Em entrevista concedida a emissora
de tevê, nessa quinta-feira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma
análise bastante lúcida do atual momento político, a começar pela constatação
de que o país vive não uma crise, mas várias. A entrevista foi ao ar exatamente
na data que marca os 52 anos do golpe militar e no mesmo dia em que o governo
arregimentou, segundo cálculos da Polícia Militar, 150 mil nas principais
cidades brasileiras, contra o impeachment.
Apontada por FHC, a primeira grande crise, é de ordem econômica e
decorre, segundo ele, de uma falsa avaliação das oscilações dos mercados
internacionais (2006/2007/2008) e que levaram o governo a abandonar a política
de responsabilidade fiscal, que vinha seguindo com certo êxito, para, em
seguida, adotar diretriz dentro chamada nova matriz econômica.
“Naquele momento houve um sinal que foi mal interpretado pelos que
mandavam no Brasil. Dessa forma, as medidas de bom senso, que vinham sendo
adotadas e que não obedeciam a nenhuma fórmula neoliberal, já que as contas
públicas precisam ser organizadas e, até certo ponto controladas, foram postas
de lado.
Na avaliação de FHC, naquele momento houve falsa sensação de que, com a
oferta abundante de crédito tudo era possível. Foi nesse instante que teve
início movimento de frouxidão nas contas do Estado. Também a utilização
exagerada do BNDES, como alavanca do crescimento, geraria problemas futuros,
pois, segundo disse, uma superdosagem na utilização desse banco, como fonte de
crédito, deu ao governo a falsa sensação de ser todo-poderoso e que, portanto,
podia tudo.
A formação do que chamou “anéis burocráticos”, juntando setores do
Estado e setores produtivos e que foi a base da nova matriz econômica, durou
pouco e, quando isso começou a se desfazer, começou a crise do Brasil,
agravada, disse, pela queda nos preços das commodities.
Com a desilusão no modelo, as classes empresariais e média se retraíram
e houve o colapso daquela política. FHC se mostrou surpreso com a rapidez com
que o governo perdeu apoios na sociedade. “Não é só questão de popularidade,
mas, sobretudo, de credibilidade”, afirmou o ex-presidente. Nesse quesito,
avalia, começa a haver não só uma crise de governabilidade, mas também de
condução do próprio processo político.
Basta observar a diferença do entusiasmo petista nas ruas. O PT de hoje
é bem diferente daquele PT onde ninguém recebia um tostão para agitar as
bandeiras no período de disputa eleitoral. Os filiados ao partido eram
espontâneos. Ninguém via uma caravana de ônibus, com comida, uniforme e um
dinheirinho distribuído para agitarem a bandeira vermelha. O partido conseguiu
convencer que não convence. Os sindicatos bem abastecidos financeiramente
cuidam de recrutar os que “acreditam” no partido. (Nota do autor.)
O que o país assiste hoje, segundo FHC, é à junção das crises econômica,
política, e social, piorada ainda com a introdução de uma crise de ordem moral
escancarada, dada pela continuidade dos escândalos de corrupção do mensalão e
petrolão. É muita crise junta, ressaltou o político, lembrando que quando o
sistema de presidencialismo de coalizão foi transformado e deformado para
sistema presidencialista de cooptação pura e simples, o modelo fracassou por
completo e com ele o atual governo.
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A frase que foi pronunciada:
“A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido.”
(Sérgio
Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil)
Por: Circe Cunha – Coluna “Visto,
lido e ouvido” – Ari Cunha – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog -
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