Ainda não há data para o programa de prevenção ao aborto ser votado em
plenário, mas a Comissão de Constituição e Justiça aprovou ontem
Distritais querem dificultar a interrupção da gravidez mesmo que resulte
de violência sexual. Associações feministas criticam fortemente o projeto de
lei.Professor da UnB afirma que matéria não traz novidades na discussão sobre o
assunto
Está pronto para ser votado em plenário o projeto de lei (PL) que
“estabelece diretrizes para a implantação do programa distrital de prevenção ao
aborto, abandono de incapaz e administração das casas de apoio à vida”. A
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Legislativa seguiu os passos
da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Casa,
que deu parecer favorável no ano passado, e aprovou a matéria ontem. Entre
outros pontos polêmicos, o PL visa dificultar o aborto até mesmo em casos de
estupro. Coletivos feministas reclamam da “falta de sensibilidade” com a
violência sexual por parte dos deputados. Especialista em direito
constitucional classifica a medida como “algo para mostrar serviço” ao
eleitorado.
O tema é
sensível à bancada evangélica, que engloba um terço dos distritais da atual
legislatura. O idealizador da proposta, Rafael Prudente (PMDB), é um deles. A
relatora na CCJ e autora do substitutivo aprovado no âmbito da comissão, Sandra
Faraj (SD), também. Ontem, a matéria recebeu votos favoráveis de três
deputados: além da própria Sandra, Bispo Renato Andrade (PR) e Raimundo Ribeiro
(PPS). Chico Leite (Rede) e Robério Negreiros (sem partido) não compareceram à
reunião em que foram aprovadas as diretrizes para a prevenção de abortos,
inclusive em casos de violência sexual (veja O que diz o projeto de lei).
A matéria
já repercutiu entre associações feministas. O Centro Feminista de Estudos e
Assessoria (Cfemea) manifestou repúdio ao projeto de lei por “não se atentar ao
código penal, que garante à mulher acesso às informações e ao abortamento legal
em casos de violência sexual”. “O que mais choca é a falta de sensibilidade a
uma forma de violência tão brutal, como o estupro. Argumentam-se em defesa da
vida, mas se esquecem da vida da mulher”, critica a assessora técnica do Cfemea
Masra Andrade. “Como você coloca alguém como mãe de um estupro? Esse projeto,
assim como o estatuto do nascituro em âmbito federal, visa dificultar ainda
mais o processo de abortamento legal”, afirma.
Segundo
Débora Diniz, pesquisadora da organização não governamental Anis — Instituto de
Bioética, o projeto ignora as mulheres que não querem ter filhos. “Um programa
distrital de prevenção e cuidado à mulher vítima de violência sexual e que
inclua o aborto só pode ser feito de duas maneiras: cuidando das que queiram
interromper a gravidez e das que desejam mantê-la. Esse projeto não reconhece
as mulheres que não querem se manter grávidas após um estupro”, argumenta. “Em
todo o artigo 2º não existe mulher vítima de violência sexual ou em sofrimento,
somente ‘mãe’. Não é uma troca ingênua”, continua. Diniz argumenta que a
matéria prevê o que a política nacional de saúde já estabelece, e ainda ignora
o fato de a mulher poder interromper a gestação.
“Nada novo”
Na visão do professor de direito constitucional da Universidade de
Brasília (UnB) Mamede Said, o texto reproduz parte do que é estabelecido em
âmbito nacional e não apresenta inovações. “Parece-me ser algo para mostrar
serviço. O parlamentar dá a entender que está impulsionando o GDF a estabelecer
um programa, mas não traz nada novo”, diz. “O projeto, pretensamente,
estabelece inovações, mas não muda o quadro, pois se o GDF fosse implantar um
programa, o próprio Executivo estabeleceria a norma”, explica.
Questionada
sobre o posicionamento feminista e jurídico, Sandra Faraj argumenta ser a
“favor da vida”. “(Ser favorável ao aborto) é uma visão feminista, e eu tenho o
meu jeito de ver. A partir da concepção, há vida”, opina a deputada. “As
feministas acham que têm o direito de matar. O feto não é um alongamento do
corpo da mulher, é outra vida”, continua. Na justificação do PL, Rafael
Prudente (PMDB) afirma ser necessário “erradicar ou eliminar substancialmente o
aborto, propiciando segurança à saúde e vida das mulheres”.
O que diz a lei
Confira o artigo que estabelece diretrizes para a implantação do
programa distrital de prevenção ao aborto, abandono de incapaz e administração
de casas de apoio à vida:
Art. 2º — São diretrizes da política de que trata esta lei, nos casos de
estupro, gravidez indesejada, ou acidental, em que a mulher não dispuser de
meios e apoio para uma gestação segura, com a anuência da mesma:
I — a oferta de assistência social, psicológica e pré-natal, inclusive
laboratorial, de forma gratuita, por ocasião da gestação, do parto e do período
puerpério;
II — a concessão à mãe do direito de registrar o recém-nascido como seu,
ainda na maternidade, assumindo o poder de família;
III — a garantia da inclusão da mãe nos programas de assistência e geração de
renda até que esta consiga suprir as necessidades da família;
IV — orientação e encaminhamento, por meio da Defensoria Pública, nos
procedimentos de adoção, se assim for a vontade da mãe e da família;
V — a instituição, diretamente ou sob forma de convênio com o Poder
Público, rede de atendimento à saúde da mulher;
VI — assegurar que, caso a mãe possua outros filhos em idade escolar,
as casas tratarão de confirmar o cadastro dos mesmos na rede pública de ensino
do Distrito Federal.
Fonte: Guilherme
Pera – Foto: Antonio Cunha/CB/D.A.Press – Correio Braziliense