Os brasileiros que ocuparam as ruas no domingo
precisam ser ouvidos. Em um ano, o número de manifestantes dobrou. Os 3 milhões
segundo a polícia ou 6,5 milhões de acordo com os organizadores falam alto e em
uníssono: não se identificam com o modelo de representação vigente. A crise
econômica, que empobrece a nação, desemprega trabalhadores, afugenta
investimentos e mantém a escuridão no fim do túnel, foi deixada em segundo
plano. De norte a sul do Brasil, o recado se centrou na política e nos
políticos.
Apartidário,
o movimento se vestiu de verde e amarelo. Não aceitou bandeiras, faixas ou
manifestação deste ou daquele partido. Hostilizou parlamentares, governadores e
prefeitos que se integraram às passeatas. Os ataques se voltaram a quem detém o
poder — o PT e a presidente Dilma Rousseff. Com o ex-presidente Lula, eles se
tornaram símbolo da corrupção que a Lava-Jato vem revelando há dois anos a uma
nação estarrecida com o grau de desenvoltura com que se privatiza o dinheiro
público.
A
multidão que saiu de casa e a que preferiu acompanhar os acontecimentos de
longe deixaram claro que a administração à capitanias hereditárias é modelo
morto sem vez no século 21. Transformar o Estado em quintal que pode ser
partilhado no esquema toma lá dá cá é paradigma que se esgotou. E se esgotou
mal. Deixou rastro de terra arrasada cuja recuperação demanda tempo, empenho e
a participação das forças democráticas que compõem o tecido social.
É
inegável que o sistema político-partidário está em crise. Não só no Brasil. Na
Europa, os partidos tradicionais pós-Segunda Guerra experimentam reformas
substantivas como se observa na Espanha, Itália, França e Alemanha. Nos Estados
Unidos, o quadro se repete. Há alguns anos, era impensável um Donald Trump
pleitear a indicação à Casa Branca. Hoje, ele não só disputa a vaga do Partido
Republicano mas também goza de ampla popularidade entre os eleitores. Pesquisa
que simulava a eleição entre ele e Hillary Clinton mostrou dados espantosos:
Hillary 50%; Trump, 41%.
O Brasil
precisa fazer a leitura do tempo. Aventuras irresponsáveis, que elegem
salvadores da pátria, não têm vez na sociedade do conhecimento, conectada em
todos os níveis. Nem tampouco soluções improvisadas, cuja adoção retarda o
encontro do caminho apto a atender as expectativas dos manifestantes que não
saíram de casa para passear. Saíram para exigir representação que faça jus ao
nome — seja a voz de quem lhe deu o crédito e lhe paga o salário. Trata-se de
desafio que precisa ser encarado. Encontrar a resposta não é fácil. O Congresso
e a sociedade civil — cujo poder as ruas mostraram — têm de se aliar para
desatar o nó.
Fonte:
“Visão” do Correio Braziliense – Foto/Ilustração:Blog-Google