. Em resumo,
os governistas terminaram humilhados, a oposição tradicional foi expulsa da
festa e os neoconservadores organizam, mas não controlam as manifestações. As
ruas estão divorciadas do Poder. Até aqui, não há um ator político que tenha
conseguido construir uma ponte até esse novo eleitor.
Todas as
pessoas que saíram para protestar neste domingo são contra a corrupção, por
óbvio. Foi uníssono o pedido de impeachment de Dilma Rousseff, o apoio à
Lava-Jato, e o sentimento de repulsa ao PT. O consenso, no entanto, terminou
aí. Os possíveis cenários pós-Dilma não agradam à maioria. Caso a chapa
Dilma-Temer seja cassada por crimes eleitorais depois de dezembro, a eleição
para presidente será indireta, restrita a um Congresso dominado pelos
peemedebistas e que consegue ser tão impopular quanto Dilma Rousseff. No outro,
o afastamento pelo Senado, quem assume é Michel Temer. Em ambos, ninguém
ganharia mais do que o PMDB. O problema é que caciques da legenda também foram
hostilizados pelas ruas, especialmente os presidentes das duas Casas, Eduardo
Cunha e Renan Calheiros.
A
impressão que se tem dos protestos é de que a saída do governo atual é ponto
comum a todo manifestante que foi às ruas ontem. O que fazer depois parece ser
uma discussão que a maioria prefere protelar. Mas há um porém aí. Depois que um
governo cai, as composições políticas se movimentam, quase sempre sem que a
vontade da rua seja ouvida. O “depois a gente discute” nunca sai como o
imaginado. E a ordem política atropela as demais. Com a queda de Dilma, quem
assumirá o poder é o PMDB. E ponto.
O fato é
que não foi surpresa para o Palácio do Planalto o tamanho das manifestações
desse domingo. O governo vive, de longe, a sua pior fase. E não dá mostras de
ter forças para dialogar com a sociedade ou virar o jogo da comunicação ou na
economia. Com a Lava-Jato na antessala de Lula, a situação ficou insustentável.
Principalmente, porque nem o mais otimista dos petistas é capaz de apostar que
o partido conseguirá reunir gente nas ruas para abafar as manifestações de
ontem. Os protestos de quarta-feira e do dia 31 certamente reunirão um
contingente maior de defensores do PT do que os do ano passado — principalmente
depois do heterodoxo pedido de prisão preventiva contra o ex-presidente. É
ingenuidade acreditar, no entanto, que reúnam, em um dia útil, uma multidão
próxima da registrada ontem.
Por: Ivan Iunes – Correio Braziliense