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#Uma "Viagem" com Marianne Peretti - ( Artista plástica responsável pelos vitrais mais belos da Capital Federal )

Sua obra mais conhecida são os vitrais da Catedral de Brasília
A obra foi uma insistência de Niemeyer. “O céu de Brasília é tão bonito, não precisa de vitrais”, retrucava Marianne para o arquiteto, quando ele pedia para ela os criar. A igreja já estava pronta há uma década, mas Niemeyer sempre dizia que precisava de vitrais. “Toda catedral tem vitrais”, justificava. O trabalho iniciou com a troca dos vidros externos, que estavam marrons. Depois, Marianne pediu para que as colunas fossem pintadas de branco pelo lado de dentro. Ela então começou a desenhar. Tinha uma equipe de três ajudantes. “Não havia outra forma de desenvolver a ideia que não fosse desenhando à mão”, relatou Marianne no livro.
Artista plástica responsável pelos vitrais mais belos da Capital Federal - Confira:
Imensas folhas de papel vegetal alinhadas sobre o chão. O lápis lentamente desenhava os longos traços que formariam os enormes vitrais de uma moderna catedral. A obra da artista não nasce somente da inspiração, é preciso entregar-se fisicamente ao árduo trabalho braçal. Era a década de 80, os computadores ainda não estavam à disposição, as ferramentas de trabalho eram a mão, o lápis e o papel. Dias, semanas, meses debruçada sobre o chão para fazer nascer as curvas, as cores, a arte.

Seus desenhos formavam a escala real da pintura final dos 16 vitrais triangulares, com 30 metros de altura e base de dez metros cada um. Estavam dispostos lado a lado para que a ilustração tivesse a continuidade de um vitral para o outro. Perfeccionista, a mulher ficava de pé e analisava tudo. Subia e descia os degraus do Ginásio Nilson Nelson, que era a sua base de trabalho e o único local capaz de abrigar a dimensão da obra. Do alto da arquibancada, pegava um binóculo e olhava o resultado das imagens estendidas na quadra. Descia novamente para fazer ajustes. Foram dias assim, ela nem sabe precisar quantos.
Vitral que decora o Salão Verde, na Câmara dos Deputados 
O grande esforço físico e a dedicação artística da franco-brasileira Marianne Peretti ficaram marcados na Catedral de Brasília. E, também, no corpo da artista. “Dei muito de mim nesse trabalho. Fisicamente falando. Tenho sérios problemas de coluna por causa desta obra maravilhosa. Uma parte de mim está lá”, declarou a artista de 87 anos, em entrevista à revista GPS|Brasília.
 
O concreto de Oscar Niemeyer era como um papel em branco para ser preenchido pelo colorido da arte de Marianne. Os vitrais da artista se encaixavam perfeitamente com seus monumentos. Era a única mulher de sua equipe de artistas. Criou obras importantes em Brasília e pelo Brasil. Mas, ela admite: há uma falta reconhecimento por seu trabalho. Parte, talvez, por ser mulher. “O brasileiro é machista”.
 
Com sensibilidade e persistência venceu preconceitos e deixou a sua marca virar patrimônio histórico da humanidade. Ela é a mais importante vitralista brasileira, porém, como esse tipo de arte é pouco estudada no Brasil, ela quase não é conhecida por aqui, mesmo com suas seis décadas de carreira. Poucos sabem que está viva e em plena atividade.
O vitral da Capela do Palácio do Jaburu
Atualmente, tem viajado lançando o livro Marianne Peretti – A Ousadia da Invenção, organizado por Tactiana Braga e Laurindo Pontes e que reúne em 348 páginas sua obra. Depois de Paris, Recife e São Paulo, a publicação bilíngue – em francês e português – será lançada em Brasília em dezembro, na Embaixada da França. “Sempre senti falta de um livro sobre meu trabalho. Gente que não conhecia minha obra agora pode conhecer. É um importante reconhecimento”, declara.

A artista nunca viveu na Capital, mas deixou sua delicadeza por aqui. Seja nos famosos vitrais da Catedral, no Panteão da Pátria, no salão verde da Câmara dos Deputados, na fachada do Superior Tribunal de Justiça, na câmara mortuária no Memorial JK.

Marianne hoje caminha com a coluna curvada por conta da escoliose. Não perde a elegância. Usa calças de tecido, camisas brancas impecavelmente lavadas e engomadas e um lenço no pescoço. Os cabelos na altura do ombro, uma maquiagem leve e os óculos completam o visual.

O seu porte denuncia a origem francesa. Fala com delicadeza, baixinho e com um sotaque que nunca lhe abandonou, mesmo vivendo há mais de 50 anos no Brasil. Gosta de conversar e se interessa por diversos assuntos. É de uma modernidade desconcertante quando se pensa numa senhora de quase 90 anos. Possui um espírito vibrante, dinâmico e atento. Não frequenta igreja. Um dia desses, soltou para amigos: “Mas se fulano não pecou, não deve ser interessante. As pessoas que pecam são muito mais interessantes”.
Escultura na Câmara dos Deputados
Ela mora sozinha em Olinda, Pernambuco. Separada, tem apenas uma filha, que reside em Paris. Marianne vive em um sítio repleto de árvores e cachorros. Logo na entrada, um cajueiro enorme dá as boas-vindas. Lá, fica a casa e o ateliê. Janelas e portas, esculturas, vitral em forma de pássaro e móveis foram criados por ela. Ao olhar para o seu cotidiano é possível observar como a arte é capaz de renovar e rejuvenescer a alma. Talvez, este amor pelo trabalho seja o segredo de uma vida longa.
 
Diariamente, recebe visitas de clientes e amigos. No escritório, ela tem uma mesa com livros, revistas, papéis e esboços de trabalho – ela adora desenhar por lá. “Dentro da desorganização tem a minha própria organização”, brinca. O telefone fica perto da mesa, ao lado de um bloquinho de anotações. “Os melhores desenhos surgem quando eu estou falando ao telefone”, diz.  
 
A rotina começa às 6h, Marianne prepara seu café e lê os jornais. Segue para o ateliê para coordenar a equipe. “Acredito que o artista não para nunca. Produzo muitas obras ao mesmo tempo. Eu desenho na minha sala, temos um galpão para os trabalhos grandes e outras duas salas pequenas para acabamento”, conta. Além das obras novas, Marianne mantém um espaço onde restaura peças e faz manutenção, por exemplo, quando algum cliente muda de endereço e a obra precisa se adequar ao novo espaço.
 
Atualmente, desenvolve a obra A Árvore da Vida, uma escultura em ferro, vidro e aço com 13 metros de altura que será instalada em uma escola no Recife. Por lá, tem mais de 200 obras. Em Brasília, outras tantas que nem sabe quantificar. Além de Paris, sua cidade natal. “A arte é minha vida”, resume.
 
A Catedral
Sem dúvidas, o trabalho mais importante de Marianne Peretti é na Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida. Ao entrar no monumento, não é possível imaginá-lo sem seus vitrais. Eles estão super integrados ao projeto de Oscar Niemeyer. Os raios de sol atravessam os vidros e ressaltam o azul, verde e branco, formando curvas coloridas no chão de mármore claro. Com o branco das colunas e os anjos flutuantes de Alfredo Ceschiatti, compõem a atmosfera de paz.
Sua obra mais conhecida são os vitrais da Catedral de Brasília
A obra foi uma insistência de Niemeyer. “O céu de Brasília é tão bonito, não precisa de vitrais”, retrucava Marianne para o arquiteto, quando ele pedia para ela os criar. A igreja já estava pronta há uma década, mas Niemeyer sempre dizia que precisava de vitrais. “Toda catedral tem vitrais”, justificava. O trabalho iniciou com a troca dos vidros externos, que estavam marrons. Depois, Marianne pediu para que as colunas fossem pintadas de branco pelo lado de dentro. Ela então começou a desenhar. Tinha uma equipe de três ajudantes. “Não havia outra forma de desenvolver a ideia que não fosse desenhando à mão”, relatou Marianne no livro.

Niemeyer visitou Marianne uma vez para ver o primeiro vitral pronto. Olhou e limitou-se a dizer: “Continue”. Em uma carta escrita em dezembro de 1991, reproduzida no livro, disse: “Me emocionava vê-la durante meses debruçada a desenhar os vitrais da Catedral de Brasília. Eram centenas de folhas de papel vegetal que coladas representavam um gomo da catedral”. Foram longos meses de trabalho. “Era um trabalho exaustivo. Cada parte que fazia, emagrecia de 3kg a 4kg. Fiquei com um deslocamento na coluna, uma escoliose terrível, que tenho até hoje”, relata no livro.

Franco-brasileira
Nascida na França em 13 de dezembro de 1927, foi lá que teve os primeiros contatos com a arte. Filha da modelo francesa Antoinette Louise Clotilde Ruffier e do historiador pernambucano João de Medeiros Peretti, Marie Anne Antoinette Hélène Peretti desde cedo demonstrava seu interesse pela vida artística: foi expulsa do colégio por matar aulas para desenhar nos museus.


Adotou o nome de Marianne para se diferenciar de uma colega de classe que chamava Ana Maria Peretti. Seu pai era colecionador de antiguidades. Cresceu visitando galerias de arte e museus em Paris, em meio a artistas e intelectuais. Arte era a única coisa que a interessava. Aos 15 anos, Marianne tornou-se a aluna mais nova da École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs, e aprendeu as primeiras lições sobre desenho e pintura. Depois, frequentou a Académie de la Grande Chaumière, em Montparnasse.

Marianne Peretti
Conheceu o Brasil aos 20 anos, quando morou um ano no Recife. Voltou à Paris e continuou fazendo ilustrações, publicadas em livros e revistas. Viajou pela Europa para aperfeiçoar seus conhecimentos em arte. Tinha 25 anos em sua primeira exposição. Salvador Dali, certa vez, ao conhecer a sua obra, disse: “Você não é uma artista burguesa”.
 
Logo que perdeu o pai, casou-se e mudou-se de vez para o Brasil, em 1953. O marido, o inglês Henry Albert Gilbert, tinha negócios em São Paulo. Era o início da vida em terras tupiniquins. Por lá, continuou a produzir arte. Engravidou e, em janeiro de 1956, nasceu sua única filha, Isabella. Quando a menina tinha apenas três anos, Marianne se separou de Henry, mas decidiu continuar vivendo no Brasil. Dividia seu tempo entre São Paulo e Recife.
 
Parceria com Niemeyer
As famosas curvas de Niemeyer se encontraram com o movimento de Marianne. Ela visitava a mãe em Paris, quando viu pela televisão um prédio criado por Oscar Niemeyer em Milão, na Itália. No dia seguinte, pegou um avião e foi para lá. Apaixonou-se pelo prédio. Quando voltou ao Brasil, fez uma escala no Rio de Janeiro e decidiu visitar Niemeyer em seu escritório. “Acabei de ver seu projeto em Milão. É maravilhoso”, disse a ele. Marianne pediu a Oscar para fazer algum trabalho com ele. Marianne, então, fez o painel de vidro transparente no Palácio do Jaburu, residência oficial dos vice-presidentes.
 
Inicialmente, ela faria apenas esse trabalho. Não se sabia como a obra de Marianne, conhecida pela sua ousadia, seria aceita em Brasília. Mas a receptividade foi grande. Marianne tornou-se a única mulher na equipe artística de Niemeyer, ao lado de Athos Bulcão, Alfredo Ceschiatti e Roberto Burle Marx. Foram mais de 20 anos de parceria. Era o toque feminino na arquitetura moderna.

Vitral na câmara mortuária do Memorial JK

O ritmo de trabalho era intenso, assim como tinha sido a criação de Brasília. “A medida que eu finalizava uma obra, outra maior ele me oferecia para criar. Oscar chegava e dizia para ver tal prédio, que ele queria que tivesse uma obra de arte ali. Ele estava sempre com pressa”, relata, em seu livro. “Ele [Oscar] sempre me deu liberdade de criação. Por isso esse conjunto de obras monumentais continua atual, moderno. Uma fantasia que criei para esta cidade, de arquitetura inventiva”, diz Marianne, sobre Brasília.

No salão verde da Câmara dos Deputados, um painel em vidro temperado, batizado de Araguaia, com sobreposição de peças de vidro. Na entrada do Teatro Nacional, uma escultura em bronze chama atenção: O Pássaro. Além da fachada do STJ, fez uma obra intitulada A mão de Deus, no plenário, em azul e branco. Sem esquecer o Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes.

Marianne é muito mais que a artista que fez os vitrais da Catedral. Ela marcou Brasília com sua cor. E Brasília tornou-se parte da sua vida. Impossível imaginar uma sem a outra. “Se tirar minhas coisas, fica um branco enorme”, costuma dizer. Ela é uma francesa de alma pernambucana que, por que não, também é uma candanga.

Francesa e brasileira

Sou francesa porque nasci em Paris. Mas fui registrada como brasileira com dois dias de vida. Sempre tive dupla nacionalidade. Gosto do Brasil e não cogito morar na França, mas tenho as duas pátrias dentro de mim. Adoro o sol e a liberdade que a gente sente aqui.

Brasília
Eu cheguei num momento ótimo. Oscar já tinha feito os principais projetos, mas sua arquitetura precisava de um toque, porque era muito dura. Ele me deu espaço para criar em toda a cidade. Brasília é bonita porque tem arte por onde você anda.

Parceria com Niemeyer

Ele ficou contente ao me encontrar, pois não tinha uma pessoa que o entendia e dialogava com a arquitetura. Cada um contribuía de um jeito. Athos, Ceschiatti. Eu trazia a leveza. Ele me dava liberdade de criar e confiava demais no meu trabalho.

Lições do arquiteto
Ele sempre me pedia as coisas “pra ontem”. E eu me acostumei. Até acho bom trabalhar em ritmo acelerado, com rapidez. Você pensa menos e as ideia surgem direto do coração.

Viver de arte
É claro que é difícil viver de arte no Brasil. Mas é mais fácil que na Europa. Os brasileiros são mais abertos ao novo. Gostam de ter obras em suas casas, em seus prédios, suas empresas.

Visita à Capital
Eu gosto muito de ir a Brasília. Tem um pouco de mim por aqui. É como se voltasse a um lugar que vai me emocionar sempre. Quando vou, percebo que a cidade mudou muito. Cresceu. Sinto-me parte da cidade.

Trabalho atual
Estou desenvolvendo uma árvore de 13 metros de altura, em ferro laqueado, que será instalada na fachada de uma escola particular no Recife. É grande, mas nem levou muito tempo. Aprendi com Oscar a fazer as coisas rapidamente. Também tenho dedicado um bom tempo ao lançamento do livro e  palestras nas escolas de arte e arquitetura.



Fonte: Portal GPS Brasília - Colaboração: Marcella Oliveira

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