O Partido dos Trabalhadores surgiu nos anos 80,
como esperança de redenção das esquecidas classes trabalhadoras. O fundador,
Luiz Inácio Lula da Silva, nunca lera o Manifesto comunista, de Karl Marx e
Friedrich Engels; a História do Primeiro de Maio de Maurice Dommanget; A
evolução da classe operária, de Jürgen Kuczynski; Greves de ontem e de hoje, de
Georges Le Franc; História das lutas sociais, de Everardo Dias, algum livro de
Caio Prado Júnior ou obra que tratasse da revolução industrial. Passava os
olhos pelo Diário do Grande ABC, o que lhe bastava. Jamais se interessou pela
história ou em conhecer a biografia de presidentes como Getúlio Vargas, o pai
do trabalhismo, e Juscelino Kubitschek, o construtor de Brasília. Ainda
sindicalista deixava transparecer certos traços de arrogância e
autossuficiência.
Quem conviveu com ele no Sindicato dos
Metalúrgicos, nos duros anos do regime militar, o acompanhou em memoráveis
assembleias de Vila Euclides, participou de intermináveis negociações com os
empresários do Grupo 14, passou pelas intervenções do Ministério do Trabalho em
1979 e 1980, não poderá lhe negar aguda inteligência, sensibilidade social à
flor da pele, espírito de luta, resistência nas adversidades, capacidade única
de converter derrotas em vitórias. Sentia, como os grandes políticos, “o cheiro
do vento”.
Lula foi o antipelego. Ao assumir a presidência do Sindicato, em 21 de
abril de 1975, como sucessor de Paulo Vidal Neto, o cenário trabalhista era
dominado por Ary Campista, Argeu Egydio dos Santos, Joaquim dos Santos Andrade.
O primeiro presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria
(CNI), o segundo presidente da Federação dos Trabalhadores dos Metalúrgicos do
Estado de São Paulo, o terceiro, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de
São Paulo. Lula apareceu como ameaça real ao peleguismo, por não prestar
vassalagem aos dois primeiros, e disputar com Joaquinzão a liderança do
sindicalismo paulista.
Defensor da reforma trabalhista, e declarado adversário do Imposto
Sindical, Lula passou a ser encarado pelos empresários da Fiesp como algo
moderno e merecedor de atenção. Atraiu olhares de jornalistas, professores
universitários, estudantes, religiosos, donas de casa. Em poucos meses, ele se
converteu em líder capaz de dominar centenas de ouvintes em palestras
realizadas nas principais capitais do país. Recordo-me, por exemplo, do
encontro com artistas e a juventude carioca no Teatro Casa Grande, convidado
que fora para expor seu pensamento quase revolucionário. A linguagem do
metalúrgico era rude, mas convincente. Logo se tornou companheiro de Ulysses
Guimarães, Franco Montoro, Teotônio Villela, Tancredo Neves, Miguel Arraes,
Pedro Simon, na campanha pelas eleições diretas.
Não se lhe pode ignorar o relevante papel desempenhado na
redemocratização. Pela primeira vez, após o golpe de 1964, a classe operária
voltava às ruas como protagonista da vida pública. Algo, porém, sucederia ao se
converter de oposição agressiva, incansável, aguerrida (que conheci quando
secretário do Trabalho do governo Montoro e ministro do Trabalho do governo
Sarney), em presidente da República.
Imagino que se deixou seduzir pela ambição. O que lhe sobrava em
esperteza lhe faltava em modéstia, cultura, experiência, para entender Brasília
e compreender que seus limitados recursos não bastavam para protegê-lo das
armadilhas política. A lua de mel com a economia, artificialmente inflada pelo
consumismo desenfreado, durou 12 longos anos. As contas chegaram ao segundo
mandato de sua preferida, a presidente Dilma Rousseff, e o saldo devedor é
assustadoramente negativo.
Milhares de empresas fecharam as portas. Tradicionais indústrias e
incontáveis negócios encerraram as atividades, A Petrobras está em cacos.
Grandes empreiteiras se encontram em recuperação judicial ou falidas. Mais de
10 milhões estão desempregados, sem dinheiro e endividados.
Como será o próximo semestre? É a pergunta que todos fazem e ninguém se
arrisca a responder. Lula, Dilma e o PT não podem se eximir das
responsabilidades pelo fracasso. Será ridículo e inútil tentar atribuir culpa
aos adversários. Se lhes resta algum patriotismo e dignidade deverão ensarilhar
armas e ajudar na recuperação da economia, sem atitudes temerárias e revanchistas.
Nesta quadra terrível, apenas a união de todos, em favor do Brasil, poderá nos
salvar.
Por: Almir Pazzianotto Pinto
– Advogado, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior
do Trabalho (TST) – Foto/Ilustração: Blog – Google – Fonte: Correio
Braziliense