Por: Severino Francisco
Como se sabe, Oscar Niemeyer tinha
pavor de avião, só viajava de carro. E, nos tempos da construção de Brasília,
ele vencia as distâncias em estradas quase sempre precárias, tendo como
principal distração olhar as surpreendentes formações de nuvens no céu. É uma
verdadeira ópera aberta no espaço. Ao mirar o alto, é possível assistir a cenas
que se revelam de acordo com os caprichos da imaginação do observador.
Niemeyer via catedrais enormes e misteriosas e, outras vezes, guerreiros
terríveis a cavalgarem pelos ares. Mas é claro que haveriam de aparecer também
lindas, barrocas e curvas mulheres encostadas nas nuvens, assediando e
assanhando ainda mais monstros desconhecidos a correrem pelos ventos em louca
disparada. A fonte dessas evocações é o livro de memórias As curvas do tempo.
Essas cenas se desvaneciam em um átimo, num branco nevoeiro. Os
guerreiros viraram préstitos carnavalescos intermináveis. Os monstros se
escondiam em cavernas e retornavam ainda mais furiosos. As mulheres se
metamorfoseavam em pássaros ou em serpentes. Niemeyer pensou em fotografar as
figuras; nunca realizou o projeto, mas os estranhos personagens jamais saíram
da sua imaginação.
Certo dia, no entanto, ao olhar para o firmamento, ele divisou a imagem
surpreendente de uma beldade rosada, como aquelas lindas mulheres que aparecem
nas pinturas de Renoir, com o rosto oval, os seios fartos, o ventre liso e as
pernas longas a se entrelaçarem com as nuvens brancas do céu.
O medo de que ela se esvanecesse tomou conta, mas o inevitável aconteceu
e a figura foi arrastada pelos ventos que varriam o espaço de Brasília: “E
senti como aquela metamorfose perversa se assemelhava ao nosso próprio destino,
obrigado a nascer, crescer, lutar, morrer e desaparecer, para sempre, como
ocorria àquela bela figura de mulher”, escreveu Niemeyer.
Ao ciceronear um pianista húngaro em visita a
Brasília, o crítico de arte Olívio Tavares se surpreendeu com a observação do
olhar estrangeiro revelador: “As nuvens em Brasília fazem parte da arquitetura.
Integram-se aos contornos e volumes dos prédios. E os tornam mutáveis”, conta,
em artigo para a revista Humanidades.
Olívio não acredita que os arquitetos criadores da
cidade tivessem consciência de que as metamorfoses do céu brasiliense se
integrassem ao desenho dos edifícios e contribuíssem para imprimir
expressividade às audácias barrocas monumentais de Niemeyer.
Contudo, esse é precisamente um aspecto genial do planejamento
urbanístico e da arquitetura de Brasília. Com intuição de artista plástico,
Lucio Costa limitou o gabarito dos prédios a seis andares, delimitou o lugar
preciso de cada prédio e orquestrou todo o conjunto de acordo com a incidência
da luz. Foi ele quem transformou a cidade em ópera barroca permanentemente
aberta.
(*) Severino Francisco – Colunista
– Correio Braziliense – Foto/Ilustração: Blog - Google