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Cristovam Buarque: Na dúvida, pelo Brasil

O eleito deve estar sintonizado com seu eleitorado, isso não significa que o deputado, senador, vereador deva fazer pesquisa de opinião antes de cada voto. O eleito não representa apenas seus eleitores, mas toda a população. Seus eleitores não pensam todos com a mesma identidade sobre cada assunto, são divididos.
O fundamental é que o parlamentar esteja em sintonia com o que falou na campanha aos eleitores. Essa deve ser a verdadeira coerência: a consciência pessoal e o discurso na campanha. O parlamentar não deve ainda mudar as bandeiras, as propostas e o discurso pelos quais foi eleito. A lealdade ao discurso não tem sido uma característica de políticos, sobretudo governantes. Muitos esquecem os compromissos assumidos para se manterem fiéis a suas siglas e mudam de postura quando chegam ao governo.
Nas suas propagandas, a presidente Dilma mostrou um país perfeito que não existia, como se fosse resultado de seu primeiro mandato, e prometeu um paraíso para onde levaria o Brasil no segundo. Para se eleger, tomou medidas destrutivas da economia: as desonerações fiscais, redução da tarifa de luz, contenção forçada do preço de combustíveis e fez acusações falsas contra opositores.
A traição ao discurso de campanha, unida ao consequente desastre econômico e à imagem de corrupção na Petrobras, cujo conselho ela presidiu, ligada à percepção das falsas narrativas que utilizou em suas campanhas de marketing levaram à indignação geral, provocaram as manifestações populares que acenderam o desejo de um voto de desconfiança, como no parlamentarismo, para tirá-la da chefia do governo.
Mas estamos no presidencialismo, e a saída de um presidente passa por impeachment, não por voto de desconfiança, e o impeachment exige crime de responsabilidade. O processo iniciado pelo dr. Hélio Bicudo trouxe a chance de fazer um voto de desconfiança parlamentarista com a cobertura do impeachment presidencialista, devido a crimes de responsabilidade.
O processo seguiu todos os ritos e procedimentos estabelecidos pelo STF, passou pela Câmara dos Deputados e chegou ao Senado para se decidir pela admissibilidade ou não antes de se julgar o impeachment. Minha primeira reação ao ser colocado diante do voto de admissibilidade foi de votar como professor, vendo a eleição como um processo pedagógico; meu discurso deveria ter apenas 24 palavras: “Os que votaram na presidente Dilma devem aguentar seu governo até 2018 e os que não votaram nela devem esperar as eleições até 2018”.
Mas essa pedagogia pela catástrofe significaria ignorar a atual tragédia brasileira: quebra das finanças, falência dos estados e municípios, degradação da Petrobras, epidemias e caos na saúde, falta de apoio parlamentar, recessão, desemprego de 11 milhões, a vergonha da mais desbragada corrupção decorrente do aparelhamento da máquina governamental; significaria jogar debaixo do tapete as suspeitas de erros e de crimes de responsabilidade. E ainda impedir que seja quebrado, por até seis meses, o vício de quatro mandatos com 13 anos do governo atual.
Apesar de toda pressão, até mesmo a agressão verbal de muitos dos meus companheiros, decidi votar pela admissibilidade do processo, para que as dúvidas e suspeitas sejam esclarecidas. Lamento que o julgamento imponha a suspensão do mandato, mas é o que diz a Constituição, não fui eu tampouco que escolhi o vice-presidente. Ele foi escolhido e votado pelos eleitores da presidente Dilma. Votei pela admissibilidade. No lugar de votar com a afetividade pelos companheiros, preferi votar pela efetividade que o Brasil precisa.
Nosso país está quebrado financeiramente, decadente economicamente, atrasado educacional, científica e tecnologicamente, desmoralizado emocionalmente e dividido por intolerância política como nunca antes em sua história. O Brasil está como um náufrago cuja boia salva-vidas depende de provar que o comandante cometeu crime de responsabilidade.
Votei contra muitos, talvez até contra mim, mas votei pelo Brasil, porque nos julgamentos penais vale a expressão “na dúvida ficamos com o réu”, mas nos casos de interesse da Pátria, “na dúvida, ficamos com o país”. Deixamos, assim, que a próxima eleição e os livros de história nos julguem. E desejando viver o tempo necessário para assistir a este julgamento, se possível sendo tratado com respeito, ainda que com discordância. 
(*)Cristovam Buarque é Professor emérito da UnB e senador pelo PPS-DF - (Fonte: Correio Braziliense – 17/05/2017)

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