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#PortariaSurreal - - - (Portaria 314 do Iphan gera protestos e ação”)

Li uma matéria na capa do caderno Cidades com um título que me provocou a curiosidade: “Portaria do Iphan gera protestos e ação”. Como se sabe, o Iphan é o instituto criado por Gustavo Capanema, Rodrigo de Melo Franco e Mário de Andrade para proteger e valorizar o patrimônio histórico e cultural brasileiro. Imaginei que os protestos e a ação seriam movidos pelos especuladores imobiliários, sempre atentos a alguma brecha para atacar as instituições que zelam pelo nosso patrimônio público.

Mas, para a minha estupefação, não era nada disso. É precisamente a inversão de todos os valores. O Iphan publicou uma portaria na qual ressuscita várias propostas absurdas do chamado PPCub (Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília), apresentadas pelo governo petista de Agnelo Queiroz, rejeitadas por arquitetos e urbanistas, que levaram à suspensão do projeto. E a contestação vem da parte de arquitetos e moradores, que renegam as posições do Iphan.

Entre as propostas, a portaria permite a criação de lotes no Setor de Divulgação Cultural, no Eixo Monumental, desde que sejam mantidos o uso cultural e a ocupação máxima de 30% do setor. Nas quadras 700 da Asa Sul, estabelece a manutenção do uso residencial “como predominante”, quer dizer, concede outros usos. Libera 15% da área do Inmet, da Caesb e da CEB no Sudoeste, para edificações de até seis andares.

Durante os anos 1970, período dominado pelo regime militar, o irreverente professor da UnB João Evangelista sugeriu que fosse criada uma associação de não moradores de Brasília. Felizmente, esse tempo de alienação brutal foi superado. Hoje, os brasilienses se mobilizam para defender a sua cidade.

Vera Ramos, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do DF, lembra que definir regras do uso e ocupação do solo e parâmetros urbanísticos para a área tombada não é atribuição do Iphan, só pode ser feito pelo GDF por meio de lei distrital: “Essa portaria descaracteriza o conceito de unidade de vizinhança porque permite a alteração de uso de equipamentos públicos comunitários das entrequadras”.

É um erro nosso considerar o tombamento um tema preciosista para arquitetos e urbanistas, que não têm o que fazer. Essa é uma questão que afeta a vida de todos nós. Durante a gestão do arquiteto Claudio Queiroz no Iphan, ele recebeu um pedido para o tombamento do céu de Brasília. Parece algo estapafúrdio, mas vejam o que aconteceu no Setor de Autarquias Norte: os prédios apagaram o céu. A escala de Brasília criada pelo gênio de Lucio Costa é muito delicada.

Nós estamos mexendo muito com o meio ambiente, e ele está respondendo. No ano passado, durante o período da seca, comprei uma dúzia de bananas pela manhã e, quando retornei, à noite, elas estavam escurecidas e podres. O calor não dava trégua sequer na madrugada. Nessas condições, liberar 15% da área do Inmet para edificações de seis andares é uma temeridade. Se você chega a 200m do Parque Sucupira, já sente a umidade que vem da vegetação do cerrado nos protegendo das agruras do tempo.

Para a arquiteta Maria Elisa Costa, filha de Lucio Costa, “a Portaria 314 do Iphan (ou seja, a portaria original do tombamento), a meu ver, é IMEXÍVEL. Quando o governador José Aparecido tombou Brasília, o que foi tomado foi o conceito da cidade.” Espero que o governo da Geração Brasília de Rodrigo Rollemberg honre o compromisso de preservar Brasília com dignidade. É muito estranha a postura do Iphan. Ainda bem que os brasilienses acordaram para a relevância de defenderem a sua cidade.


Por: Severino Francisco – Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google

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