"A tese de Elcio Gomes se transformou em livro:
"Nosso trabalho contribuiu para que as mágicas estruturais passassem a ser
reveladas"
As pranchas originais do Congresso Nacional e do
Palácio da Alvorada, e a maquete do Instituto Central de Ciências (ICC),
estarão expostas no museu de Nova York. Elas foram selecionadas a partir de uma
tese de doutorado da UnB
Da contemplação, nas ruas de Brasília, para o salão
de gala, em Nova York, os traços de Oscar Niemeyer ganham mais um espaço de
reconhecimento. Até julho, o Museum of Modern Art (MoMa) apresenta os croquis
de estudo dos projetos de palácios, como o Alvorada e o Congresso Nacional, na
exposição Latin America in construction: architecture 1955 — 1980 (América
Latina em construção: arquitetura de 1955 a 1980). O evento reúne a produção
dos expoentes da área no México, na Argentina, na Venezuela e no Brasil e
mostra a riqueza técnica e criativa dos profissionais da prancheta. No caso do
brasileiro, é a confirmação daquilo que se vê, todos os dias, ao circular pela
cidade: arte refinada ao alcance dos olhos.
Esta é a primeira vez que a obra do arquiteto é
exibida no museu, considerado o santuário da arte recente. A mostra ocupa o
salão principal do prédio, no sexto andar, e fica lado a lado com um acervo precioso,
que contém exemplares de Joan Miró, Henri Matisse e Wassily Kandinski. Porém,
no caso de Niemeyer, serão expostos três elementos: as pranchas originais do
Congresso Nacional e do Palácio da Alvorada e a maquete do Instituto Central de
Ciências (ICC), da Universidade de Brasília (UnB). A divulgação dos croquis
permite conhecer como foi o processo de criação de Niemeyer e revela o árduo
trabalho construtivo que permitiu sustentar cúpulas e fachadas suspensas. Esses
originais ganharam destaque com a tese de doutorado do também arquiteto Elcio
Gomes da Silva, pela UnB, em 2012. Silva se dedicou, por quatro anos, à análise
dos registros para entender o apuro técnico dos idealizadores dos prédios de
Brasília.
Croquis do Congresso Nacional e do Palácio da
Alvorada em exposição no museu nova-iorquino: restauração
Os documentos estavam sob a guarda do Arquivo
Público do Distrito Federal (ArPDF) e resultaram nas publicações acadêmica e
editorial Os palácios originais de Brasília. A tese se converteu em livro e, em
2014, foi lançado. Foram dois anos de expectativa até que a exposição fosse
aberta ao público. A equipe do MoMa visitou os acervos do Arquivo Público, da
Câmara dos Deputados e da UnB para conhecer a abrangência dos documentos.
Inicialmente, foi feita a pré-seleção de 10 obras. Delas, três foram
escolhidas. O trâmite entre museu e governo correu discretamente durante o
período, conforme o Correio mostrou em reportagens de novembro de 2012 e
janeiro de 2013. A proposta da exposição é apresentar e discutir a produção e a
forma de produção construtiva na América Latina, durante o século 20, e, em
especial, a partir da segunda metade dele. Isso porque a vanguarda dos projetos
contrastava, até então, com a realidade econômica e social dos países. Em nações
pouco industrializadas, como as da região, produzia-se arquitetura de
referência.
Revisitada
A arquitetura brasileira já havia sido, há mais de
70 anos, discutida em exposições no MoMa, mas nada tão grandioso quanto agora
(leia Memória). Em 1943, a fase de ouro do concreto armado era apenas esboço e
ocupou os corredores de lá por apenas um mês. Desta vez, a proposta é fazer
novo retrospecto da produção nacional, considerando a maturidade da corrente
modernista. O foco é entender a engenhosidade dos palácios de Brasília, tarefa
possível por meio da tese de Elcio Gomes da Silva. O autor explica que, a
partir da investigação das colunas de armação do Palácio do Planalto e das
vigas de sustentação do Congresso Nacional, por exemplo, chegou-se ao
entendimento da grandiosidade estrutural — e não só estética — desses prédios.
“Nosso trabalho contribuiu para que as mágicas estruturais passassem a ser
reveladas”, defende.
Quando questionado sobre a sensação de ser parte de
um momento de consagração da arquitetura nacional, o pesquisador não se deixa
levar por vaidades. “A satisfação é dupla. Existe a satisfação própria, como
arquiteto, em aprender e entender as obras, e aquela ligada ao reconhecimento e
à valorização dos monumentos pelo público. Quando ele percebe a riqueza dos
projeto, todo mundo aprende. Os monumentos não o são à toa e é preciso conhecê-los
para poder valorizá-los”, afirma.
Além disso, o espaço conquistado no MoMa evidencia
a constante capacidade de surpreender que o conjunto da capital federal tem.
“Apesar de Brasília já ser tão badalada lá fora, tão discutida, sempre há
novidades, como as soluções destacadas nas pranchas”, afirma. A projeção
internacional também é importante para o reconhecimento dos atuais
profissionais, explica o arquiteto. “Dessa forma, cria-se uma cultura
arquitetônica e construtiva também lá. Abrem-se oportunidades para que os nomes
daqui sejam conhecidos lá. É uma oportunidade de aprendizado também para nós,
porque os demais países da América Latina têm muitas obras que merecem ser mais
bem conhecidas”, destaca.
O livro Os palácios originais de Brasília Autor:
Elcio Gomes da Silva Ano: 2014 Editora: Edições Câmara
Para o embarque e a exposição em Nova York, as
pranchas passaram por um processo de restauração. Por causa do desgaste próprio
do tempo e da forma de armazenamento, o material apresentava alguns pontos que
precisaram de atenção especial para evitar a deterioração — trabalho
desenvolvido pelo Centro de Documentação da Câmara dos Deputados. Em parte do
material, havia marcas de terra e de fita adesiva para fixação das folhas.
“Foram três meses de restauro, em que a equipe retirou a cola da fita adesiva,
que afeta o papel vegetal”, conta Elcio. A exposição está em cartaz, no MoMa,
de 29 de março a 19 de julho.
Memória - Arquitetura brasileira
Em 1943, o MoMa apresentou a exposição Brazil Builds. Três maquetes — do
então Ministério da Educação e Saúde, no Rio Janeiro, do Pavilhão Brasileiro na
Feira Internacional de Nova York de 1939 e da Residência Arnstein, em São Paulo
— foram exibidas para apresentar a produção arquitetônica à época. A exposição
percorreu os Estados Unidos e a Inglaterra e culminou com a publicação do livro
homônimo. Naquele momento, Brasília não existia e a capital do país era o Rio
de Janeiro. O evento foi uma iniciativa da curadoria do museu e do Instituto
Americano de Arquitetos.
Exposição Latin America in construction: architecture 1955 — 1980 -Onde: Museum of Modern Art (MoMa), Nova York
Fonte: Maryna Lacerda – Fotos: Elcio Gomes – Fonte:
Correio Braziliense - (Matéria publicada em 27/03/2015)