"Precisamos aumentar o nível de pesquisa naquela população (de
Brazlândia) para saber o que está ocorrendo. Pode até estar circulando outro
tipo de vírus que a gente não conhece"
Especialista já acompanhou mais de 700 diagnósticos só este ano para
analisar os sorotipos de dengue que circulam pela cidade. A equipe dele também
monitora outros micro-organismos, como o H1N1
Em apenas três meses, a capital federal registrou
98% dos casos de dengue notificados em todo o ano passado. Ao todo, a
Secretaria de Saúde apontou 10.218 infecções — 1,3 mil em moradores do Entorno.
Em 2015 inteiro, a marca alcançou 10.338 pessoas. Durante os últimos sete dias,
houve 1.168 novas contaminações pelo Aedes aegypti — alta de 12,9%. Sete
pessoas morreram em 2016.
Alguns dos diagnósticos passam pelo Núcleo de
Virologia do Laboratório Central (Lacen-DF). O chefe da unidade, o biólogo
especialista em medicina tropical Paulo Prado, acompanha os resultados
pessoalmente. Hoje, é uma das pessoas que mais sabe sobre a situação virológica
da cidade. Só este ano, o órgão analisou 703 amostras e isolou 141 para
identificar os sorotipos de dengue circulantes. Em 65% dos casos, a variante 1
é a responsável pela doença; em 29%, a 2, em 2,1%, a 3; e em 3,5% a 4. Esses e
outros vírus, como os que transmitem as gripes H1N1 e Influenza B, são
monitorados.
“Para combatermos as doenças, precisamos saber o
que circula na nossa população. Os diagnósticos ajudam a construir mecanismos
para interromper a transmissão e conter o avanço do mal”, explica o biólogo
Paulo Prado. Na instituição desde 2010, ele detalha a condição virológica da
capital. “Já notificamos pessoas com os tipos 1 e 2 de dengue. É raro, mas é
possível”, conta.
Com base no trabalho de Prado e equipe, mais um
Boletim Epidemiológico foi divulgado na noite de ontem. O documento mostra que
40 casos de zika já estão confirmados — sendo 11 em gestantes. Em 65% das
situações, a infecção ocorreu na cidade. Dos 428 casos suspeitos de chicungunha
notificados pelo governo local, 41 estão confirmados. O número é 1.750% maior
do que o do ano passado, quando houve dois. A pasta garante que apenas oito
casos (21,6%) são autóctones, ou seja, contraídos na capital.
Pode haver subnotificação dos casos de dengue,
chicungunha e zika?
Acredito que sim. Até o quinto dia, o paciente tem
a circulação do vírus no organismo. Nesse período, conseguimos identificar a
doença pelo exame PCR (Proteína C Reativa). Depois, não se tem vírus, mas sim,
os anticorpos que estão combatendo aquele micro-organismo. Para termos o
diagnóstico, utilizamos o exame de sorologia, que consegue detectar até três ou
quatro meses depois a circulação desse anticorpo. Hoje, fazemos sorologia para
dengue e chicungunha, por isso, há um aumento significativo dos casos,
sobretudo da segunda doença. Nos próximos meses, vamos começar a fazer de zika.
Logo, o índice vai crescer.
Qual a dificuldade de se fazer a sorologia para a
zika? Sai mais caro para os cofres públicos?
Não, é mais barato. A dificuldade é conseguir uma
metodologia sorológica específica. Dengue, chicungunha e zika são parentes.
Quando fazemos a sorologia para os anticorpos, muitas vezes, podemos ter reação
cruzada. É possível ocorrer um diagnóstico positivo de dengue, mas é febre
amarela, por exemplo: são vírus muito próximos. Não estamos conseguindo um
diagnóstico muito preciso na sorologia de zika.
Os testes rápidos são seguros?
Esses testes devem ser muito bem avaliados.
Realmente, são metodologias rápidas e oportunas para a saúde pública. Nós, como
poder público, temos que ter o cuidado na avaliação. Fizemos a análise de uma
empresa que forneceria kits para o DF. O material não teve um bom
desempenho e não foi comprado. Quanto menor a margem de erro, melhor é. É
importante termos um diagnóstico rápido para o paciente e barato para o poder
público. Mas, em casos de testes deficientes, podemos desencadear o aumento de
mortes, subnotificação de doenças. Por isso, uma compra pode demorar e a rede
ficar desabastecida.
O diagnóstico é lento? O tratamento depende desse
resultado?
A extração do material genético leva até 2 horas; o
exame, mais uma hora. É uma metodologia rápida, mas, por causa do momento que
estamos vivendo, demanda mais tempo. Não temos uma grande equipe. Há 40 pessoas
no Núcleo de Virologia, mas apenas três executam o serviço. O resultado tem
saído entre 3 e 4 dias. Temos recebidos, em média, 50 amostras de pacientes do
DF para análise por dia. Além dessas, atendemos Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso
do Sul e Tocantins. Já chegamos a receber 100 amostras de Mato Grosso e
liberamos os resultados em 20 dias. O paciente é tratado enquanto analisamos o
vírus causador da doença, independentemente da situação.
Apenas o diagnóstico clínico basta? Por que a
população como um todo não é submetida ao exame laboratorial?
O diagnóstico do médico é seguro e soberano. E
muito caro. Em média, para cada amostra analisada, ou seja, cada vírus
identificado sai em torno de R$ 150. Essa não é uma metodologia usada em
esquema de rotina, mas sim na alta e na média complexidades. O trabalho serve
para monitorar os vírus que circulam na cidade. Em situações excepcionais, o
médico envia amostras do paciente para fazermos a análise antes de fechar o
diagnóstico.
Essas informações norteiam o trabalho da Vigilância
Epidemiológica?
Para combatermos as doenças, temos saber o que está
circulando na nossa população. Os diagnósticos ajudam a construir mecanismos
para interromper a transmissão e conter o avanço do mal. Por exemplo:
Brazlândia tem se destacado na epidemia este ano. A partir da próxima semana,
vamos receber até 20 amostras da cidade a fim de averiguarmos os vírus que
estão por lá. Vamos fazer testes para todos os tipos de dengue, chicungunha e
zika. Precisamos aumentar o nível de pesquisa naquela população para saber o
que está ocorrendo. Pode até estar circulando outro tipo de vírus que a gente
não conhece.
O monitoramento das doenças transmitidas pelo Aedes
aegypti demorou a começar? Isso explicaria a tríplice epidemia que vivemos
hoje?
Em agosto de 2015, o DF fazia análises para zika. O
primeiro caso foi de um visitante do Nordeste. Depois, vieram os casos de Santo
Antônio do Descoberto até chegarmos à situação que ocorreu na Asa Norte. Logo
que identificamos a circulação do vírus aqui, notificamos a Vigilância
Epidemiológica para tentar bloquear a transmissão. Temos um panorama fidedigno
e ações de acordo com a realidade da saúde pública.
Este ano, o tipo 3 da dengue voltou a circular no
DF. O vírus foi identificado rapidamente?
Com o exame de PCR, começamos a identificar vírus
que antes passavam despercebidos. Historicamente, o tipo 1 da dengue circula
mais na cidade. Depois, a variante 2. Este ano, quando identificamos o sorotipo
3 (em um morador de Taguatinga), pedimos para a Vigilância Epidemiológica
monitorar a região.
Já tivemos casos de pacientes terem mais de uma
infecção transmitida pelo mosquito ao mesmo tempo?
Já notificamos pessoas com os tipos 1 e 2 de
dengue. É raro, mas é possível. Este ano, já tivemos situações dessas no DF. Um
paciente de Goiás, que analisamos a amostra, teve zika e chicungunha. Esses
quadros de coinfecção são confirmados com muito cuidado.
Quais outros vírus são monitorados nesse
regime?
O exame PRC é usado para bactérias e fungos. Essa é
uma das metodologias mais utilizadas. Hoje, acompanhamos o desenvolvimento da
tuberculose, hepatites, rotavírus, todos os tipos de dengue, chicungunha e
zika.
E os vírus da gripe?
Ao todo, monitoramos 11 tipos de vírus que causam
infecções respiratórias. Existem protocolos para muitas doenças. Agora, o que
mais avaliamos é a circulação da Influenza B e do H1N1 que apresentaram
aumento.
Fonte: Otávio Augusto – Foto: Helio Montferre-Esp-/CB/D.A.Press – Correio Braziliense