Mariana Negreiros acredita que os usuários mais
prejudicados serão aqueles que usam a rede como instrumento de trabalho
"Usuários querem evitar que as operadoras limitem o
acesso dos planos fixos. Anatel informou que as telefônicas estão proibidas de
reduzir a velocidade, suspender o serviço ou cobrar pelo excedente. Para
especialistas, proposta é uma afronta à lei"
Diante da possibilidade da limitação do uso de
internet fixa, usuários se mobilizam para impedir que as empresas alterem as
regras de contrato. A intenção das operadoras de telefonia é comercializar o
serviço baseado em pacotes de dados, não levando em conta a velocidade, como
ocorre nos planos móveis. Isso significa que, dependendo da quantia contratada,
o cliente terá o serviço suspenso após atingir a quota de dados. Nas redes
sociais, internautas de todas as partes do país lutam contra a medida. Uma
petição eletrônica ganha milhares de assinatura a cada hora. Especialistas
alertam que a prática fere de uma vez o Marco Civil da Internet e também o
Código de Defesa do Consumidor (CDC). Mesmo diante disso, as empresas alegam
que a regra de corte é uma tendência de mercado.
A mobilização, porém, começa a surtir efeito. Na
sexta-feira, o Conselho Diretor da Anatel informou que as telefonias estão
proibidas de reduzir a velocidade, suspender o serviço ou cobrar pelo tráfego
excedente nos casos em que os consumidores utilizarem toda a franquia
contratada. Em nota no Facebook, a empresa informou que, até a conclusão do
processo, sem prazo determinado, as prestadoras deverão seguir as orientações,
“ainda que tais ações estejam previstas em contrato de adesão ou plano de
serviço”. Na última segunda-feira, a Superintendência de Relações com
Consumidores já havia proibido, em caráter preventivo, a limitação da internet
fixa. Com a decisão da sexta, o processo passa a ser de responsabilidade do
Conselho Diretor da Agência.
O tema ganhou destaque após anúncio de transação da
Vivo e da GVT. Com a incorporação, a operadora também informou que passaria a
bloquear o serviço em caso de estouro da franquia de dados. Para continuar com
o acesso, o usuário deveria pagar por um pacote extra de dados. O temor dos
consumidores é de que, com essas novas regras, não seja possível usufruir da
internet da forma como já estão acostumados. Ao assistir a uma hora de séries
ou filmes pelo Netflix, por exemplo, pode consumir até 7GB por hora da franquia
da internet. Ou seja, um internauta que possuir um plano com 10GB de rede (o
mais barato oferecido pela maioria das operadoras) não poderá assistir a mais
do que dois episódios de 40 minutos em um mês, caso não queira ter a internet
cortada.
Trabalho
Internautas, como a estudante de odontologia
Mariana Negreiros, 22 anos, temem a medida por parte das operadoras. Ela usa a
internet em casa, principalmente para estudar, ver filmes e seriados. “Eu sou
contra. Não faz sentido as operadoras limitarem o serviço. Muitas pessoas
utilizam a internet para trabalhar, por exemplo. Os youtubers precisam de
muitos dados para carregar os vídeos”, exemplifica. A jovem usa a rede tanto no
computador quanto na televisão com acesso. “Isso vai encarecer os contratos.
Ninguém vai conseguir sustentar, o brasileiro vai deixar de usar a internet.”
Bruno dos Santos Costa, 30 anos, além de usar a
internet para atividades profissionais, acessa a rede para assistir a séries,
filmes, clipes e jogar nas horas de folga. “É um absurdo. Isso equivale a
limitar o uso de água e luz”, compara. O professor de inglês considera a medida
como uma forma de as empresas cobrarem mais dos clientes. “É complicado, pois
não dará para fazer mais nada na internet. O serviço, atualmente, já é caro, e querem
torná-lo mais ainda. Para se ter mais acesso, teremos que pagar mais”, reclama.
A Associação dos Consumidores (Proteste) entrou com
uma ação judicial para impedir as operadoras de comercializar novos planos com
previsão de bloqueio à conexão no fim da internet fixa. “Essa prática causa
danos ao consumidor, pois o serviço de internet é considerado essencial para o
exercício da cidadania. O Marco Civil da Internet diz que a suspensão só pode
ocorrer diante da inadimplência”, apontou a coordenadora institucional da
Proteste, Maria Inês Dolci. “As empresas vêm ao longo dos anos atraindo cada
vez mais clientes para a base, isso tudo sem fazer investimentos. A qualidade
dos serviços não é atingida e agora querem trazer prejuízos aos clientes. Não
vamos permitir que esse absurdo ocorra”, completa.
Investigação
A Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor
(Prodecon) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
abriu uma investigação em âmbito nacional para verificar a proposta das operadoras
de oferecer pacotes de dados para internet fixa, limitando assim o seu uso. O
promotor Paulo Roberto Binichescki acredita que a prática afetaria
principalmente no modo de o usuário usar a rede. “Isso é um problema. O Marco
Civil da Internet diz que os dados não podem ser discriminados. O cliente deve
usar como quiser. Ele passaria a pensar antes o que acessar”, expõe. Para
Binichescki, a limitação também interromperia o surgimento de outras
tecnologias. “Aquelas que estão no mercado podem permanecer, mas não haverá
condições de surgir concorrentes. Isso significa um retrocesso. Voltar a época
de surgimento da internet.” A Prodecon também acionou o Ministério Público
Federal e a Anatel para rever o posicionamento da nova conduta proposta pelas
empresas.
O vice-presidente do Instituto Brasileiro de
Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), José Augusto Peres, entende a
limitação de franquia para internet fixa, como uma maneira de as empresas
maximizarem seus lucros, causando danos ao consumidor. “As grandes operadoras
de telefonia vêm perdendo lucratividade na área, com a chegada dos serviços de
VoIP, e agora querendo encontrar uma forma de continuar lucrando. Desta vez,
prejudicando os usuários da rede”, aponta. Segundo Peres, a prática também prejudicaria
empresas de outros segmentos, uma vez que impactaria o serviço de e-commerce e
também o uso do serviço nos escritórios. “As vendas on-line podem ser
extremamente prejudicadas. Com menos acesso, as pessoas vão evitar usar a rede.
A luta contra esse abuso não deve ser apenas do consumidor, mas também é
importante que as empresas se aliem contra isso”, considera o especialista.
Fonte: Thiago Soares – Foto: Jhonatan Vieira/Esp.CB/D.A.Press – Correio
Braziliense